A DIALÉTICA DO SENHOR E DO ESCRAVO

A dialética do Senhor e do Escravo em Hegel
"O senhor força o escravo a trabalhar, o escravo torna-se senhor da natureza. Ora, ele só se tornou escravo do senhor porque - à primeira vista - era escravo da natureza, ao se identificar com ela e ao submeter-se às suas leis pela aceitação do instinto de conservação".
Alexandre Kojéve
 
     No Capítulo IV de Fenomenologia do Espírito (1807) – Independência e Dependência da Consciência-de-si – , Hegel faz uma abordagem sobre a Dialética do Senhor e do Escravo, em que o Senhor e o Escravo não representam seres reais, surgem apenas como alegorias para representar a dialética do reconhecimento da consciência-de-si que, Segundo Alexandre Kojéve, é sinônimo de realidade humana.
     De acordo com Hegel, a consciência-de-si é em si e para si, porque necessita atingir a sua verdade pelo reconhecimento de outra consciência- de-si. Dessa forma, constitui-se o desdobramento da unidade espiritual, designado pelo filósofo como o movimento do reconhecimento.
     A consciência-de-si é idêntica a si própria por meio da exclusão do outro: para ela, o Eu é a sua essência e o seu único objeto, tornando-se singular. Sendo assim, o outro se apresenta para ela como um objeto inessencial, portanto, negativo. Entretanto, esse outro é também uma consciência-de-si independente. Destarte, os indivíduos significam, um para o outro, objetos comuns, seres independentes, submersos nesse objeto que se determinou como vida. Cada uma dessas consciências ainda não conhece a outra como consciência-de-si, porque “cada uma está certa de si mesma, mas não da outra; e assim sua própria certeza de si não tem verdade alguma, pois que sua verdade só seria se seu próprio ser para-si lhe fosse apresentado como objeto independente ou, o que é o mesmo, o objeto [fosse apresentado] como essa pura certeza de si mesmo.” (HEGEL, 1992,p. 145).
  Todavia,  conforme o conceito de reconhecimento, isso é inexequível, a menos que cada um realize em si, por intermédio de seu próprio fazer e do fazer do outro, abstração do para-si, isto é, “ ele para o outro, o outro para ele,  cada um em si mesmo, mediante seu próprio agir, e de novo, mediante o agir do outro”. (HEGEL, 1992, p. 145).
     Nessa duplicidade de ação, a consciência-de-si se decompõe nos extremos em que cada um atua como meio para a outra consciência relacionar-se consigo mesma, ou seja, “ eles se reconhecem como se reconhecendo reciprocamente.” (idem p. 145). Desse modo, cada consciência-de-si tem necessidade do reconhecimento da outra. O resultado disso é o conflito entre ambas: uma é só a que reconhece (o escravo); a outra, só a que é reconhecida (o senhor).
     A fim de elevar sua certeza à verdade, as duas consciências-de-si apresentam-se como adversárias, ou seja, cada uma limita a outra pela resistência, numa luta de vida e morte que elas devem enfrentar, arriscando a vida que é um puro ser-para-si. Quando o indivíduo não arrisca a vida, não atinge a verdade do reconhecimento como uma consciência-de-si independente, embora possa ser reconhecido como pessoa. Entretanto, quando ele arrisca, afirma Hegel:


“ [...]cada um deve igualmente tender à morte do outro; pois para ele o Outro não vale mais que ele próprio. Sua essência se lhe apresenta como um outro, está fora dele: deve suprassumir seu ser fora-de-si. O Outro é uma consciência essente e de muitos modos enredada; a consciência-de- si deve intuir seu ser-Outro como puro ser-para-si, ou como negação absoluta. (p.146).
    
 Nesse sentido, a morte suprime a verdade da consciência-de-si , privando-a do seu reconhecimento. Com essa experiência, torna-se evidente para a consciência-de- si que a vida lhe é tão indispensável quanto a pura consciência-de-si. Essa consciência emerge, por conseguinte, como pura consciência-de- si e como consciência para uma outra. Esses dois momentos vão representar duas figuras opostas da consciência: uma é a consciência independente (o senhor), cuja essência é o ser-para-si; a outra é a consciência dependente (o escravo), cuja essência é a vida.
     O senhor se relaciona com o escravo de forma mediata por meio da natureza, enquanto o escravo está retido nela, da qual não pode abstrair-se, tornando-se dependente. O senhor, ao contrário, tendo conseguido tal abstração, dominou a natureza e, consequentemente o escravo.      Entretanto, o senhor só pode exercer sua dominação sobre o escravo, se ele se curvar às suas ordens e executar os trabalhos exigidos pelo senhor. Mediante a submissão às ordens e a realização dos trabalhos impostos pelo senhor, o servo adquire a consciência de sua importância – para si e para o outro – e vai assumindo, paulatinamente, a posição do senhor, buscando inverter a relação. O senhor, por sua vez, ao exigir trabalho e submissão do escravo, percebe o quanto é dependente dele e está ciente do risco que corre, se ele, por algum motivo, não cumprir as ordens e rebelar-se. A partir de então, o senhor assume a posição do escravo.
     Dentro dessa dialética, cada um reconhece a existência e a importância do outro na relação e adquire consciência-de-si e do lugar que ocupa na hierarquia das posições que assumiu, bem como reconhece a importância do outro e de sua consciência-de-si. Embora seja subserviente e subordinado às exigências do senhor, o qual ele teme, o escravo demonstra, ao mesmo tempo, fragilidade e força, visto que é pelo seu trabalho que ele se torna essencial para o senhor. Enquanto o senhor, que é forte e destemido, procura manter sua autoridade sobre o escravo, valendo-se de proibições e punições que lhe são conferidas pela posição que ocupa.
     Assim, para Hegel, na luta entre o senhor e o escravo, não pode haver vencedor e perdedor, porque isso causaria a morte dos dois e impediria que o processo de conhecimento e reconhecimento das consciências-de-si rumo à Rrazão e ao Espírito progredisse.


Referências

HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Fenomenologia do Espírito. Tradução de Paulo Menezes. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1992.

KOJÉVE, Alexandre. Introdução à leitura de Hegel. Tradução de Estela dos Santos Abreu. Rio de Janeiro: Contraponto: EDUERJ, 2002.

LACAN, Jacques (1962). O Seminário 10 – A Angústia. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.

 
Lídia Bantim
Enviado por Lídia Bantim em 16/01/2016
Reeditado em 25/06/2017
Código do texto: T5512655
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