Ensaio: Hábeas Corpus para a Magia

Luciana Carrero*

Ouve-se dizer que a arte imita a vida, desde que Aristóteles fincou ensinamentos, em sua obra “Poésis”. Um deles, o de que metáfora seria a imitação, que advém como dom natural dos humanos, para ser usado em literatura, no caso, a poética. Porém veio a assimilar-se, ao fluir dos séculos, deturpação. O mal está aí. Hoje em dia, certas teorias plantaram a definição do conceito aristotélico de metáfora como figura de linguagem. O que, absolutamente, não é verdadeiro. Para Aristóteles a imitação, na arte, não seria nada mais nem nada menos do que a reconstrução da vida num outro contexto, sendo possível recriar o mundo num diverso patamar, numa diferente geografia de pensamento, talvez até subversivo, denominada, então, metáfora. Ele falava de coisa mágica, imagética, imaginária, inspiracional, de recontar o real. Não excluía a metáfora, figura de linguagem, como expressão de nobreza, em contraposição ao vulgo. Mas também não a considerava elemento basilar da composição poética ou de ficção literária, porém usável quando necessária para ornar o ambiente escritural. No arcabouço de sua estética não havia lugar para exageros. Deu até a entender que a figura da linguagem metafórica deveria ser usada com moderação. É viável aceitar que realmente isso faz sentido quando, por exemplo, nos deparamos com um texto inflado e caricatural, tipo obeso de metáforas. Ele se torna pernóstico, enfadonho, indigerível.

A metáfora, (figura de linguagem) na literatura e como recurso absoluto na poesia, não se respalda nos conceitos da “Poésis” de Aristóteles, onde até mesmo se enquadra relativamente, mas não de modo soberano. E isto, enfim, basta a este insigth. Até por uma questão de trazer justiça aos poetas marginalizados por não terem o hábito de respaldar-se na figura de linguagem citada, tendente a ser ditadura para o poetar e a taxá-los de intimistas. Metáfora é a transposição da realidade, porém numa ambiência de magia. Quando figura de linguagem, pode ser perfume que existe não para autoperfumar-se, mas para perfumar um contexto. Neste entendimento coloco a figura, em poesia, como o odor e não como o corpo, este que precisa de substância fundamental, pois não sobreviveria sem um esqueleto sustentador, algo assim como um inevitável texto de fundo. Afora metáforas e outras referências, os poetas precisam dar um corpo sustentável à sua criação e, depois,

adorná-la com seus recursos artísticos, se for o caso. A metáfora (figura) é só um deles. Mais vale, para o poeta captar a magia, esta, sim, sim, a verdadeira metáfora, visto que pode ser, ao mesmo tempo, esqueleto, corpo e perfume. Libertar a magia, independentemente de figuras e estereótipos, é o que surge como vital, e é o caminho mais curto para a fluência, da poesia para o poeta, e para satisfação dos leitores.

* Produtora Cultural, reg. 3523 – SEDAC/RS.