A Literatura Portuguesa Contemporânea

“A Literatura Portuguesa Contemporânea”

( Por Rodrigo Augusto Fiedler do Prado )

Portugal, o berço de nossa língua e cultura, sempre, ao longo dos tempos (precisamente desde o século XII, com o advento de nossa literatura – com os cancioneiros populares trovadorescos), nos presenteou com grandes artistas das letras. Donos de uma literatura rica e sem par, os escritores portugueses se fizeram, entre os falantes de línguas latinas, um marco único e singular.

Camões, Eça de Queiroz, Teófilo Braga, Bocage, Garret, Feliciano de Castilho, Herculano e Pessoa (e seus heterônimos) nos tornam isso bastante claro. Mas não é só do passado que vive a Literatura Lusa. Menos produtivo e menos divulgado, o século XX tem também seus ícones. Infelizmente escritores e obras impressionantes foram sucumbidas ao regime ditatorial de Salazar, que além de afundar Portugal numa crise econômica e social gravíssima, cerceou sua cultura a um espaço e a uma forma muito intrínseca à própria regionalidade portuguesa. Diferente das naus lusitanas do século XVI, a literatura lusa do século XX não desbravou cercanias do além mar.

Mas este espectro não foi perene. Nas últimas décadas do século passado, na fase pós ditadura, houve um readvento cultural em Portugal. É fato que o intercâmbio cultural com o Brasil e com as outras ex-colônias, principalmente as ilhas e Angola, enriqueceram o ambiente cultural luso, até então tão atrasado. Autores como Jorge Amado, Érico Veríssimo e Drummond passaram a ser lidos com avidez, músicos como Chico Buarque, Caetano Veloso e Djavan passaram a ser adorados naquele país. Artistas angolanos do mesmo quilate passaram a fazer parte da cultura cotidiana portuguesa e, com isso, Portugal se independeu definitivamente das marcas deixadas pelo Salazarismo, readquiriu personalidade própria e conseguiu, pela primeira vez na história da humanidade, trazer um prêmio Nobel de Literatura para um escritor de língua portuguesa: José Saramago.

Este feito, de certa forma, funcionou como uma “faca de dois gumes”. Gerou uma dicotomia interessante no aspecto literário português: de um lado Saramago, ostentado, visionado e bem posicionado frente à mídia, e de outro, uma gama tão interessante quanto de autores, que ficaram apagados pelo próprio sucesso do autor de “Ensaio sobre a cegueira” e que não foram por sua vez, aclamados pela crítica internacional.

Autores com estilos e formas incomparáveis, de literatura belíssima e riqueza gramatical; do mesmo nível (ou até superiores) que o próprio Saramago e outros autores contemporâneos (como Salmman Rushdie, Ernest Hemmingway, Paul Auster, Isabel Allende, Antonio Skármeta, Jorge Luiz Borges e Garcia Marques), surgiram e estão até os tempos atuais em produção brilhante em Portugal; mas o problema, é que a mídia, assim como cobriu este ícones todos, só o fez para Saramago.

Este quase preconceito ocorre talvez, pela literatura lusitana ser bem artística e às vezes complexa; talvez pelo não formato de “Best-Seller” que possuem as obras; talvez e o que seria lamentável – pela língua. É sabido nos anais editoriais, a dificuldade de transferir e traduzir a questão semântica luso-brasileira para outras línguas, assim como a questão gramatical, restando ao espanhol – língua que muito se assemelha à nossa uma opção de divulgação evidente. Mas o “plus” do mercado editorial não é em Madri, nem tampouco em Buenos Aires, quiçá na cidade do México. É obviamente em Nova Iorque, Frankfurt e Paris.

Para que possamos tomar conhecimento da pluralidade literária portuguesa contemporânea, algumas editoras (em especial a Editora Planeta do Brasil ), optou pela publicação de obras portuguesas recentes, escolhendo autores de consagração local e de já algum impacto na Europa e nos EUA.

São eles, Inês Pedrosa, Filipa Melo, Rui Zink, Teolinda Gersão e Agustina Bessa-Luís, entre outros. Sendo, a primeira e a terceira escritoras, respectivamente, as mais lidas atualmente naquele país, a última (Agustina) a ganhadora do pr6emio Camões 2004 e Rui Zink um autor já com um público leitor bem definido e professor universitário.

Os temas, ligeiramente abordando o fantástico e o impossível, flertam com o metafísico mas não fogem do lugar-comum das banalidades do cotidiano, são textos que não têm nada de filosóficos e nos ensinam uma nova maneira de ler. Uma leitura onde, passo-a-passo, vamos interiorizando o contexto do livro e de repente, nos percebemos parte dele.

Em “Fazes-me falta” ( Pedrosa, Inês – Editora Planeta), por exemplo, o leitor se depara com um dispositivo narrativo de extrema simplicidade: duas vozes apenas, que, ao longo de cinqüenta blocos textuais, a que, pela sua episódica brevidade, não chegaremos a chamar capítulos, se cruzam numa espécie de diálogo espectral. Uma dessas vozes é feminina, e é a ela que cabe a iniciativa de convocar os temas. A outra voz, que viremos a saber que é mais velha, pertence a um homem. Poderíamos pensar, segundo as convenções de leitura para que estamos preparados, que entre estas duas personagens existe sobretudo uma relação passional. Mas aquilo que as une é de uma outra ordem - e de certo modo o livro não faz mais do que ir à procura do nome exato para essa ordem, o nome apropriado para esse tecido de palavras que une, enreda, compromete, envolve estas duas vozes. De um modo esquemático, dir-se-ia, como a própria Inês sugere, que se trata de uma relação de amizade. E de que o que Inês Pedrosa pretende é relançar a energia ficcional da amizade, habitualmente relegada, no campo dos afetos romanescos, para um lugar secundário.

Inês Pedrosa é portuguesa, mas sua obra não – é universal, digamos inclusive, transcendental . Apesar de apresentar personagens portugueses, envoltos na cultura lusa, Fazes-me falta é dos romances mais originais dos últimos tempos. Amantes que mantém sua chama acesa após a morte da mulher e fatos da vida apresentados aleatória e poeticamente. Impecável escrita, envolvimento certeiro. Leia ou te fará falta.

Podemos, através do texto de Marcelo Pen, crítico literário da Folha de São Paulo, tornarmo-nos mais esclarecidos quanto a ambientação literária portuguesa:

“...Nem Saramago nem Lobo Antunes. Os novos autores portugueses não estão interessados nas questões coloniais ou pós-coloniais nem em pregar contra a globalização. Pelo menos a julgar pelo que dizem os escritores Filipa Melo, 31, e Rui Zink, 42, que lançam seus livros pela nova coleção "Tanto Mar", da editora Planeta, na Bienal do Livro de São Paulo.

Seus romances tratam de futebol, mídia, cultura pop e morte. Além disso, os dois querem mais do que se filiar à literatura portuguesa. Eles querem o mundo.

A morte é o tema que une os dois romances. Em "Este É o Meu Corpo", de Filipa, o encontro de um cadáver desfigurado de mulher é o ponto de partida para investigar o ser humano.

O livro tem longas cenas de dissecação, prática médica que exigiu da autora uma intensa pesquisa. "A imagem de um corpo voltado pelo avesso", afirma, "relaciona-se com minha idéia de que a morte é um momento de renascimento". Ela explica que, "quando alguém morre, começa uma nova vida, feita de memória".

Em "O Reserva", de Zink, um locutor esportivo distraído atropela e mata um garoto de quatro anos. A tragédia permite ao autor, por meio de um punhado de personagens, examinar diversos setores da sociedade portuguesa.

"A morte é um pretexto para falar da vida. Quero acompanhar a reação das personagens implicadas --o atropelador, a mulher e a amante dele; o pai, a mãe e o avô da criança-- e também da sociedade e da lei. O leitor vai reconhecer-se nalguma daquelas boas pessoas. Os grandes crimes são cometidos por boas pessoas."

O livro de Zink, que é professor da Universidade Livre de Lisboa e doutorando em HQs, foi adaptado para a edição brasileira. A começar pela troca do título lusitano, "O Suplente", que para nós parece ter conotação política.

Melo e Zink citam sem pestanejar alguns nomes da literatura brasileira contemporânea, como Adriana Lisboa, Bernardo Carvalho, Marilene Felinto. Também mostram admiração por Rubem Fonseca: "Pode-se dizer que é um mestre que influenciou a escrita portuguesa", comenta Zink.

Mas não conhecem os autores da chamada Geração 90 (Marçal de Aquino e Nelson de Oliveira, para citar dois). Do outro lado da balança, os brasileiros ignoram boa parte do que se passa no atual cenário literário português. Como acabar com essa ignorância?

Filipa Melo tem uma resposta na ponta da língua: a responsabilidade cabe à imprensa especializada. "Em Portugal se fala muito de uma irmandade com o Brasil; o que falta é existir essa irmandade. Os jornalistas de cultura têm um papel crucial nas pontes que se estabelecem entre as propostas literárias dos dois países."

Melo e Zink não gostam de ser etiquetados como "nova geração". Para Zink, "a cultura da novidade é perigosa. As alianças entre autores criam-se pela estética; o que se dá independentemente de geração ou nacionalidade".

Para Melo, "catalogar está fora de moda; é preciso tirar as etiquetas. É óbvio que meu romance é português, mas pode se passar em qualquer outro local". Zink também almeja um alcance maior: "Quero um leitor que viaje com o livro. As palavras são postas como pedrinhas escondidas sob a água, por cima das quais ele deve caminhar nesse maravilhoso oceano que é a inteligência do mundo".

Mas, voltando à importância de o leitor brasileiro vir a interessar-se pela ficção da "terrinha", Zink brinca: "Olha, nós temos o Deco (o jogador brasileiro Anderson Luís de Sousa), naturalizado português, temos uma moeda forte, o euro. Acho que está mais do que na hora de os brasileiros começarem a "amar" a nossa literatura!".

Para enriquecer ainda a gama de autores lusos contemporâneos, escritoras como Teolinda Gersão, fazem a diferença no cenário.

Teolinda Gersão nasceu em Coimbra, estudou Germanística e Anglística nas Universidades de Coimbra, Tuebingen e Berlim, foi Leitora de Português na Universidade Técnica de Berlim, docente na Faculdade de Letras de Lisboa e posteriormente professora catedrática da Universidade Nova de Lisboa, onde ensinou Literatura Alemã e Literatura Comparada até 1995.A partir dessa data passou a dedicar-se exclusivamente à literatura.

Além da permanência de três anos na Alemanha viveu dois anos em São Paulo, Brasil, (reflexos dessa estada surgem em alguns textos de Os guarda-chuvas Cintilantes,1984), e conheceu Moçambique, cuja capital, então Lourenço Marques, é o lugar onde decorre o romance de 1997 A Árvore das Palavras, mais uma publicação Planeta aqui no Brasil.

Fica então claro, que a literatura portuguesa de hoje transcende Saramago, transcende os profundos flertes com a filosofia e, mesmo gozando da despretensão de tratar do cotidiano, atinge o sublime através de “penas” menos ortodoxas das veias mais abertas da literatura – o retrato e a recriação do próprio homem.

Atinge a qualidade e o belo do simples, através de entretenimento, qualidade e muita, mas muita arte.

Rodrigo Augusto Fiedler
Enviado por Rodrigo Augusto Fiedler em 03/07/2008
Código do texto: T1062563