"Em rigor" ou "a rigor"?

A meu amigo Fernando, com quem tive uma inflamada discussão sobre o assunto...

Nós já pensamos de outra forma. Em qualquer ciência, talvez em maior medida na Lingüística, a intransigência só leva a enganos.

Um exemplo disso, em gramática histórica, é o de algumas construções que em determinada época eram repudiadas pela modalidade culta da língua e que, com o uso, passaram a ser aceitas. Assim, o uso geral e prolongado de uma palavra ou expressão tida por incorreta pela língua culta, depois de algum tempo, tende a torná-la correta. A explicação é simples: uma língua é feita por quem, diariamente, se utiliza dela no falar e no escrever.

Parece que foi o que ocorreu com a expressão "em rigor", que, sem nenhuma explicação além dessa, freqüentemente passou a ser substituída por "a rigor". E em autores de respeito vemos ambas as formas. Não há como dizer que uma está certa e a outra não.

Porém, temos que manifestar nossa simpatia pela primeira. Embora ambas tenham uso corrente no português contemporâneo, é certo que a primeira ainda é a mais empregada, e a que tem a preferência dos escritores mais autorizados.

Passando para o campo da gramática normativa, ao analisar as várias relações estabelecidas pela preposição "em", encontramos a de "modo" (sair "em" turma, votar "em" branco). Tudo indica que foi dessa relação que veio a locução adverbial "em rigor". Quanto ao argumento de que esta forma está incorreta por parecer indicar lugar, posição ou localização, não pode ser mais vazio, visto que a preposição "em" tem também outros valores, além de a indicação de lugar também admitir outras preposições.

Neste sentido é a lição de Luiz Antonio Sacconi:

"'A rigor', em rigor, é expressão copiada do francês 'à la rigueur'. Só devemos usar palavras, expressões, construções estrangeiras, quando absolutamente necessárias. Parece-nos que 'em rigor' substitui a contento 'a rigor'." (Luiz Antonio Sacconi, “Não erre mais!”.)

O dicionário de Caldas Aulete só registra a forma “em rigor”, trazendo exemplo retirado de Antônio Vieira:

“'Em rigor' (loc. adv.), rigorosamente, conforme às exigências do assunto; no sentido estrito: Quem ignorando ofendeu, 'em rigor' não é delinqüente. (Vieira.)” (Caldas Aulete, “Dicionário contemporâneo da língua portuguesa”.)

Resumindo, hoje ambas as formas são corretas. Mas se alguns estribam-se em manuais de redação jornalística para condenar uma das mais limpas expressões do português hodierno, só temos a lamentar. Preferimos a companhia de um Antônio Vieira.