A árvore que dava mais que dinheiro

Eu devia ter uns dez, onze anos, um desvairado no espaço ora calçado da então pequena União dos Palmares, vindo da até hoje pequena Novo Lino - cidadezinha do interior de nosso Estado - , queimando a vista no alfabeto, dando saltos horríveis entre palavras e sílabas da cartilha da escola, a qual me empurraram goela abaixo. Um analfabeto convicto. Eu não discordava dos que me julgavam analfabeto aos quase doze anos: quanto às letras, àquela ocasião, me eram seres quase incompreensíveis, repleta escuridão, incógnita.

No mundo palpável no entanto me locomovia até bem, com exceção de alguns esbarrões em postes, pretensos atropelamentos por bicicletas desgarradas soltas às ruas, como gado vadio, guiadas por sujeitos inabilidosos no trato da máquina mortífera. Em meio a esse caos urbano, eu vindo da Novo Lino campestre, rústica e um tanto surreal, me causou furor no espírito o viver na União que me apresentavam, na escola em que me puseram, no mundo em que me disseram ser o melhor dos mundos possíveis, neste momento me chegou às mãos A Árvore que Dava Dinheiro.

Com menos de cem páginas, ilustrações tentadoras, linguagem acessível, sem muitas palavras polissílabas, adjetivos ferozes, advérbios desnecessários, o livro de Domingos Pellegrini me arrebatou de imediato. Foi uma de minhas primeiras leituras, a qual me alçou, à tenra idade, ao mundo encantado da literatura. Eu o lia vagarosamente, esforçando-se para respeitar a pronúncia das palavras. Vez outra trocava o l por r em palavras como planta, pronunciando pranta, engolia o s final de outros termos. Nada muito grave, penso. Fui aos poucos me familiarizando com as letras e a história contada e estes escorregões pronunciais não me incomodaram mais, foi então que A Árvore que Dava Dinheiro passou a ganhar ainda mais meu tempo livre e admiração.

O livro conta a historia da pequena Felicidade, cidade na qual de repente uma árvore começa a dar dinheiro, e a partir de então tudo munda na rotina de seus cidadãos. Antes calma, sossegada, pacata, após esse evento, a cidade se transforma em um pandemônio. Seus habitantes já não dormem nem descansam; só pensam em ganhar dinheiro, enriquecerem. Tudo tem um preço, que no início é bem baixo, mas depois, com a inflação, um saco de dinheiro não compra um fósforo.

O tempo passa, e os cidadãos de Felicidade vão perdendo a sanidade e honestidade que lhes restavam, com exceção do açougueiro que parece não se vender ao dinheiro fácil brotado das arvores. Ele continua sua vida como outrora, sem ambições desnecessárias, avareza. É, do meu ponto de vista, o ponto chave do livro. Uma metáfora do mundo em fragmentos. Talvez não tão grande quanto Felicidade.

Temas como ganância, egoismo, desonestidade, interesse próprio em prejuízo do coletivo avultam nas entrelinhas do enredo, o que me levar a crer que o livro de Pellegrini fala sobre uma árvore que dá mais que dinheiro.

Damião Caetano da Silva
Enviado por Damião Caetano da Silva em 19/06/2016
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