Hamlet e Beowulf
 

        Ao analisarmos o trajeto de Hamlet a partir do aparecimento do fantasma paternal, observa-se a brusca quebra na rotina da personagem. O herói perturba-se demasiadamente perante as revelações e incumbências para vingar a morte do rei. A partir daí, o transcorrer da tragédia dependerá das ações seguintes da personagem, ou seja, eis o nó da trama, como afirma Aristóteles ao descrever o seguinte:
            “Dou o nome de nó à parte da tragédia que vai desde  o início até o ponto a partir do qual se produz a mudança para uma sorte ditosa ou desditos chamo desenlace à parte que vai desde o princípio desta mudança até o final da peça”.
            A torturante angústia de Hamlet o põe diante de questões profundas, e suas ações carregam o enredo, formando um complexo nó, como descrito anteriormente por Aristóteles.
              Na tentativa de acertar, pois certamente que o objetivo do herói é tentar resolver o dilema no qual estar envolvido, efeitos colaterais aos poucos borbulham nas cenas e falas sequentes, e o herói ao invés de se libertar dos problemas, é o contrário que ocorre. Aristóteles descreve, acerca da tragédia, no percurso da trama, que a mesma:
  “(...) deve oferecer a mudança, não da infelicidade para a felicidade, mas, pelo contrário, da felicidade para o infortúnio, e isto não em consequência da perversidade da personagem, mas por causa de algum erro grave, como  indicamos, visto a personagem ser antes melhor que pior”.
          Sob tal perspectiva é notável observar que, no momento em que Hamlet decidiu agir em função da vingança (concretizada na cena em que os atores encenam o assassinato de um rei), o mesmo iniciou o percurso real de seu trágico destino, haja vista que, a representação causou em si, a certeza sobre a veracidade do assassinato. No entanto é possível formularmos suposições a respeito de outro destino para Hamlet, caso o mesmo não tivesse dado crédito ao fantasma do pai e o considerado como puro fruto de sua imaginação, algo que certamente teria o impulsionado em outras direções. Porém se o mesmo fugisse de suas responsabilidades, ou seja, se não tentasse esclarecer os infortúnios diante de si, a personagem perderia o status de justo e de herói, mostrando-se incapaz de solucionar os problemas da estória. Acerca dessa constatação, Aristóteles sintetiza que:
  “Sendo a tragédia a imitação de homens melhores que nós, convém proceder como os bons pintores de retratos, os quais, querendo reproduzir o aspecto próprio dos modelos, embora mantendo semelhança, os pintam mais belos”.
        É notável que o grande “erro” que arrastou Hamlet para o seu final trágico foi ter iniciado sua vingança contra aquele que assassinou seu pai. Mas no seu status de herói, fazia-se necessário tentar esclarecer as questões que perturbavam seu caráter de homem digno. Era preciso empunhar ferramentas perspicazes na solução dos percalços existentes, mesmo que para isso terminasse sua trajetória de modo infeliz.
         Já no poema Beowulf, personagem que figura em um cenário amplamente épico, o herói da trama transita em batalhas diversas as quais o colocam em fenomenal ascensão, devido suas conquistas terrenas perante sua grande força, onde o mítico mescla-se naturalmente com a realidade humana, como bem frisa Aristóteles, pontuando que:

          “(...) na epopeia pode-se ir além e avançar até o  irracional, através do qual se obtém este maravilhoso no grau mais elevado, porque na epopéia nossos olhos não contemplam espetáculo algum”.
     Assim, Beowulf transcorria os anos de sua existência com poderes miraculosos, os quais o davam soberania heroica.
          O principio do “erro” que empurrou Beowulf para seu terrível destino foi o fato de um escravo ter despertado a ira de uma serpente que vivia reclusa num esconderijo. A partir desse momento, o herói ver-se na responsabilidade de defender a nação das garras do Dragão. Decidido a matar a serpente, o herói épico pronuncia tais palavras:

          “Arrojai-me em muitas batalhas na juventude; hei de pôr fim a este feudo e sair-me vitorioso – guardião de meu povo, apesar de já velho, se esse demônio destruidor ousar sair do covil!”.
          Mediante tamanha convicção na fala da personagem, notamos que para o herói, não havia como escapar desse impasse que o arrastava para o seu destino. Então Beowulf, munido de suas armas, resolve adentrar, sozinho, a caverna da serpente. Eis aí o “erro” definitivo que o direcionou para o seu trágico destino. Não mais havia como retroceder, restando-lhe apenas a alternativa de travar batalha com a serpente. E a batalha foi travada. Agora o herói tinha que aceitar as consequências advindas de tal atitude corajosa e, embora o herói, com o auxilio de outro guerreiro, tenha conseguido aniquilar a vida do Dragão, antes fora ferido, ferimento este que o carregou para a morte. Assim, Beowulf, em nome da virtude, movido por um sentimento espiritual, lutou fortemente e selou seu fim no sangrento ato heroico.
          Tais direcionamentos na vida das personagens sinalizam os reflexos de os seres transitarem por rotas indefinidas, e por estarem submetidos ao variado movimento na selva do viver, que não tem respostas exatas, apenas solavancos indecifráveis, os quais são exemplarmente representados na tragédia “Hamlet” e no poema épico “Beowulf”. Hamlet e Beowulf, dentro de seus universos, buscaram a solução para as questões que os atormentavam em seus respectivos tempos e, inevitavelmente, suas ações suscitaram em reações que fugiram de seus controles, arrastando-os para seus trágicos destinos.


                                                                       Por: Valdon Nez
                                                                    05 dezembro 2013                                                  
Valdon Nez
Enviado por Valdon Nez em 05/12/2013
Reeditado em 19/12/2013
Código do texto: T4599654
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