Pescar truta na América - Richard Brautigan

Humor e nonsense: dando tratos à truta...

Richard Brautigan - Pescar truta na América, SP, editora Marco Zero, 1991

Publicada originalmente em 1967, Pescar Truta na América, obra cultuada de Richard Brautigan (1935–1984) que vendeu dois milhões de exemplares logo após seu lançamento, não é apenas o título do livro em questão; é também o nome do personagem principal ou narrador. Mas, como bem observou um crítico italiano, talvez fosse melhor dizer que Pescar Truta na América é, acima de tudo, uma entidade.

Assim, ele pode ser igualmente o Baixinho (Shorty) ou, na versão brasileira, o Anão Pescar Truta na América. Que, de repente não mais que, se torna astro da Nouvelle Vague nos anos 1960. Baixinho (ou Anão) é, na verdade, um homem-tronco, já que não tem pernas: elas foram despedaçadas, não por piranhas, mas por trutas, vejam só.

Não apenas esse fato pode parecer sem sentido, mas muita coisa mais, e isso torna o livro quase sempre engraçado ou, no mínimo, espirituoso a maior parte do tempo.

Brautigan nos conta Em Pescar Truta na América não apenas uma história cheia de nonsense, mas várias, ligadas por um mesmo assunto: a pesca de trutas na América. Título de livro que em vários lugares chegou a ser confundido com um manual para pescadores, o que não deixa de ser mais uma anedota. E que Brautigan deve ter apreciado bastante (ou não) até meter um balaço na cabeça aos 49 anos.

Pescar Truta viaja com a mulher e a filhinha pela América e vai contando suas histórias que além de trutas envolvem artistas, políticos, campistas, velhinhos, prostitutas, pastores de ovelhas etc.; vale dizer, toda a fauna humana.

Os textos não seguem necessariamente uma sequencia temporal; há recuos e avanços no tempo e essas mudanças podem ser bruscas, de um capítulo para outro. Há textos de menos de uma página e outros longos e até mesmo alguma poesia pode ser encontrada nalguns parágrafos.

Se for preciso estabelecer alguma ligação com outros escritores, Brautigan parece estar mais conectado ao jeito de escrever de Mark Twain - pelo menos o do livro Dicas Úteis Para Uma Vida Fútil - do que propriamente aos escritores de seu tempo, beatniks como Jack Kerouac e outros. Tanto que ele é considerado por alguns críticos um "off-beat writer", mas especialmente um escritor cult. O Woody Allen dos livros Fora de Órbita e Sem Plumas também parece ter um jeito brautiganesco de escrever. E até mesmo o David Foster Wallace de algumas histórias de Breves Entrevistas com Homens Hediondos.

Não é lá muito fácil resumir o que Brautigan escreve, pois ele escreve sobre tudo e também sobre nada: para falar de alguém, ele cita outra pessoa, apela para a memória para se lembrar de um velho cão que, de tão velho, parecia empalhado e urinava seco; mas ele pode igualmente transformar em crônica algo como um relatório qualquer, uma lápide de cemitério, um aviso numa estrada, o rótulo de um produto enlatado, um velho diário, qualquer coisa. E aqui vai um trecho saboroso para apreciação:

“Um dia saí do alojamento [de pesca] e caminhei seguindo o rio Klamath, que corria turvo e revolto e tinha a inteligência de um dinossauro. Tom Martin era um riacho de água fria e clara (...), que desembocava no Klamath. (...) Tudo bem com essa história de botar o nome de pessoas em riachos e depois, dali a algum tempo, verificar o que tinham a oferecer, saber no que haviam se convertido, o que haviam feito de si mesmos. Mas esse Tom Martin acabou por se transformar num rio verdadeiramente filho da puta. [Para chegar até ele] tive que lutar todo o maldito caminho com espinheiros e ervas venenosas e quase não havia nenhum lugar decente para se pescar ali. Em alguns trechos o desfiladeiro onde ele corria era tão estreito que parecia que sua água, isso sim, vinha de uma torneira. (...) Era realmente necessário ser um encanador para se pescar naquele rio.”

Depois de visitar quase todos os riachos piscosos americanos, Pescar Truta se estabelece em São Francisco mas um dia vai até Cleveland, Ohio, a um ferro-velho que vende de tudo que se possa imaginar, pois soube que ali havia um riacho truteiro à venda.

Mantém com o vendedor de riachos um dos diálogos mais insanos que já li – mas que parecerá muito natural para pescadores de truta como ele (ou pescadores em geral, arrisco dizer) e tudo termina em maionese – outra fixação do autor deste engraçado livro. Cuja leitura não recomendo a ninguém (mal-humorado, claro).