A escola dos nossos sonhos: pequena introdução à história da educação

Resenha do livro:

CHALITA, Gabriel. A escola dos nossos sonhos: pequena introdução à história da educação. 1 ed. São Paulo: Cortez, 2014. 128 p.

Resenha de:

Armando Gomes Neto

Gabriel Chalita é professor doutor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM). É membro da Academia Brasileira de Educação e da Academia Paulista de Letras. É autor de mais de setenta livros, que abarcam diversos temas como, educação, direito, ética e filosofia.

O livro “A escola dos nossos sonhos: pequena introdução à história da educação” é um convite à reflexão e à ação. Ele tem como escopo promover uma reflexão sobre a construção de uma escola que atenda às demandas da sociedade contemporânea. E para isso, se faz uma breve viagem pelos olhares que a história deu à educação, sem se preocupar com detalhes de cada momento da sua história, pois essa não é a sua finalidade. O objetivo da obra é refletir sobre a escola que queremos hoje e o dimensionamento da sua complexidade, também de instigar e provocar o educador à não desperdiçar seu importante papel social que nasce não do postulado de uma única teoria, mas do respeito à autonomia do ser humano.

O título do livro surgiu a partir de vários seminários que o autor organizou como Secretário da Educação do Estado de São Paulo, entre 2002 e 2006, em que foram ouvidos educadores, pais e alunos, cada qual participando da construção da escola que acreditavam ser a melhor. Muitos programas foram implementados no Estado de São Paulo a partir desses seminários, por exemplo, O Programa Escola da Família, que constituía em abrir todas as escolas estaduais nos fins de semana para que as pessoas passassem a frequentar as escolas para conviver por meio da cultura, esporte, saúde e geração de renda.

No primeiro capítulo do livro, o autor descreve a escola na antiguidade, a começar pela organização tribal, que não havia escolas, como também não havia Estados juridicamente construídos. Os valores eram transmitidos de uma geração pra outra pela linguagem oral e as crianças aprendiam observando e reproduzindo as ações dos adultos, e aprendiam para a vida. Esse era o sentido da educação tribal, uma educação que preparava para a vida e com uma formação integral e universal, ou seja, todos os membros da tribo tinha acesso à uma formação do homem no seu todo e, ao mesmo tempo, de todos os homens.

Chalita destaca que em civilizações como a Mesopotâmia, Egito, Índia e China, passaram a favorecer a prática educacional fundamentada no respeito aos valores próprios das sociedades teocráticas. Diferentemente das sociedades tribais, em que a instrução se destinava a todos, nessas civilizações observou-se o aparecimento de uma classe de dirigentes que se distinguia dos demais membros do grupo social, conforme a influência e a atuação de seus membros no domínio e controle das forças que regiam a vida em coletividade. A escrita apareceu nessas culturas. Antes do chamado alfabeto, ela foi pictográfica (representação de figuras em um alto nível de abstração) e ideográfica (representação de objetos e ideais). No Egito, o processo educacional ocorria em obediência à uma técnica que incluía a repetição de conceitos em voz alta e em grupo, com o objetivo de favorecer a aprendizagem pela memorização. Três aspectos mereciam destaque na educação egípcia: falar bem, escrever bem e ter um bom condicionamento físico. Na Índia, o fator religioso levou à formação de classes de estratificação ainda mais definidas e hierarquizadas, o chamado sistema de castas, em que a ascensão social era quase impossível. Os filhos de castas superiores eram educados geralmente como os egípcios, embaixo de árvores, ao ar livre, e sob a responsabilidade de mestres muito reconhecidos e encarregados de ensinar os valores religiosos que garantiam a unidade do povo e o direito à imortalidade.

Segundo o autor, os gregos foram profícuos pensadores da educação. Eram considerados filósofos cosmocêntricos, pois se preocupavam mais com os fenômenos da natureza do que propriamente com o homem ou com a divindade. Pode-se resumir a herança pedagógica dos gregos no conceito de Paideia, um conhecimento integral e universal, capaz de fazer do homem um ser virtuoso. Esse homem absoluto tinha de conhecer a filosofia, a linguagem, a música, os esportes, a matemática, a astronomia, a geometria e a política. O povo grego valorizava o ócio digno, isto é, a disponibilidade de tempo para pensar e estudar. Skholé, que dá origem à palavra “escola”, no grego, significa o ‘lugar do ócio’. Para Platão, a beleza da educação estava no conhecimento do ser humano sobre o seu intelecto e sobre o amor puro, que não buscava a satisfação imediata dos prazeres do corpo, mas essência da felicidade da alma.

Finalizando o capítulo, Chalita retrata brevemente a educação em Roma. No Império Romano, a sociedade se dividia entre patrícios (homens do poder) e plebeus (homens do povo). A educação ministrada pelo Estado envolvia somente os patrícios. Na República, os patrícios eram submetidos a um preparo ainda maior para o exercício de cargos públicos. Cícero foi um dos grandes pensadores romanos, ele defendeu uma escola que formasse homens dotados de cultura universal, que incluía filosofia, formação jurídica, desenvolvimento de habilidades de linguagem e matemática, atividades teatrais e esportivas.

No segundo capítulo, intitulado de “O teocentrismo medieval e o antropocentrismo renascentista”, o autor descreve a história da educação na idade média. Tendo início por volta do ano de 476 até a chegada da modernidade no século XV. A idade média trouxe contribuições inegáveis em todas as áreas do conhecimento, inclusive a educação.

Com a fragmentação do Império Romano, a Igreja teve um poder agregador. Ela ditava as regras, coroava os reis e cuidava da alma e do corpo. O monges eram os únicos letrados, por meio da escrita, registravam a história, eternizava a memória. Nem a nobreza, nem os servos sabiam ler. Na Igreja Católica, as escolas proliferaram junto às catedrais e nos mosteiros, com a finalidade de formar o caráter e a espiritualidade, e era voltada para uma pequena elite, que podia dispor do ócio sagrado. Com a chegada dos burgueses ao poder, o ensino passou a ser menos teórico e mais prático, por exigência das relações comerciais. As escolas seculares (não religiosas) começaram a dar ênfase a disciplinas mais práticas, como geografia, ciências naturais e matemática aplicada ao comércio. As acomodações dessas escolas eram modestas, o ensino se dava nas casas, nas praças, embaixo de uma árvore, enfim, o importante para essa época eram o conhecimento e a didática do professor.

Nesse período se observa também a força da educação islâmica. Os árabes criaram a “Casa da Sabedoria”, que agregava uma significativa biblioteca e um corpo de tradutores vindos de lugares como a China e a Grécia. Apesar de estudarem matemática, medicina, geografia e astronomia, os árabes tinham uma preocupação com religiosidade, e construíram numerosas escolas com a finalidade de se ensinar o Alcorão para as crianças.

Movimentos filosóficos também surgiram na Idade Média. Um dos movimentos acreditavam em dois princípios regentes do universo: o bem e o mal. E que o ser humano recebia de Deus um dom especial, uma fonte de inteligência que lhe ensejaria condições de percorrer os caminhos do bem. Isso chegaria a Teoria da Iluminação, ou seja, o Iluminado por Deus (o mestre) transmitia ao aluno os instrumentos que o ajudariam a encontrar, dentro de si, a verdade revelada. Outros movimentos, como a Escolástica, acreditavam que a educação era o caminho para que a potência se concretizasse em ato. Um caminho que faz com que o educando consiga atingir a verdade, superando a ignorância que leva ao erro e ao engano.

Já no Renascimento, buscou-se a contraposição das ideias medievais colocando o homem, e não Deus, no centro das discussões filosóficas. O objetivo era de formar o humanista, o homem culto que poderia frequentar a corte com elegância. A educação moral ganhava força, e os castigos corporais começaram a fazer parte da disciplina visando à formação de homens de bem, algo que antes não ocorria. Nessa época, educadores como o italiano Vitorino da Feltre fundaram escolas que se preocupavam com a sociabilidade e o autodomínio. Em lugar dos castigos corporais, artes e esporte eram ministrados para formar o caráter.

Nesse período houve a fundação da Companhia de Jesus, que tinha como objetivo, a rígida disciplina, luta contra os infiéis e levar os valores cristãos para os confins da Terra. Da Europa partiram para Ásia, África e Américas. Uma das características do ensino dos jesuítas, além da aplicação de castigos físicos, era a competição entre alunos e classes: os melhores recebiam prêmios e os piores eram apontados como perdedores.

Chalita cita alguns nomes neste capítulo, como Martinho Lutero, que lutou por uma educação primária para todas as crianças e recusava o uso do castigo corporal. Nicolau Maquiavel, que acreditava que o conhecimento era a grande arma para a conquista do poder. Erasmo de Rotterdam, que defendia o respeito ao amadurecimento da criança, era preciso que o prazer fizesse parte do processo educativo e que os castigos fossem abandonados. Michel de Montaigne, que acreditava em uma educação que desenvolvesse os bons hábitos e que o estudo tinha o objetivo de desenvolver o bom senso e a virtude.

Nesse capítulo, sete páginas são destinadas à um diálogo entre D. Quixote e Sancho Pança, extraído obra de Cervantes, D. Quixote de La Mancha. No diálogo, D. Quixote aconselha e censura a má linguagem de seu escudeiro que é constantemente diminuído ante a grandeza do conhecimento do seu amo, cujos conselhos, se numerosos, não conseguiria memorizar e, se escritos, não saberia lê-los.

O terceiro capítulo é sobre a educação contemporânea. Antes de apresentar seu modelo atual, o processo educacional sofreu influência de numerosos pensadores antigos, modernos e contemporâneos. Chalita menciona alguns desses pensadores, bem como o que eles acreditavam na época em relação ao conhecimento e a educação.

O autor inicia com Galileu Galilei, que valorizava o método da experimentação, demonstrando que o conhecimento e a verdade só poderia ser alcançado por meio dos sentidos. Dois outros pensadores pensavam igualmente, Francis Bacon e John Locke. Na mesma época, René Descartes acreditava que era a razão, e não os sentidos, que conduzia o homem para o alcance da verdade. Os sentidos enganavam; a razão, não. Para Descartes a razão precedia a experimentação.

Outro pensador citado por Chalita foi Jean-Jacques Rousseau, que propusera uma educação embasada no retorno do homem à natureza (o bom selvagem) e à sua espontaneidade natural, afastando-se de uma sociedade corruptora em que vive. Pois Rousseau acreditava que o homem era bom por natureza, mas sujeito à corrupção pela convivência social civilizatória. A esse pensamento, Chalita cita um trecho de duas páginas da obra de José de Alencar, “O Guarani”, apresentando a figura do valente, bondoso e gentil índio Peri e os ideais do bom selvagem.

O autor faz referências também aos pensamentos de Immanuel Kant e João Amós Comênio, o segundo acreditava que o ensino deveria ser feito para a ação, ou seja, só se aprende a fazer algo, fazendo; e com significância para a vida. Trechos de sua obra, “Didática Magna”, também ganharam espaço nesse capítulo.

No Brasil, dentre os jesuítas, destaca-se um dos maiores pensadores da época moderna, Padre Antônio Vieira, fez de seus sermões uma vasta obra literária. Sete generosas páginas desse capítulo, foram destinados a um trecho dos “Sermões”, pregado em São Luiz - MA em 1654, que revela, por meio de sua ironia, os vícios e as virtudes do homem.

Os pensamentos de Hegel também foram citados pelo autor, o mesmo defendia uma escola cultural, de currículo menor, mas profundo, voltado para a formação integral e harmônica do homem, em que razão e emoção convivessem em equilíbrio interior. Já Friedrich Nietzsche tinha um ideal de educação que estivesse a serviço da vida, das necessidades do homem, do desenvolvimento do senso crítico.

Karl Marx também teve um trecho de sua obra citado por Chalita, em seu “Manifesto Comunista”, Marx faz uma análise da formação social ao longo da história. Nesse mesmo capítulo o autor brinda os leitores com dois textos – uma epístola e um poema – sobre escolhas e liberdade, de Sêneca e Fernando Pessoa respectivamente.

Nos últimos 150 anos, complexas formas de representação do homem vieram enriquecer o pensamento. Nesse sentido, Chalita aborda brevemente o positivismo de Auguste Comte, os fenômenos sociais na análise de Émile Durkheim, a importância da linguagem de Ludwig Wittgenstein e a complexidade de Jürgen Habermas. Segundo o autor, isso acaba por ter implicações no âmbito da educação, contribuindo para uma profunda análise reflexiva e crítica da atividade educacional, de forma a definir os fundamentos, objetivos e métodos do processo de ensino e aprendizagem.

Chalita encerra o capítulo fazendo referência aos pensamentos de Edgar Morin, com a enumeração de sete saberes, a fim de inspirar os educadores: as cegueiras do conhecimento; os princípios do conhecimento pertinente; a condição humana; a identidade terrena; as incertezas; e a ética.

No quarto e último capítulo, após breve viagem ao passado que retratou algumas teorias pedagógicas, as inquietações filosóficas e os pensamentos dos principais personagens da história da educação, o autor faz uma reflexão com a escola com que sonhamos. Chalita afirma que, muito do que foi dito na história, foi reescrito e que é muito comum fazer ou conceber algo novo apoiando-se em ações ou ideias do passado. Sem a pretensão de dar receitas prontas e engessadas em educação, Chalita apenas pontua alguns elementos que podem ajudar a construir a escola dos nossos sonhos, são alguns deles:

• O prédio escolar deve ser acolhedor, simples e funcional. O aluno precisa sentir-se bem e espaços de convivência, como teatro, biblioteca, área esportiva podem promover uma relação contínua de aprendizagem. O autor sugere que as salas de aulas poderia ser dividida em estações: uma estação com algumas mesas em que os alunos sentassem em grupos, outra estação com almofadas para leitura, outra com alguns computadores e outra com um televisor e um aparelho de DVD.

• O conceito de escola necessita ser ampliado. Chalita afirma que a escola vai além de seus portões e que é importante e necessário que o aluno frequente outros espaços do seu bairro e de sua cidade que apresentam potencial instrutivo, tais como, museus, cinemas, parques, rios etc.

• O currículo não pode estar engessado e tampouco ser imposto. Ele precisa ser construído pelos educadores em ação conjunta com a comunidade escolar.

• As práticas democráticas conduzem à educação libertadora, ou seja, não se pode ensinar a importância da liberdade sem permitir que o aluno seja livre. Sobre isso, o autor sugere que manifestações estudantis devem ser incentivadas para que o aluno compreenda sua atuação como líder em construção.

• Os educadores são as grandes lideranças do processo ensino-aprendizagem. O professor tem de dar o exemplo, e o aluno tem de ter limites, pois a liberdade não significa permissividade. Segundo o autor, os limites devem ser entendidos como necessários e provenientes da autoridade do professor que necessita ser respeitado para exercer com liderança e competência o seu mister.

• A importância de uma gestão competente. O autor ressalta que o diretor da escola é a figura central para o bom relacionamento da comunidade escolar e sua postura e liderança são essenciais para que professores, alunos, funcionários e pais sintam segurança por terem optado por um local correto de trabalho ou de estudo.

• A participação familiar: uma solução possível. Segundo Chalita, é de suma importância que a família participe do processo educativo para aprender e ensinar junto com a escola. Essa participação pode acontecer de modo simples, como conversar sobre o que acontece na escola, acompanhar o dever de casa e incentivar a leitura.

• A transmissão do conteúdo e sua metodologia. O autor afirma que a arte de educar é também arte de seduzir. Se o educando não se sente atraído pela disciplina, se ela não lhe for significativa, dificilmente haverá aprendizagem. Os professores precisam então, traduzir o que sabem de forma a envolver cada aluno.

A última sugestão pontuada por Chalita está relacionada à celebração da vida, o mesmo afirma que a aprendizagem dá sabor à vida, e cada evento realizado na escola com os alunos e suas famílias deve priorizar a celebração da vida, como festas, formaturas, eventos culturais, cantos de leitura e ações voluntárias.

No encerramento de sua obra, o autor afirma que a escola dos nossos sonhos é aquela construída de forma responsável e coletiva e que nossos mestres brasileiros Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro, Paulo Freire, entre outros, já nos ensinaram essas lições. Chalita afirma também que gostar de viver o ofício de educar é o fundamento do que precisamos fazer para colocar o saber em movimento.

Gabriel Chalita
Enviado por Armando Gomes em 27/04/2015
Código do texto: T5221917
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