UM PAÍS DE NÃO-LEITORES

Em 1952, a editora americana Doubleday criou o selo Anchor Books, dedicado a lançar obras de ficção literária em formato de bolso. Jason Epstein, editor da Doubleday e responsável pelo lançamento do selo, explica o raciocínio por trás da iniciativa: depois da Segunda Guerra Mundial, a porcentagem de americanos com estudo superior aumentou sensivelmente.

Atualmente os chamados paperbacks são onipresentes nas prateleiras de livrarias americanas e inglesas, e algumas editoras começam a lançar os livros em paperback (capa mole) e hardcover (capa dura) ao mesmo tempo, abdicando do tradicional período de espera entre o lançamento da versão "cara" e o da versão "barata". Há algum tempo, a Picador, editora inglesa do grupo Macmillan, anunciou que a partir de 2008 a maioria dos seus lançamentos será feita diretamente em capa mole, com uma tiragem limitada em capa dura.

No Brasil já há editoras fazendo edições, inclusive de obras clássicas, com tiragens a preços bem acessíveis a todos os públicos. Entretanto, as estatísticas ainda não detectaram interesse significativo pela leitura na população de modo geral. Seria também uma notícia boa para os escritores novatos, o fato de muitas editoras independentes estarem se dispondo a editar obras de autores desconhecidos, publicando pequenas tiragens.

É verdade que o desinteresse absoluto é um caso extremo. Alguns não se interessam por ópera, mas se o ingresso for suficientemente barato podem muito bem experimentar uma ópera um dia. Nesse sentido, é um bom sinal que as editoras brasileiras lancem cada vez mais coleções de livros de bolso: o leitor eventual pode ser seduzido com mais facilidade por um livro de dez ou vinte reais do que por um de cinqüenta. Mas o efeito dessa diminuição de preços é necessariamente limitado: assim como alguém que não tenha gosto pelo gênero dificilmente vai se tornar um fã incondicional de ópera depois de assistir a uma montagem de A flauta mágica, a disponibilidade de livros mais baratos não vai transformar os não-leitores em traças.

E o Brasil é, sem sombra de dúvidas, um país de não-leitores. Claro: somos um país de não-estudantes, de não- apreciadores dos folclores, da história do Brasil, enfim da cultura em geral. Em 2002, um quarto da população brasileira com mais de 10 anos de idade tinha menos de quatro anos de estudos completos: 32 milhões de analfabetos funcionais. No mesmo ano, as pessoas de mais de 10 anos de idade morando no Brasil tinham, em média, 6,2 anos de estudo. Estatisticamente, o brasileiro não estuda, e quem não estuda não lê.

Todo esforço ajuda, e cada um faz o que pode. Mas não vai ser assim que vamos nos tornar um país de leitores. O que realmente precisamos fazer é a revolução educacional que aconteceu nos Estados Unidos e na Europa cinqüenta anos atrás, e em muitos países asiáticos pouco depois disso. É aumentando o público potencial da literatura que o público real vai aumentar.

Mas se quem quer que a educação seja uma prioridade no Brasil não precisa usar o argumento da leitura, quem quer que a literatura brasileira progrida não pode deixar de falar de educação. Ter mais leitores é só o começo. Mais leitores quer dizer mais diversidade de gosto e mais gente disposta a comprar livros, o que leva as editoras a publicar livros mais diversos e investir mais nos livros publicados, porque a recompensa – o lucro da literatura – seria maior. Se as editoras têm mais lucro, elas podem pagar melhor seus autores, o que quer dizer que mais autores podem viver do que escrevem e consagrar mais tempo à produção literária. E mais tempo leva a mais qualidade. Se quisermos um mercado literário grande e vibrante, se queremos grandes autores produzindo grandes obras, se queremos que a literatura tenha um espaço importante no cotidiano do nosso país, precisamos de educação. Todas as outras iniciativas, por louváveis que sejam, são paliativas.

O ex-governador do DF e ex-ministro da Educação Cristóvão Buarque chama a atenção para pontos importantes no tocante à estruturação do processo alfabetizatório no Brasil. É interessante como os tribunais eleitorais defendem o voto do analfabeto, mas o mesmo sistema não se preocupa com a conscientização do mesmo eleitor. O mais alarmante é observar como o sistema eleitoral se preocupa com a instrução do ato de votar, mas sequer se preocupa com a educação do eleitor, cuja instrução o levaria a compreender todos os processos eleitorais e a conhecer o candidato em quem estaria votando. Só uma reformulação total no istema educativo poderia mudar esse quadro lamentável. A adoção da leitura como disciplina obrigatória, entre outras providências, seria um grande pontapé para se formar bons leitores. Segundo as estatísticas são mais de setenta milhões de eleitores que votam sem o mínimo de consciência e de conhecimento do processo chamado democrático. Assim, podemos ter idéia da estupidez que reina no processo educacional brasileiro.

JOEL DE SÁ

27/08/2009.