Poética e andarilhagem

Diz-me um conhecido que caso fosse possível apartar o homem do sofrimento humano então teríamos a mais perfeita poesia. Confrontando esse prognóstico, José Issa Filho nos oferece uma poesia plena de humanidade em que estão reunidos sofrimento e realidade das coisas mundanas. Essa mundanidade de José Issa é o que torna a sua poesia um encontro reflexivo com o território das vidas reais, poesia vincada pelo sal de um cotidiano que se realiza também no sentimento da dor. Essa sua mundanidade é o que faz, de sua escrita, uma escrita aos 80 anos.

Não parece ocasional que José Issa passe a se dedicar à poesia aos 80 anos e que o faça com a mesma andarilhagem com que fez com o romance e com a memorialística. O poeta andarilho nasce plenamente maduro de uma poesia cheia de narrativas históricas, de ludicidade e de lirismo. Mais que isso, o exercício da escrita convida o próprio narrador à compreensão de sua transcendência. Essa forma de poetizar pressupõe um leitor, que é também caminhante porque tornado cúmplice da narrativa. Essa cumplicidade pressuposta impõe ao poeta o desafio da partilha transparente de sua vivência como sujeito histórico e como subjetividade, assumidas por ele sem máscaras e sem o receio de ter sido o que foi, de ser o que é. Quem de nós terá atingido tal sabedoria e sensibilidade consigo mesmo e com o mundo das coisas postas em seu devido lugar? Que outra poesia poderá ser mais humana do que aquela em que os dizeres são reflexões que permitem – ao poeta e aos leitores – que riam de si mesmos e que tenham complacência com suas próprias doses de loucura e devaneio?

Ao reunir reflexões sobre o mundo através de Pedro Leopoldo, José Issa faz, ao mesmo tempo, uma revisão poética e ética de si, compreendendo o universo de seus desejos não realizados e a universalidade de seu jardim interior, florido e, ao mesmo tempo, cravado de espinhos. A dialética prescrita no título (A vida, suas flores, seus espinhos) de fato se concretiza na poética da obra (e de resto em toda a sua obra), e, tal como o algodoeiro, a poesia de José Issa comparece à nossa sensibilidade com os troncos grossos, sobre o qual pendem frutos que explodem branca leveza, frutos andarilhos ao vento, tais como neve, brancuras palavras transeuntes.

Aprendamos com a sabedoria do poeta: leiamos a mundanidade de suas rimas, a transcendência de sua escrita e a universalidade de suas lições para as nossas próprias formas de rimar a vida, como ele mesmo nos diz “sem o menor proveito, sem o menor futuro, sem esperança de glória, sem esperança de cura, apenas sonho, sempre sonho...”

José Issa Filho reside em Pedro Leopoldo, tem 84 anos e é autor de vasta obra literária, transitando pela memorialística, crônica e pela poética. Publicou, dentre outros, “A mãos do gato”, Tavares, “Coisas do Reino de Pedro Leopoldo” (1, 2 e 3) e "A vida, suas flores, seus espinhos". Seu livro mais recente é um livro de contos e intitula-se "O comprador de Ouro", Tavares, 2007. Seu livro mais conhecido é "O mascate Elias", Tavares, 2003.

Resenha originalmente publicada no Jornal Aqui, setembro de 2006. Direitos autorais reservados.

Júnia Sales
Enviado por Júnia Sales em 30/10/2007
Reeditado em 04/11/2007
Código do texto: T715948
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