A secura das vidas no sertão nordestino: Uma análise sobre Vidas Secas

INTRODUÇÃO

Com a farsa constitucional da ditadura de Vargas, a desestruturação do mundo devido ao crack da bolsa de Nova Iorque e a segunda guerra mundial, a literatura brasileira focou-se na retomada de certas linhas do passado como o simbolismo e a tradição lírica portuguesa sobre tudo na poesia. Valendo-se de uma linguagem seca e crítica, o romance, na segunda fase do modernismo, fincou-se, principalmente, no regionalismo, ficou próximo de um novo realismo, baseado na realidade regional, assim temos autores que passaram a expor a região, o homem e os problemas sociais dos lugares remotos do país.

Com o intuito de conscientizar, o romance regional denunciava o problemas enfrentado pelos proletariados rurais, mostrando sua opressão pelos grandes latifundiários ou produtores, que mantinham seus empregados miseráveis, vivendo quase num estado de escravidão. Por outro lado os romances mostravam que apesar de tudo isso o sertanejo, ou lavrador ainda era um homem forte e baseado nessa força resista e sobrevivia em um ambiente hostil e carente de muitas coisas, inclusive a justiça.

Outra preocupação dos autores era tentar reproduzir o linguajar regional, apresentando um vocabulário próprio de cada região do Brasil, mostrando a riqueza brasileira também na linguagem de seu povo.

Dentro de todos esses conceitos e características da segunda fase modernista se enquadra Vidas Secas de Graciliano Ramos, romance de tensão crítica, retrata a seca do sertão nordestino e o sertanejo, bem como suas dificuldades, descrenças, injustiças, sonhos, esperanças e pequenas alegrias.

1- O AUTOR

Graciliano Ramos nasceu em Quebrângulo, Alagoas, em 27 de outubro de 1892. Lá, passou sua infância e parte da adolescência, repartindo-se, com a família, entre as cidades de Buíque, Viçosa e Palmeira dos Índios. Primeiro dos quinze filhos, Graciliano foi sempre visto pela família como um sujeito difícil, taciturno e introspectivo.

Estudou em Maceió, onde colabora em vários jornais publicando sob pseudônimos. Esteve, por breve período, no Rio de Janeiro, onde, por volta de 1914, trabalhou como revisor e redator nos jornais Correio da Manhã e A Tarde.

Três de seus irmãos morrem de febre bubônica, isso o faz retornar ao Nordeste, para a cidade de Palmeira dos Índios, onde trabalha como comerciante e jornalista, lá casou-se, após a morte da esposa é eleito prefeito da cidade entre os anos de 1928 e 30. Dois anos depois renunciou e casou-se novamente. É dessa época o seu primeiro romance: Caetés de 1933.

De 1930 a 1936 viveu em Maceió, dirigindo a Imprensa e a Instrução do Estado de Alagoas. Em 1934 publica seu segundo romance São Bernardo. De março de 1936 a janeiro de 1937 viveu os mais difíceis dias de sua vida. Acusado de subversivo e comunista, passou dez meses de prisão em prisão, sem saber do que o acusaram, sem sequer ser ouvido em depoimento ou processado. No mês de Agosto do mesmo ano de sua libertação é publicado Angústia.

Desse tempo terrível, nascerá mais tarde Memórias do Cárcere, um relato que soma a angústia de existir, o medo e a inquietação. Muda-se para o Rio de Janeiro. Seus romances, histórias para crianças e artigos passam a ser reconhecidos como o maior legado literário desde Machado de Assis.

Em 1945, filiou-se ao Partido Comunista Brasileiro e, em 1952, viajou para a Rússia e países comunistas; o que presenciou nessa peregrinação está contido num outro livro: Viagem de 1954. Em 1953, morre no Rio, vítima de câncer.

2- ANÁLISE DA OBRA

2.1 Enredo

A história retrata a o drama social e espiritual da família do vaqueiro Fabiano que foge da seca do Nordeste brasileiro, em busca de uma terra menos inóspita. Após uma longa caminhada, em baixo de um sol escaldante, encontra uma fazenda abandonada e lá se estalam.

Romance cíclico, começa na fuga da seca e termina nela, é composto em treze capítulos, que poderiam ser contos autônomos, tratam a vida do sertanejo nordestino de modo objetivo, transpassando ao leitor o conjunto de miséria física e intelectual, aliada ao sofrimento e falta de perspectiva.

Devido os capítulos serem uma peça independente de um quadro maior fica mais claro uma explanação de cada capítulo:

Capítulo 1 - MUDANÇA:

Mostra a fuga da seca de uma família sertaneja. Compõe essa família: Fabiano, sua esposa Sinha Vitória, os dois filhos do casal caracterizados por menino mais novo e menino mais velho, a cachorra Baleia e um papagaio, que sinha Vitória assa para alimentar a família. As personagens são embrutecidas pela seca tornando-se agressivas e hostis.

Junto com a seca anda sempre a fome, sem ter o que comer a familia se alimenta do papagaio de estimação, então a cachorra aparece com um preá morto, sinha Vitória beija a cadela e lhe lambe o focinho sujo de sangue.

Capítulo 2 - FABIANO:

A família encontra uma fazenda abandonada e nela instalam-se. O dono da aparece e expulsa a família. Fabiano faz de desentendido e se oferece para trabalhar como vaqueiro. O fazendeiro acaba por aceitar .

O capítulo é centrado na análise de Fabiano. Seu vocabulário é reduzido ele gesticula, grunhe, admira seu Tomás da bolandeira, por possuir facilidade em se expressar. Para Fabiano todas as palavras são incompreensíveis.

Fabiano é um homem introspectivo, rústico, sem articulação de uma linguagem, ligado a hereditariedade e a tradição do universo arcaico. Fabiano se vê como um bicho, se orgulha disso.

Capítulo 3 – CADEIA:

Fabiano vai à cidade para comprar mantimentos, toma pinga e acha que o dono da venda põe água em tudo o que vende. É convidado por soldado amarelo a jogar cartas, diz frases desconexas e aceita o convite.

Fabiano acompanha o soldado por não encontrar palavras para rejeitar o convite. Perde o jogo e deixa a bodega furioso e tentando encontrar uma desculpa a dar a mulher pela perda do dinheiro, o soldado que também perdeu, ao tirar satisfações empurra e pisa-lhe no pé, Fabiano, protesta, xingando a mãe do soldado. O vaqueiro é preso e apanha na cadeia.

Ele tenta compreender a situação, mas devido a falta de organização de idéias não consegue. Revolta-se contra a injustiça que sofre, desejando vingança , mas acaba se conformando com seu destino.

Capítulo 4 - SINHA VITÓRIA:

Com o foco na esposa de Fabiano, esse capítulo mostra o seu desejo em adquirir uma cama de couro (como a do seu Tomás da bolandeira ). Ela tenta mas tem muito pouco o que economizar. Sinha Vitória se mostra inconformada com a sua situação, ao contrário do marido que aceita os fatos de forma mais passiva.

Depois de uma discussão com o Fabiano que vai deitar, desconta a raiva na cadela, volta a reclamar com o marido o fato de ter gastado dinheiro com bebida e o jogo. Fabiano critica os sapatos que a mulher usava nas festas e a compara com um papagaio, fato que a deixa muito magoada.

Capítulo 5 - O MENINO MAIS NOVO:

O menino não possui nome, tem admiração pelo pai, apesar de temê-lo. Na tentativa de imitar Fabiano, o menino monta um bode, acaba por cair. O tombo faz o irmão rir, o menino mais novo acha que ele deveria tê-lo prevenido, ou se solidarizado a a sua dor, sentiu a necessidade de crescer e ficar tão grande quanto o pai:

Capítulo 6- O MENINO MAIS VELHO:

O menino se impressiona com a palavra inferno, tenta compreender seu significado, pergunta ao pai, mas não obtém a resposta, vai a cozinha e interroga a mãe, sinha Vitória zanga-se e dá-lhe um cocorete. Sai indignado e se sente injustiçado, busca refúgio na cachorra.

O garoto não sabia falar direito, tem o vocabulário minguado, repe sílabas e imita as vozes dos bichos, quer aprender o significado da palavra para ser admirado e invejado pelo irmão.

Capítulo 7 - INVERNO:

Início do período das chuvas e em uma noite fria a família se reúne em torno do fogo. Fabiano e a mulher tentam conversar, enquanto os filhos querem pegar no sono, mas o casal discursa a base de frase soltas e repetidas, sem ouvir o que o outro diz. Fabiano conta histórias, mas seu discurso é desorganizado enquanto os garotos passam frio de um lado do corpo e calor pelo fogo do outro sem poder dormir.

Capítulo 8 - FESTA:

A família vai à cidade para as comemorações do Natal, vestidos com roupas novas confeccionadas por sinha Terta, Fabiano havia comprado pouco tecido com o medo da senhora roubar retalhos de pano, assim as roupas ficam muito curtas. Com a falta de costume de usar sapatos, Fabiano se sente ridículo, aumentando o seu sentimento de inferioridade.

O vaqueiro se embebeda e faz provocações aos passantes, mas ninguém lhe responde, pois o barulho é muito grande e ele acaba voltando para junto de sua família que está preocupada com o sumiço da cachorra que aparece momentos depois.

Capítulo 9 - BALEIA:

A cachorra estava quase morrendo, sem pêlos, muito magra e com feridas pelo corpo todo, inclusive a boca que dificultava sua alimentação. Fabiano acha que ela sofre de hidrofobia e resolve matá-la, temendo que transmita a doença aos filhos. Os meninos gritam e choram preocupados com a cachorra, Fabiano atira na cadela que foge, delira e morre. A morte da cachorra é descrita de forma bela e delicada mostrando o amor e carinho da cachorra para a família.

Capítulo 10 - CONTAS:

Fabiano recebia a quarta parte dos bezerros e a terceira dos cabritos e os vendia ao patrão em troca de alimento quando não tinha mais animal para a venda, ficava endividado. Fabiano se sentia roubado, um dia pediu a sinha Vitória que fizesse as contas, depois foi fazer os acertos com o patrão e verificou novamente que as contas diferiam, Fabiano reclama ao patrão, que se irrita, diz que são os juros e manda ele procurar outro emprego. Sabendo que é enganado Fabiano se desculpa e sai.

Fabiano se vê oprimido, se acha um bruto, e por isso é humilhado, recordou o que havia sido cobrado pelo fiscal da prefeitura por causa da tentativa de venda de um porco magro.

Capítulo 11 - O SOLDADO AMARELO:

Fabiano reencontra na caatinga o soldado amarelo que um ano antes o prendera e espancara, o desejo de vingança lhe cobre o corpo, depois percebe que o soldado é um homem, uma autoridade, vendo-o tremer de medo, se irrita pois, ele era o mesmo que pisou-lhe o pé e o prendeu, vê que o soldado é mais fraco que ele, mas quando enfim, o soldado, ganha um pouco de coragem e pergunta o caminho, Fabiano tira o chapéu curva-se e ensina o caminho, dizendo: “ Governo é governo.”

Capítulo 12 - O MUNDO COBERTO DE PENAS:

O capítulo mais bonito e poético da obra, o bebedouro está cheio de aves, arribações, que é o prenúncio da seca novamente, o casal está sonhando desgraças, quando sinha Vitória diz que o sol secava os poços e as aves bebiam o resto de água e queriam matar o gado, Fabiano acha que a mulher está delirando, porque não vê como as aves, bichos tão pequenos, poderiam matar bois e cabras.

Fabiano enquanto fuma pensa no que a mulher tinha e dito e, descrito em uma beleza sem igual, a frase começa a fazer sentido para ele, percebe que as aves bebiam a água do gado, este passa sede e morre, então percebe que as aves matam o gado, Fabiano esquece da desgraça e ri encantado com a esperteza da mulher, o mundo por alguns instantes deixou de ser objetivo, real e passa a ser subjetivo e mágico.

Depois Fabiano pega a espingarda para matar algumas aves, que vão servir de alimento para a fuga, sente saudades da cachorra e se questiona se agiu bem em matá-la, lembrou do encontro com o soldado amarelo e a falta de coragem, lembrou das contas do patrão e percebeu que a mulher entendia muitas coisas que ele não, achou que ela merecia a cama de couro e com medo, pois já escurecia foi para casa, combinar a viagem.

Capítulo 13 - A FUGA:

Com a seca a vida na fazenda fica difícil, Fabiano matou um bezerro e fugiu de madrugada com a família, sem se despedir do patrão, pois não havia meio de saldar a dívida restante.

Sinha Vitória sente saudades da cachorra, ela a família caminham em direção ao sul, Fabiano está triste em deixar a fazenda, ele e a mulher conversam, monossilábicamente. Fabiano tem esperança quanto ao futuro dos filhos, imagina-os estudando e morando em uma cidade grande. Sinha Vitória pensa que poderá, um ter a cama igual ao Seu Tomás da bolandeira, e o capítulo termina com o casal se imaginado velhos, mas sabem que "O sertão mandaria para a cidade homens fortes, brutos, como Fabiano, Sinha Vitória e os dois meninos."

2.2 Personagens

É tamanha a verossimilhança na caracterização da família. A seca faz com que os personagens se embruteçam, revelando seus aspectos rústicos e rudes, o autor freqüentemente compara-os a animais, pois elas excedem na introspecção, não falam, grunhem, rosnam, resmungam, gesticulam, usam interjeições e palavras soltas e desconexas. Em uma evidente zoomorfização das personagens, cabe ao narrador interpretar e expor os seus desejos e anseios. Todas as personagens do romance são planas, travam um luta interna e externa para vencer seus objetivos, e mesmo que queiram suas características permanecem invariáveis.

Fabiano

Fabiano é não um herói, mas um anti-herói. Duro como a terra seca que nunca o acolhe nem abriga, é mesmo o bicho com o qual se designa. Branco, ruivo, de olhos azuis, Fabiano é homem bruto e sua linguagem acompanha isso:

“O pirralho não se mexeu, e Fabiano desejou matá-lo. Tinha o coração grosso, queria responsabilizar alguém pela sua desgraça...”(pág. 10)

“- Fabiano, você é um homem, exclamou em voz alta.

Conteve-se, notou que os meninos estavam perto, com certeza iam admirar-se ouvindo-o falar só. E, pensando bem, ele não era um homem: era apenas um cabra ocupado em guardar coisas dos outros. Vermelho, queimado, tinha os olhos azuis, a barba e os cabelos ruivos; mas como vivia em terra alheia, cuidava de animais alheios, descobria-se , encolhia-se na presença dos brancos e julgava-se cabra.

Olhou em torno, com receio de que, fora os meninos, alguém tivesse percebido a frase imprudente. Corrigiu-a , murmurando:

- Você é um bicho, Fabiano."( pág 18)

É um vaqueiro, ofício exercido pelos seus antepassados. Fabiano sempre está dividido entre a revolta e a passividade, optando pela segunda atitude diante de sua impotência, que é reforçada pela linguagem enxuta e econômica tem como exemplo de homem culto seu Tomás da bolandeira, tenta fazer uso de seu vocabulário despropositadamente.

"Vivia longe dos homens, só se dava bem com os animais. Os pés duros quebravam espinhos e não sentiam a quentura da terra. Montado, confundia-se com o cavalo, grudava-se a ele. E falava uma linguagem cantada, monossilábica e gutural, que o companheiro entendia. A pé, não se agüentava bem. Pendia para um lado, para o outro lado, cambaio, torto e feio." (pág 19 )

“O vocabulário dele era pequeno, mas em horas de comunicabilidade enriquecia-se com algumas expressões de seu Tomas da bolandeira ...

Fabiano atentou na farda com respeito e gaguejou, procurando as palavras de seu Tomás da bolandeira:

_ Isto é. Vamos e não vamos. Quer dizer. Enfim, contanto, etc. É conforme. (pág 27)

Devido a miséria que sempre o rodeia, incapacidade de compreensão do mundo, se vê sempre perseguido, marginalizado e injustiçado:

“Aí certificou-se novamente de que o querosene estava batizado e decidiu beber uma pinga, pois sentia calor. Seu Inácio trouxe a garrafa de aguardente. Fabiano virou o copo de um trago, cuspiu, limpou os beiços à manga, contraiu o rosto. Ia jurar que a cachaça tinha água. Porque seria que seu Inácio botava água em tudo? Perguntou mentalmente ... “(pág 26)

“Comparando-se aos tipos da cidade, Fabiano reconhecia-se inferior. Por isso desconfiava que os outros mangavam dele. Fazia-se carrancudo e evitava conversas. Só lhe falavam com o fim de tirar-lhe qualquer coisa. Os negociantes furtavam na medida, no preço e na conta. O patrão realizava cm pena e tinha cálculos incompreensíveis (...) Todos lhe davam prejuízos. Os caixeiros, os comerciantes e o proprietário tiravam-lhe o couro, e os que não tinham negócio com ele riam vendo-o passar na rua tropeçando. “ (pág 76)

Sinha vitória

Mulher de pernas grossas, seios cheios e nádegas volumosas, mas que secavam devido a seca. Possui um espírito inconformado, sonha em colocar os filhos na escola e com uma cama como a de seu Tomás, pois dorme em cama de vara, a cama de couro é o símbolo do homem não-nômade, o símbolo do que os brancos, com dinheiro, podiam comprar.

"Avizinhou-se da janela baixa da cozinha, viu os meninos entretidos no barreiro, sujos de lama, fabricando bois de barro, que secavam ao sol, sob o pé —de- turco, e não encontrou motivo para repreendê-los. Pensou de novo na cama de varas e mentalmente xingou Fabiano. Dormiam naquilo, tinha-se acostumado, mas seria mais agradável dormirem numa cama de lastro de couro, como outras pessoas.

Fazia mais de um ano que falava nisso ao marido."(pág. 40)

Sinha Vitória é mais esperta que o marido, é ela que faz contas e percebe que o patrão trapaceia:

“Ora, daquela vez, como das outras, Fabiano ajustou o gado, arrependeu-se, enfim deixou a transação meio apalavrada e foi consultar a mulher. Sinha Vitória mandou os meninos para o barreiro, sentou-se na cozinha, concentrou-se, distribuiu pelo chão sementes de várias espécies, realizou somas e diminuições. No dia seguinte Fabiano voltou à cidade, mas ao fechar o negócio notou que as operações de Sinha Vitória, como de costume, diferiam das do patrão. reclamou e obteve a explicação habitual: a diferença era proveniente de juros.

Não se conformou: devia haver engano. Ele era bruto, sim senhor, via-se perfeitamente que era bruto, mas a mulher tinha miolo...( pág 93)

Seu inconformismo faz com que ela se transforme em uma pessoa queixosa, sendo impaciente com os filhos e um tanto quanto amargurada, mas é a única da família que consegue pensar claramente, como no Capítulo 12 que ela percebe que o mulungu fazia que o gado morressem de sede, coisa que chegar intrigar e alegrar Fabiano:

"O mulungu do bebedouro cobria-se de arribações. mau sinal, provavelmente o sertão ia pegar fogo. Vinham em bandos, arranchavam-se nas árvores da beira do rio, descansavam, bebiam e , como em redor não havia comida, seguiam viagem para o Sul. O casal agoniado sonhava desgraças. O sol chupava os poços, e aquelas excomungadas levavam o resto da água, queriam matar o gado."(pág 108)

O menino mais novo

Os dois irmãos: o menino mais novo, como o menino mais velho não possuem nome, representam outros tantos meninos nordestinos marcados pelo anonimato e a hereditaridade e tradição de um universo arcaico.

O menino mais novo vê no pai a figura do herói, gosta de vê-lo montar e o admira, apesar de temê-lo:

"Ficou assim uma eternidade, cheio de alegria e medo, até que a égua voltou e começou a pular furiosamente no pátio, como se tivesse o diabo no corpo. De repente, a cilha rebentou e houve um desmoronamento. O pequeno deu um grito, ia tombar da porteira. Mas sossegou logo. Fabiano tinha caído em pé e recolhia-se banzeiro e cambaio, os arreios no braço. Os estribos, soltos na carreira desesperada, batiam um no outro, as rosetas das esporas tiniam."(pág 47)

O menino mais velho

O menino mais velho possui um vocabulário tão minguado que o autor compara o seu com o do papagaio morto, valendo-se apenas de exclamações e gestos, mas ele é curioso, ouve palavra inferno e tenta saber seu significado, deseja até decorá-lo, porém a sua busca pelo significado da palavra é frustrante:

"Aí Sinha Vitória se zangou, achou-o insolente e aplicou-lhe um cocorote.

O menino saiu indignado com a injustiça, atravessou o terreiro, escondeu-se debaixo das catingueiras murchas, à beira da lagoa vazia...(pág 54)

O menino se vê compreendido apenas pela cachorra:

“Todos os abandonavam, a cadelinha era o único vivente que mostrava simpatia... (pág 56)

Baleia

A cadela de estimação da família é o personagem construída com mais humanidade, sempre é solidária com os demais membros, apesar de ser enxotada e chutada por estes, ficando sempre com o pouco que sobra da alimentação. O nome Baleia ganha dois sentidos, além de ser uma ironia, é, também, como uma compensação pela carência d'água.

No Capítulo que leva seu nome, primeiro a ser escrito pelo autor, retrata sua morte através de Fabiano devido a suspeita de hidrofobia, a descrição é delicada e suave, o narrador mostra a bondade e a amizade, o carinho a esperteza e até o senso de responsabilidade do animal:

"Uma noite de inverno, gelada e nevoenta, cercava a criaturinha. Silêncio completo, nenhum sinal de vida nos arredores. O galo velho não cantava no poleiro, nem Fabiano roncava na cama de varas. estes sons não interessavam Baleia, mas quando o galo batia as asas e Fabiano se virava, emanações familiares revelavam-lhe a presença deles. Agora parecia que a fazenda se tinha despovoado.” (pág 90)

“Baleia encostava a cabecinha fatigada na pedra. A pedra estava fria, certamente Sinha Vitória tinha deixado o fogo apagar-se muito cedo.

Baleia queria dormir. Acordaria feliz, num mundo cheio de preás. E lamberia as mãos de Fabiano, um Fabiano enorme. As crianças se espojariam com ela, rolariam com ela num pátio enorme, num chiqueiro enorme. O mundo ficaria todo cheio de preás, gordos, enormes."( pág 91)

Seu Tomás da bolandeira

Antigo patrão de Fabiano. Personagem que só aparece por meio de lembranças, é tido como referência para Fabiano e sinha Vitória de inteligência, cultura, civilidade e cidadania. Enquanto Fabiano admira sua linguagem, tentando imitá-la de forma desconexa, sinha Vitória deseja uma cama de couro igual à sua. É a representação das aspirações de ascensão do casal.

"Seu Tomás da bolandeira falava bem, estragava os olhos em cima de jornais e livros, mas não sabia mandar: pedia. Esquisitice um homem remediado ser cortês. Até o povo censurava aquelas maneiras. Mas todos obedeciam a ele. Ah! Quem disse que não obedeciam?”(pág 22)

“(...) Seu Tomás era pessoa de consideração e votava. Quem diria? (pág 27)

O soldado amarelo

O soldado representa o governo, não possui nome apenas a patente, é corrupto, e oportunista, convida Fabiano para um jogo de cartas, depois o humilha e o prende. Quando se vê perdido na caatinga, sente medo:

“_ Vossemecê não tem direito de provocar os que estão quietos.

_ Desafasta, bradou o polícia.

E insultou Fabiano, porque ele tinha deixado a bodega sem se despedir. (...)

O outro continuou a pisar com força. Fabiano impacientou-se e xingou a mãe dele. Aí o amarelo apitou, e em poucos minutos o destacamento da cidade rodeava o jatobá .”(pág 29)

“O soldado, magrinho, enfezadinho, tremia. E Fabiano tinha vontade de levantar o facão de novo. Tinha vontade, mas os músculos afrouxavam. Realmente não quiser matar um cristão: procedera como quando, a montar brabo, evitava galhos e espinhos. "(pág 100)

“ Afastou-se, inquieto. Vendo-o acanalhado e ordeiro, o soldado ganhou coragem, avançou pisou firme, perguntou o caminho. E Fabiano tirou o chapéu de couro.

_ Governo é governo.”(pág 107)

O dono da fazenda

O dono da fazenda representa o vínculo desigual e opressor entre patrão e empregado é exigente, rouba Fabiano nas contas, e quando este reclama o manda procurar outro emprego:

“Não se conformou: devia haver engano. Ele era bruto, sim senhor, via-se perfeitamente que era bruto, mas a mulher tinha miolo. Com certeza havia um erro no papel do branco. Não se descobriu o erro, e Fabiano perdeu os estribos. Passar a vida inteira assim, no toco, entregando o que era dele de mão beijada! Estava direito aquilo? Trabalhar como negro e nunca arranjar carta de alforria!

O patrão zangou-se, repeliu a insolência, achou bom que o vaqueiro fosse procurar serviço noutra fazenda.

Aí Fabiano baixou a pancada e amunhecou."(pág. 93)

2.3 Tempo

O tempo narrativo da ação ocorre no período de duas estiagens, porém o tempo predominante é o psicológico.

2.4 Espaço

O espaço da ação é o sertão nordestino.

"Na planície avermelhada os juazeiros alargavam duas manchas verdes.(..) Ordinariamente andavam pouco, mas como haviam repousado bastante na areia do rio seco, a viagem progredira bem três léguas. Fazia horas que procuravam uma sombra. A folhagem dos juazeiros apareceu longe, através dos galhos pelados da catinga rala.” (Pág 9)

2.5 Narrador

O foco narrativo do romance é em terceira pessoa, com narrador de onisciência multisseletiva, através dele revela pensamentos, percepções e sentimentos das personagens, numa mistura íntima e bela das vozes internas destas, utilizada até para a cadela Baleia, assim é predominante o discurso indireto livre, o narrador envolve as personagens nas palavras que elas não tem, pois carecem de articulações de pensamento e comunicação.

"Agora queria entender-se com Sinha Vitória a respeito da educação dos pequenos. Certamente ela não era culpada. Entregue aos arranjos da casa, regando os craveiros e as panelas de losna, descendo ao bebedouro com o pote vazio e regressando com o pote cheio, deixava os filhos soltos no barreiro, enlameados como porcos. E eles estavam perguntadores, insuportáveis. Fabiano dava-se bem com a ignorância. Tinha o direito de saber? Tinha? Não tinha." ( pág 21)

“Em horas de maluqueira tentava imita-lo (seu Tomás da bolandeira): dizia palavras difíceis, truncando tudo, e convencia-se de que melhorava. Tolice. Via-se perfeitamente que um sujeito como ele não tinha nascido para falar certo."(pág 22)

“Esqueceu-se e de novo lhe veio o desejo de morder Fabiano, que lhe apareceu diante dos olhos meio vidrados, com um objeto esquisito na mão. Não conhecia o objeto, mas pôs a tremer, convencida de que ele encerrava surpresas desagradáveis."(pág 89)

O discurso direto é utilizado raramente e restringindo-se a monossílabos, interjeições e frases sintéticas ou interrogativas.

"Fabiano caiu de joelhos, repetidamente uma lâmina de facão bateu-lhe no peito, outra nas costas. Em seguida abriram uma porta, deram-lhe um safanão que o aremessou para as trevas do cárcere. A chave tilintou na fechadura, e Fabiano ergueu-se atordoado, canbaleou, sentou-se num canto, rosnando:

_ Hum! Hum!”(pág 30)

"- Por que é que vossemecê bota água em tudo?

Seu Inácio fingiu não ouvir. E Fabiano foi sentar-se na calçada, resolvido a conversar. O vocabulário dele era pequeno, mas em horas de comunicabilidade enriquecia-se com algumas expressões de seu Tomás da bolandeira. Pobre se seu Tomás." (pág 26)

2.6 Linguagem

A linguagem na obra Vidas Secas é sintética, precisa e concisa, sem sentimentalismo, de vocabulário exato, econômica de adjetivos, centrada nos substantivos selecionados dentro de períodos curtos, isso traz um estilo seco, tal qual a terra e a vida daquelas personagens, a linguagem também é marcada pelo uso do pretérito (perfeito, imperfeito ou o mais-que-perfeito), porém a repetição do pretérito tem a força do presente. No discurso direto a linguagem é monossilábica, grutal e cantada, de caráter regional, mas com adequação a sintaxe tradicional.

Mesmo dentro de uma linguagem crua, o autor utiliza um certo rebuscamento, também presente em outras obras, o livro sem nenhum espírito poético, chega atingir, às vezes, um estado de poesia, como no Capítulo: O mundo coberto de penas, podemos interpretar como um mundo coberto de pesar, pois as aves são o prenúncio da seca e Fabiano e a mulher visualiza o fim de sua estadia naquele lugar:

"O mulungu do bebedouro cobria-se de arribações. mau sinal, provavelmente o sertão ia pegar fogo. Vinham em bandos, arranchavam-se nas árvores da beira do rio, descansavam, bebiam e , como em redor não havia comida, seguiam viagem para o Sul. O casal agoniado sonhava desgraças. O sol chupava os poços, e aquelas excomungadas levavam o resto da água, queriam matar o gado."(pág 108)

Neste Capítulo também retrata a belíssima a passagem em que Fabiano descobre ao sentido da frase de sinha Vitória, o sentido de causa e efeito. A verdade oculta nas palavras dela faz com que ele esqueça da seca. O mundo por alguns instantes fica mais belo, pois o mulungu estava enfeitado de penas :

“Como era que sinha Vitória tinha dito? A frase dela tornou ao espírito de Fabiano e logo a significação apareceu. As arribações bebiam a água. Bem O gado curtia sede e morria. Muito bem. As arribações matavam o gado. Estava certo. Matutando, a gente via que era assim, mas sinha Vitória largava tiradas embaraçosas. Agora Fabiano percebia o que ela queria dizer. Esqueceu a infelicidade próxima, riu-se encantado com a esperteza de sinha Vitória (...)”(pág 109)

3- CONCLUSÃO

O mais brasileiro dos livros do Sr, Graciliano Ramos segundo o crítico Álvaro Lins, mas o enredo que mostra uma família de retirantes que foge da, e sofre com, a seca e a miséria, talvez seja um drama universal, é por isso tão tocante e de importância como documento de denuncia social para a literatura brasileira.

Graciliano Ramos usa de uma dureza, frieza e falta de articulação na comunicação dos personagens, que se comunicam com gestos e interjeições e quando conversam é um desfile de monólogos, isso aponta verossimilhança para com aquele povo, que vive fugindo em busca de água e alimento, semelhantes a animais peregrinos, porém quando descreve o animal de estimação da família a cachorra Baleia, traço importante na linguagem e estilo da obra, é terno, a cachorra é o único personagem que recebe e faz carícias, na obra este animal possui mais humanidade que o resto da família.

O livro Vidas Secas, é centrada no sertão nordestino, mas essas vidas que são secas pela falta de chuva, também são secas de esperanças, oportunidades, justiça, respeito, educação e civilidade, poderia ser o retrato de uma família entregue a própria sorte e as adversidades no deserto do norte-africano, nas terras arenosas do oriente, nas terras rochosas do Peru, Bolívia ou Chile, ou em qualquer outra parte do mundo.

Vidas Secas é de importância impar, pois retrata um mundo, até hoje e principalmente na época da publicação, desconhecido para os leitores, sobretudo dos grandes centros urbanos, desatentos e ignorantes as dificuldades e necessidades de seus semelhantes no interior do país.

4- BIBLIOGRAFIA

RAMOS, Graciliano. Vidas Secas. 65º Ed. Rio de Janeiro, Record, 1994.

LEITE, Ligia Chiappini Mores. O Foco Narrativo. 3º Ed. São Paulo, Ática, 1987.

GANCHO, Cândida Vilares. Como Analisar Narrativas. 8º Ed. São Paulo,

Ática, 2004.