Vandalismo. Análise Literária.

Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos nasceu no Estado da Paraíba em mil oitocentos e oitenta e quatro e faleceu em mil novecentos e catorze aos vinte e nove anos. Publicou um único livro de poesias, intitulado “Eu”.

Sua obra reflete a superação das velhas concepções poéticas e a procura de um novo caminho. Utilizou em sua poesia, e sua temática mais comum sempre gira em torno da morte, da decomposição da matéria, dos vermes e de uma visão trágica sobre a existência.

A próxima análise contempla um conhecido soneto deste grande poeta:

Vandalismo

Meu coração tem catedrais imensas,

Templo de priscas e longínquas datas.

Onde um nume de amor, em serenatas,

Canta a aleluia virginal das crenças.

Na ogiva fúlgida e nas colunatas,

Vertem lustrais irradiações intensas

Cintilações de lâmpadas suspensas

E as ametistas e os florões e as pratas.

Como os velhos Templários medievais,

Entrei um dia nessas catedrais

E nesses templos claros e risonhos...

E erguendo os gládios e brandindo as hastas,

No desespero dos iconoclastas,

Quebrei a imagem dos meus próprios sonhos!

Vandalismo – Escansão e Esquema Rítmico.

Meu-co-ra-ção-tem-ca-te-drais-i-men-sas,

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 ER 4-8-10 S

Tem-plos-de-pris-cas-e-lon-gín-quas-da-tas.

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 ER 1-4-8-10 S

On-de um-nu-me-de a-mor,-em-se-re-na-tas,

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 ER 3-6-10 H

Can-ta a a-le-lu-ia-vir-gi-nal-das-cren-ças

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 ER 1-4-8-10 S

Na o-gi-va-fúl-gi-da e-nas-co-lu-na-tas,

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 ER 2-4-10 S

Ver-tem-lus-trais-ir-ra-dia-ções-in-ten-sas,

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 ER 1-4-8-19 S

Cin-ti-la-ções-de-lâm-pa-das-sus-pen-sas

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 ER 4-6-10 H

E as- a-me-tis-tas-e os-flo-rões-e as-pra-tas.

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 ER 4-8-10 S

Co-mo os- ve-lhos- Tem-plá-rios-me-die-vais,

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 ER 1-3-6-10 H

En-trei-um-di-a-nes-sas-ca-te-drais

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 ER 2-4-6-10 H

E-nes-ses-tem-plos-cla-ros-e-ri-so-nhos...

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 ER 2-4-6-10 H

E er-guen-do os-glá-dios- e -bran-din-do as- has-tas,

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

(ER 2-4-8-10 S)

No-de-ses-pe-ro- dos- i-co-no-clas-tas,

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 ER 4-10 S

Que-brei-a i-ma-gem-dos-meus-pró-prios-so-nhos!

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

(ER 2-4-8-10 S)

As aliterações e assonâncias observadas estrofe a estrofe evidenciam a construção de uma sonoridade grave, devido a constante anotação de M, N,T e D; convém ressaltar a aliteração em S por todo poema,seja no pronome demonstrativo, ou mesmo nos plurais, dando um efeito sibilante na terminação de algumas palavras, conferindo a todo conjunto uma sonoridade particular.

Tomando como ponto de referência as assonâncias, nota-se a utilização da vogal /e/ marcando todo o ritmo e prevalecendo no conjunto de sílabas átonas, ou seja, como pre-tônica, sustentando o ritmo do poema.

As estrofes, quanto às rimas, obedecem a um esquema de emparelhamento interno nos quartetos com polarização para o primeiro e quarto versos; quanto aos tercetos uma parelha nos versos nove e dez e a repetição do esquema dos quartetos nos quatro versos seguintes.

Quanto ao metro, a arquitetura baseia-se no predomínio de decassílabos sáficos nos quartetos, com tensão rítmica no terceiro verso em decassílabo heróico, nos dois quartetos. Os versos dos tercetos são heróicos, integralmente, no primeiro e sáficos no segundo; com um sáfico impreciso no verso treze, que um acento secundário aponta para uma interessante variável, como veremos adiante.

Os aspectos gerais da construção do soneto registram uma apurada atenção na construção dos versos.

As estrofes seguem uma ordenação e tensão, que não se esgota, como é comum na segunda estrofe de sonetos compostos sem considerar o equilíbrio das estrofes, no seu curso rítmico e semântico.

O vocabulário utilizado, onde predominam paroxítonas, é eclético, atende as necessidades de superfície, forma, e as camadas semânticas, sem prejuízo ao nexo ou a fluência da leitura. O poema é expressivo e imagético, registrando a amplificação conotativo-denotativa proposta já no seu primeiro quarteto. Há êxito na construção de imagens e sensações provocando um aguçamento da atenção do leitor pela grande metáfora construída no poema.

A simetria dos dois quartetos com um heróico no terceiro verso irá trazer a tensão que sustentará a unidade das estrofes. As cesuras em quarta dos sáficos distendem-se em sexta nos heróicos dando um curso menos monótono e uma marcha mais elaborada para o poema.

Um exame mais atento mostrará, entretanto, maior complexidade na disposição de sáficos e heróicos; a simetria é apenas nas grandes unidades métricas, comparável à dos compassos musicais. A análise dos elementos componentes de cada verso mostrará a sua diversidade.

Marcando a predominância do ritmo sáfico em toda a composição, a quarta sílaba é tônica em três dos cinco heróicos, excetuam-se desta tonicidade o terceiro e o nono versos, acentuados em terceira, sexta e décima, “onde um nume de amor, em serenata,” e “Como os velhos Templários medievais”. Assim os demais heróicos mantêm em seus segmentos iniciais, ponto de contato com os sáficos, definindo-se, apenas, a contar da tônica em sexta.

No último terceto se estabelece a simetria – o primeiro e o terceiro versos acentuados em segunda, quarta, oitava e décima, separados por um sáfico impreciso – “no desespero dos iconoclastas” – em quarta e décima; o acento secundário reclamado pela extensão do segmento final, tanto pode recair em “dos”, o que o aproximaria do metro heróico, ou em “co” (de iconoclastas), o que o transformaria em sáfico típico. Na verdade, a indecisão rítmica permanece de vez que, por sua menor duração em relação ao primeiro, o acento secundário não tem caráter definitivo.

O poema é em si uma metáfora, onde o coração é o “querer” do poeta, como o amor espiritual, virtuoso e puro como foi expresso na primeira estrofe. A segunda estrofe reitera e detalha estas virtudes onde o “querer” é minuciosamente enunciado com a descrição de um templo grandioso, local de louvor e adoração.

O primeiro terceto representa a paixão como um Templário, uma autoridade dominadora que arrebata e toma a virtude. Os gládios e hastas simbolizam os ímpetos do desejo sobre o amor espiritual idealizado e na “chave de ouro”, prevalece o desejo que submete a paixão.

Vandalismo trata das rupturas internas, dos valores que uma vez idealizados, confrontam no íntimo e o arrebatamento, a paixão, nos leva a uma ruptura para sustentar uma nova ordem. O conflito entre o amor idealizado e o arrebatamento é a figura do Templário e seu poder confessional.

É uma representação profunda para o período que viveu o poeta, num ambiente de amenidades e manifestações idealizadas.