Dialética da Paixão (Trilogia em Sonetos Alexandrinos Anapésticos)*


"Alma Tirana"
(3-6-9-12)

Lavadeiras de rio, em lavares de pano,
deixam n′água turvada os decalques da vida:
o suspiro da moça, o querer mais insano,
o pecado pensado, a vontade servida.

Vai também dissabor, remordido a engano;
da lasciva rameira à donzela esquecida,
se viveu, se sonhou, de bendito a profano,
desce tudo em corrente e se perde em seguida.

Se me fosse cabido apontar um desejo,
quereria o condão de extrair um viver:
o que dela ficou nesse imenso despejo.

E assim mapear o seu íntimo ser,
com o mapa, tenaz, decifrar seus mistérios,
conduzir seu amor a servir-me em impérios.




Ao "Tirano"
(3-6-9-12)

Como podes querer inquirir o sagrado,
dessas águas pilhar os acervos da vida?
Cada dor, cada bem, do presente e passado,
que ficou nesse rio em fiança jazida.

Como podes querer a mulher a falsado,
ter encanto desfeito, a vontade gerida?
É esfinge reversa, em seu credo firmado
de que, se decifrada, a devoram sorvida.

Se te fosse ofertado escolher um pedido,
deverias sentir a leveza do ar
em um bicho liberto, o odor do contido.

E se julgas apreço um afã de domar
um igual, por cobiça, avidez leviana,
resta a mim prevenir-te: a tua alma é tirana.



Além!
(3-6-9-12)

Como posso tomar desvalido despejo,
arremedos de vida, a meu sal salvador?!
Como posso conter um instinto desejo,
por encanto trazê-lo em devido pudor?

Ah, nem podes pesar o penar de um andejo
que vagueia em outrora, assombrado em torpor.
Sou um cão desprezado, em arfante fraquejo,
arrastando em aclive os grilhões desta dor.

O querer é revolto, um voraz na conquista,
abastado de ardor, um fiel à vontade;
o sonhar, seu regente; a razão, escapista.

A torrente do amor desconhece deidade,
não desanda no mal, nem se queda por bem.
É o amar um pulsar, da querença, um refém.


* Revisado.