Parnaso de Além Túmulo: pastiche não-intencional

Que a obra dita literária chamada Parnaso de Além-Tumulo, escrito pelo suposto médium chamado Francisco Cândido “Chico” Xavier e composta por 256 poemas escritos por poetas de nacionalidade brasileira e portuguesa, tem criado controvérsias do que deveria ter caráter intimamente literário ou não é quase que noticia clichê de qualquer circulo intelectual.

O tema já foi intimamente dissecado por vários pontos de vista tanto contra quanto a favor da vericidade e legitimidade dos ditos “ espíritos poetas”. O que nunca vi sendo questionada foi a conciliação de dois pontos de vista aparentemente contraditórios: a não-legitimidade de tais textos junto com a não-intenção maléfica de ser mero copista dos génios ao quais os textos são atribuídos.

Apenas uma definição é inevitavelmente necessária para a total compreensão do texto por parte daqueles que não estão completamente familiarizados com os círculos literários mundo afora: afinal de contas o que seria um "pastiche"?

Pois bem, Pastiche é definido como obra literária ou artística em que se imita grosseiramente o estilo de outros escritores, pintores, músicos, etc.

O pastiche pode ser plágio, por isso tem sentido pejorativo, ou é uma recorrência a um gênero

(retirado de http://pt.wikipedia.org/wiki/Pastiche)

Para o inicio dessa exposição, é preciso distinguir a forma como diferentes partes do nosso cérebro processam informação: nada, absolutamente nada, é descartado de forma total e definitiva. A única diferença é em relação à acessibilidade de tal informação.

Quando dormimos, não encontramos mais essas barreiras físicas que distinguam esses dois tipos de informação, misturando sem lei prévia coisas dos quais nunca saberiamos que ainda nos lembravamos e outras que ainda temos vividamente em nossa memória.

Qualquer coisa pode estar engavetada por essas bandas, inclusive as características ditas marcantes de textos literários dos quais gostamos ou até mesmo odiamos, bastando para isso não mais do que uma única exposição a eles.

Tendo dito isso, ponho abaixo aqui a imagem de pobre quase-iliterato que é atribuida ( e sustentada por quase todo espirita devoto) a Chico Xavier. Chico só estudou até a quarta série primária, mas era leitor voraz e tinha uma biblioteca com quinhentos livros de autores diversos, inclusive em inglês, francês e hebraico. Colecionava também cadernos com recortes de textos e poesias, notadamente dos autores espirituais que o procuravam.

Pode-se dizer tambêm que mantinha em vida uma nítida aproximação com a forma literária de se expressar, podendo chegar a ser um poeta talvez tão grande quanto foi Machado de Assis caso o coitado tivesse seus surtos de aparente esquizofrenia devidamente investigados e tratados.

Tal teoria já foi apontada diretamente a sua pessoa, inclusive quando o suposto médium se encontrava vivo e bem, veja:

- O jornalista João de Scantimburgo objetava a Chico Xavier: “Eu insisto que a escrita automática é o produto do inconsciente do senhor, não de mediunidade. Na França foi publicada uma coleção de livros com o título genérico ‘A maneira de...’ em que algumas pessoas fazem a imitação de vários autores.

Se o senhor ler, não distinguirá ainda que tenha profundo conhecimento do estilo do autor imitado. E trata-se de uma imitação consciente. O senhor imita autores dirigidos pelo inconsciente. Em nada supera as faculdades naturais”.

Ora, quando se trata de conteúdo... Insiste o jornalista citado: “Além de jornalismo, eu também tenho a carreira de Filosofia. E não foram psicografados conteúdos profundos e complexos como a obra (à maneira de) Platão, a de Aristóteles, a de Santo Agostinho, a de Santo Tomás de Aquino, a de Descartes, a de Kant, e a de outros filósofos e pensadores. Não será porque o senhor, Chico Xavier, não tem esses conhecimentos?” –

Trecho retirado do Diário de são Paulo 8 de Agosto de 1971 no 3º cardeno, página 7

Entende-se aqui por favor que minha intenção não é a de denegrir a imagem de Chico Xavier perante uma nação de maioria espírita, muito pelo contrário: nutro por ele uma simpatia da qual causa não sei bem explicar o porque, mas tal obra do além é muito melhor aceita e comprovada psicologicamente como fruto de vasta repressão inconsciente de dados do que autoria espiritual.

Toda ação tem uma reação como muito bem comprova a lei universal que supostamente rege a dita ascensão a algum outro corpo ou não de um “espirito desencarnado”. A obra em questão não é nada mais do que o fruto de memórias reprimidas do auto-intitulado médium quando em verdade o fato de ele julgar tal coisa como “piscografia” é completamente natural e aceitável.

Francisco Candido Xavier entrou em contato sim com os poetas que ele teoricamente psicografou, mas não sabendo o que fazer com versos que o chocou (como chocaria qualquer outro ser humano sensível a essa belíssima forma de arte) e completamente reprimido pelo pai, Chico fez o melhor que pode fazer em tal situação: inconscientemente desligou suas faculdades mentais do sentimento de identidade própria.

A principal figura de autoridade perante toda a família não o deixava escrever seus próprios versos em que com certeza expremiria os tempos em que fora brutalmente maltratado por sua madrasta, o fato de nunca ter visto sua mãe a não ser em seus surtos de esquizofrenia (as ditas aparições) e outras fatalidades comuns em qualquer estilo de vida rude na qual fora criado.

Sem permissão para escrever tal coisas, seus inconsciente desenvolveu um quadro psicopatológico em que a questão de sua identidade pessoal fora posto em xeque. A psicografia seria uma resposta perfeita para tal quadro já que tais versos nunca poderia ser atribuído a ele e sim aos “ espíritos autores”.

O transtorno dissociativo de identidade, originalmente denominado Transtorno de múltiplas personalidades, conhecido populamente como dupla personalidade, é uma condição mental onde um único indivíduo demonstra características de duas ou mais personalidades ou identidades distintas, cada uma com sua maneira de perceber e interagir com o meio. O pressuposto é que ao menos duas personalidades podem rotineiramente tomar o controle do comportamento do indivíduo.

Como exemplo de pura comparação (mesmo que eu tenha que concordar com o enorme absurdo da mesma) vejamos outro caso em que tal transtorno tenha atingido alguém, mas desta vez com os recursos financeiros que fatalmente não estava ao alcance do pobre “medium”: falo do poeta português Fernando Pessoa e seus heterônimos.

Fernando Pessoa escreveu vastas obras sobre vários outros nomes e personalidades, inclusive de forma rápida e semiconsciente (características ditas típicas de uma psicografia), embora ele mantenha sempre a verdade em plena vista: que é ele o poeta “de carne e osso” e que Ricardo Reis, Alvaro de Campos etc etc eram completamente inventados por ele mesmo.

O problema é que a vida de Fernando Pessoa parece um paraíso constante se comparado com o inferno que foi a vida de Chico Xavier. Não pode-se esperar que duas pessoas que vivessem em condições sociais, temporais e até biológicas completamente diferentes lidassem com susrtos ocasionais de esquizofrenia da mesma forma.

No caso específico de Chico Xavier, havia uma necessidade social de anulação total da identidade própria junto com a deslocadura de autoria para que nenhuma consequência da obra Parnaso de Além Túmulo recaisse por sobre as costas de Chico.

Os fatos aqui expostos não alteram em nada a grandiosidade da obra, cuja leitura eu recomendo tanto a fiéis numa vida póstuma quanto a simples ateus ávidos por uma boa literatura, mas em questão de autoria, digo-lhes somente uma coisa:

Francisco Candido “Chico” Xavier foi talvez o maior poeta de nossas letras sem nunca poder ter sido....

Ernani Blackheart
Enviado por Ernani Blackheart em 24/01/2012
Reeditado em 23/05/2012
Código do texto: T3458129
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