O QUINZE - RACHEL DE QUEIROZ

Numa época de calamidade pública - uma das piores secas de todos os tempos - a tradicional alegria que faz parte da vida do nordestino se transforma em amargura. A terra é seca, e como conseqüência disso, as pessoas secam, os amores secam, a esperança seca. Rachel de Queiroz descreve em sua primeira obra, escrita quando a autora não havia completado ainda vinte anos, a luta desesperada pela sobrevivência num tempo em que só os mais fortes sobreviviam. A fome, a desnutrição, as doenças, o sol chamejante do sertão cearense, tudo parece contribuir para que essa amargura salte aos olhos do leitor, seja na descrição da paisagem desoladora ou na busca desesperançada de algum alimento que aplaque o sofrimento de milhares de pessoas, que, sem ter como trabalhar, buscam apenas conseguir de qualquer forma sobreviver a mais um dia de seca.

"O quinze" é, antes de tudo, o retrato de um povo abandonado à própria sorte, quase sem esperanças em dias melhores que nunca chegam. Essa desesperança reflete-se, inclusive, no par central do romance, Vicente e Conceição, que por falta de diálogo deixam de viver o amor que poderia render aos dois um consolo, naquele momento tão delicado da vida de ambos. É a seca, que resseca rios, pastos, terra, animais e corações humanos.

Ao mesmo tempo em que acompanhamos o retirante Chico Bento e sua família numa saga de sofrimento e dor pelo sertão, em busca de comida e trabalho, vemos ruir os sonhos de Conceição, mulher emancipada que viu no vaqueiro Vicente uma chance de finalmente ser amada e constituir família. Vicente é um homem forte, batalhador, que preferiu a lida no campo do que os estudos na capital. Conceição, ao contrário, é uma mulher à frente do seu tempo, professora e intelectual, que de escolha própria decidiu que não seguiria o mesmo caminho das outras mulheres que conhecia. Estudou, estabeleceu um caminho para seguir e não se desviou dele. Ao conhecer seu primo Vicente, porém, ficou tentada a mudar de planos. Admirava a força física do vaqueiro. Seu desejo de mulher, por tanto tempo reprimido, deu sinais de que não estava de todo dominado, mas, por fim, chegou à conclusão de que seus mundos eram por demais diferentes para permitir qualquer aproximação entre eles. Aqui vemos que, afinal, não era tão diferente assim das outras mulheres: deixou-se influenciar por insinuações de terceiros e ao invés de tirar a limpo as suas dúvidas, preferiu se calar e deixar morrer qualquer chance de viver um grande amor. Talvez o orgulho tenha falado mais alto, talvez a sua própria capacidade intelectual tenha causado a desistência, a fuga, e ela se fechou de uma vez por todas ao amor de Vicente, adotando uma postura fria e distante, que não era, em absoluto, a sua verdade, mas apenas uma capa protetora contra uma possível decepção futura.

Comparando a postura de Conceição com a das mulheres da nossa época, percebemos o quanto ela estava à frente do seu tempo: uma mulher independente, que ganha seu sustento sem depender de pai ou marido, e que paga o preço por ter escolhido o seu próprio destino.