Os Sertões: Marcas do Realismo na obra Pré-Modernista de Euclides da Cunha.

No segundo Reinado de D. Pedro II, que terminaria em 1889, já imperava o chamado “parlamentarismo às avessas”, em que o próprio Imperador nomeava um Senador ou um deputado para o cargo de primeiro-ministro, ora do partido Liberal, ora do Conservador, que se revezavam no poder para atender aos interesses de uma oligarquia agrária, que insistiam em se manter no comando, apesar das fortes pressões internacionais para o desenvolvimento do “capitalismo industrial” que se iniciou com a proibição do tráfico de escravos, buscando a modernização.

A indústria cafeeira se desenvolve no interior de São Paulo. Próximo às fábricas, ao longo das estradas de ferro, começa a se desenvolver uma nova classe média, agora urbana, que necessitava de representatividade política. Esta nova classe, aliada ao exército, buscava a derrocada da monarquia desgastada, para a instauração da República, o que aconteceu em 1889, mas a República não conseguiu atender as ambições desta nova classe nem as dos militares a quem se aliaram.

Mais uma vez o comando fica nas mãos das oligarquias paulistas e mineiras, que passam a controlar todo o Estado brasileiro, por meio de uma aliança com os estados, conhecida como “Política do café-com-leite”. Apesar das várias ideias liberais republicanas modernas vindas da Europa, o Brasil ainda teve de conviver com uma estrutura político-econômica que favorecia a oligarquia agrária, os latifundiários e Coronéis.

A mão de obra imigrante se instala nos grandes centros de produção, enquanto outras regiões do País, como nos Sertões Nordestinos, de clima árido, pobreza e suposta “ignorância” e “animalidade” das pessoas, elas continuavam completamente esquecidas pela Nação. Sertanejos e escravos libertos andantes, instalavam-se às margens de rios para a construção de pequenos arraiais ou aldeias, preocupados apenas com a colheita de subsistência, a religião, e completamente alheios aos desenlaces políticos da passagem da monarquia para a República. Eles não eram mais objetos de interesse da oligarquia, e, em contrapartida, a República que não lhes deu nada, apresentou-se como uma ameaça aos costumes e à sua própria fé.

Canudos era uma dessas pequenas aldeias, que surgiu no século XVIII às margens do rio Vaza-Barris, nos arredores da Fazenda Canudos, a 12 km da localidade atual, localizada no estado da Bahia, no “Polígono das Secas”, no vale do rio Vaza-Barris. Em 1893, com a chegada de Antônio Conselheiro e seus seguidores, sertanejos e ex-escravos foi rebatizada com o nome de Monte Santo, com aproximadamente 25.000 habitantes, sendo destruída na Guerra de Canudos (1896-1897).

Antônio Vicente Mendes Maciel, “Antônio Conselheiro”, nasceu em Quixeramobim, no Ceará, em 13 de março de 1830, e era de família tradicional nos sertões. Fora comerciante, professor e advogado “prático” nos sertões de Ipu e Sobral. Abandonado pela esposa, por causa de um sargento da força pública, começou a andar pelos sertões durante anos, e chegou a Canudos em 1893.

Ao contrário de outras regiões do País, esta região possuía latifúndios improdutivos, constantes secas e uma grande crise econômica e desemprego. Os Milhares de seguidores de Antonio Conselheiro, unidos pela crença da salvação dos sertanejos dos flagelos da seca e da exclusão econômica e social, partiram com ele para Canudos. No entanto, os grandes fazendeiros da região uniram-se à Igreja, e com uma forte pressão junto às oligarquias dominantes, pediram que fossem tomadas providências contra ele e seus seguidores.

Apenas pelos rumores de que Canudos estava se armando para atacar as cidades vizinhas e rumar para a capital para reinstalar a Monarquia, a influência dos fazendeiros junto ao governo fez com que fossem mandadas três expedições militares contra Canudos, as quais foram todas derrotadas. Apenas na quarta expedição, depois que a opinião pública já estava apavorada, foi exigida a destruição do arraial, onde foram mortos uns vinte mil sertanejos.

O Realismo no Brasil iniciou-se em 1881, com a publicação de Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. Juntamente com o Naturalismo, a literatura no Brasil se volta para a observação do homem tanto em seu contexto biológico quanto psicológico, sempre buscando a verdade e mostrando a suscetibilidade aos vícios, às falhas de caráter e aos interesses pessoais que comumente estão acima da moralidade. A sagacidade e a sensualidade quase instintiva comparam o homem ao animal, todos movidos pela mesma força da natureza que determina seu comportamento.

Na obra fictícia Memórias Póstumas de Brás Cubas, Machado traz à tona o retrato da sociedade da época, marcada pelo realismo psicológico, em sociedade escravocrata do século XIX, abordando a individualidade dos personagens, seus interesses pelo poder e sua complexidade. Todos são personagens submetidos às leis do interesse: dinheiro, posição social, manutenção de um cargo político e renúncia às relações de amizade, aos vínculos de amor e respeito e à predominância da aparência sobre a essência.

Portanto, os acontecimentos que proporcionaram a criação da obra Os Sertões, de Euclides da Cunha, publicada somente em 1902, marcando o início do Pré-Modernismo no Brasil, foram registrados alguns anos antes, ainda no Realismo; Euclides da Cunha só conseguiria escrever a obra quatro anos depois, o que culminou com a aproximação do início do Pré-Modernismo; o Pré- Modernismo é considerado por alguns críticos apenas um período literário, e não uma escola, sendo, portanto, um período anterior à escola Modernista; os fatos narrados em Os Sertões são verdadeiros, ao contrário da obra de Machado, mas carregam traços do Realismo/Naturalismo pelo caráter descritivo, física e psicologicamente, dos envolvidos na Campanha de Canudos; a própria divisão da obra, determinando “Os Sertões” como “A Terra”, “O homem” e “A luta” apresenta conceitos do positivismo e do Naturalismo.

Observamos que decorrera o período do Parnasianismo e do Simbolismo, considerados também, juntamente com o Pré-Modernismo, períodos de transição para o efetivo Movimento Modernista, no qual a obra de Euclides e de outros autores, como Camilo Peçanha, Monteiro Lobato, Augusto dos Anjos, Graça Aranha, Lima Barreto e outros não se enquadram.

Estas são algumas marcas do Realismo na Obra Pré-Modernista de Euclides da Cunha, que se tornou um marco da literatura brasileira, nem tanto pela inovação da linguagem, más pelo inconformismo, e a retratação de uma situação social brasileira de forma direta, coloquial, com intenso teor investigativo e de denúncia, mostrando a marginalização do ser, o regionalismo separatista e contrariando inclusive, suas ideias pré-concebidas de que a República, da qual era fiel partidário, estaria acima dos interesses egoístas de grupos que detinham o poder na sociedade da época.

Antonio Marques de O Santos
Enviado por Antonio Marques de O Santos em 21/02/2013
Reeditado em 28/11/2013
Código do texto: T4151506
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