Anotações sobre os níveis do poema.

Ler poesia é um desafio, há uma distancia a considerar, seja na habilidade do poeta na aplicação dos recursos expressivos na composição do poema, seja o leitor com seu aparato de leitura habilitado para descortinar as diversas camadas que compõe um poema.

O texto poético trabalha um conjunto de elementos para elaborar uma leitura conotativa, pela via da sugestão e da insinuação o poeta busca a atenção do leitor para as camadas submersas do texto, oferecendo ao público, estados e efeitos que raramente encontramos na prosa.

Enquanto no texto prosaico a finalidade estabelecida é a comunicação objetiva, que obriga a utilização dos recursos expressivos à construção de uma linha narrativa, onde o sentido e o fluxo estão alocados na superfície do texto, ou seja, a trajetória do texto prosaico é linear e, a subordinação ao enredo e ao ritmo descritivo das ações, personagens e ambientação psicológica, necessita cumprir precisamente suas funções, sob pena de prejuízo ao nexo do texto.

Há, no entanto, exceções quando alguns autores utilizam recursos estilísticos para criar um determinado efeito em alguma passagem específica do texto. Mesmo nestas circunstancias, finda por prevalecer à linearidade do texto e a subordinação ao enredo; tais considerações levam-nos a afirmar que o texto em prosa tem uma identificação facilitada na sua superfície, devido à clareza dos seus objetivos.

A poesia por suas particularidades deve ser examinada em dimensões precisamente identificadas, permitindo assim analisar o teor da comunicação almejada, o domínio dos recursos expressivos e a naturalidade que o poeta consegue transmitir em sua realização.

Dito isto, podemos dividir o texto poético em níveis, para melhor compreender os recursos empregados e os efeitos proporcionados pelo melhor uso destes elementos de composição. Para uma compreensão facilitada desta abordagem vamos estabelecer três níveis de leitura: Superficial, Sintático e Semântico.

A superfície é a referencia da primeira leitura, onde identificamos a forma, fixa ou livre; os padrões de coincidência sonora, a rima; a opção de métrica e ritmo, regulares ou irregulares.

Nesta leitura de contato é possível avaliar a opção do registro léxico, coloquial, formal ou sofisticado; e as relações entre as unidades básicas de tempo (verbo) e situação (espaço).

O nível seguinte é o sintático onde os recursos de construção empregados na construção dos versos são identificados e avaliados quanto a suas aplicações. O emprego das figuras de construção é avaliado junto com a utilização dos recursos sintáticos. Verificamos ainda as transições narrativas pela variação ou não de transição pronominal, ou seja, a situação do eu poético.

Seguimos com a apreciação do nível semântico, a camada que constrói o nexo do poema pelo manuseio da linguagem através dos recursos estilísticos, figuras de pensamento e palavra, realiza-se os efeitos e sensações que vão possibilitar uma leitura intuitiva e sensorial do poema. Nesta etapa registra-se a carga conotativa que estabelecerá o teor de efeitos indiretamente sugerido e obrigará o leitor a uma abordagem ativa do texto.

O desenvolvimento pleno do nível semântico dá vazão aos elementos subjetivos que resultarão no mistério e no reconhecimento particular que os melhores textos poéticos não se furtam de realizar. Esta subjetividade esta apoiada nos efeitos estilísticos, na intertextualidade que cada texto carrega e que bem apresentado reforça a sensação de reconhecimento na decodificação do texto.

As figuras de estilo têm a função de moldar imagens, efeitos e sensações que irão libertar o texto da descrição linear; as figuras isoladas estabelecem uma comunicação básica, mas na unidade estrofe, nas formas fixas principalmente, o conjunto de recursos estilísticos deve almejar uma figura maior, um estado de espírito, uma representação subjetiva relevante no poema. É nesta circunstancia que o texto poético se abre em intertextualidades e possibilita inúmeras leituras.

Há uma realização que se monta a todo tempo no poema, é a construção de sua sonoridade, a seleção vocabular aponta para a restrição que cada raiz idiomática impõe, e cada alteração obriga a uma revisão das figuras sonoras empregadas. As aliterações e assonâncias são importantes no apoio a pauta rítmica, oferece musicalidade para a declamação e pontua o ritmo em suas acentuações.

A influência do estrato fônico se faz presente ainda no nível semântico, quando as consoantes provocam efeitos sinestésicos para acentuar alguma circunstancia de espaço. Exemplo: a utilização de consoantes para simular a sonoridade de rios e ventos, e assim, estabelecer uma memória visual a partir de uma leitura sonora do efeito de alguma aliteração pronunciada.

A relação entre leitor e texto fica enriquecida quando o leitor é dotado de perspicácia e tem a percepção sensível para a compreensão dos recursos de elaboração da expressão artística.

A possibilidade de identificar e estabelecer relações objetivas entre a intenção e o resultado obtido, cria uma apreciação crítica e estabelece uma relação rica e abrangente, onde a arte oferece ao seu público a possibilidade real de amplificação dos seus recursos perceptivos.

Objetivamente, haverá quem sustente a magia onírica do conceito arte, que em nada empobrece com os desvendamentos dos seus recursos de expressão e com a identidade da atividade criativa como labor.

Cada ofício contém sua burocracia, e o labor literário participa desta mesma dinâmica. Uma manifestação artística deve aproveitar o interesse em seus aspectos formais para valorizar seus aspectos menos conhecidos e aumentar seu nível de exposição e inserção no cotidiano da sociedade.

A mística pode oferecer uma noção referencial romântica para determinada arte, mas os recursos que prevalecem são os que registram a sensibilidade do artista pela via de sua arte, tudo o que resta é o desvio de uma compreensão mutilada por dogmas e conceitos que não se sustentam em qualquer representação artística.