CARTÃO VERMELHO – Dimmi Amora

A festa estava arrumada. Feijoada fumegante em caldeirões enormes, aguardando o final da partida entre o Ipê F.C. e o Novo Rio E.C., um time mediocre, classificado para disputar o campeonato de favelas. Nos vinte minutos finais do segundo tempo o time da casa vencia por 3 x 0.

Arrozinho, o goleiro do Ipê, fazia a alegria da comunidade alvi-rubra, naquela partida sem grandes emoções, que esperava ansiosa pelo jogo seguinte, com o Morro do Tatu, na grande final.

Jogo é jogo. Pode virar a qualquer momento, e num campeonato de favelas, onde interesses outros superam o espírito esportivo, o resultado do placar pode alterar o destino de muitas vidas. E assim aconteceu quase ao final daquela partida, quando uma falta grave foi cometida. Matias, jogador do Novo Rio, humilhado por uma bola indefensável, fez das travas da sua chuteira a arma que atingiria a canela direita de Zumbi, o dono do pedaço.

Zumbi, nascido na comunidade, foi criado sob os cuidados severos de Dona Gema, sua mãe, falecida de câncer. Ainda menino e sem pai, desceu o morro, ganhou as ruas e o céu como abrigo. Frequentando essa escola sem professor, aprendeu o que devia e o que não devia, sem perder o fio de ligação com seu morro. Bom negociante e astuto, não foi difícil conquistar a chefia do tráfico de drogas e a simpatia dos moradores.

Os idosos eram sua grande paixão. Dizia sempre: - enquanto eu estiver aqui, não tem perrengue – gostava de lembrar aos velhinhos. E não tinha mesmo. Ele impunha respeito, mas o juiz da partida não sabia disso. Zumbi que ainda sentia, na canela e nos brios, a trava da chuteira de Matias, esperou o momento certo e foi à forra.

E agora? O que acontece com um juiz, obrigado a cumprir regras, que expulsa o melhor jogador do time da casa e, se esse jogador for também o maior chefão do tráfico de drogas?

Ah, só lendo o livro pra saber.

Editora: 7 Letras

Ana Benevides
Enviado por Ana Benevides em 11/04/2008
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