Pequena reflexão sobre o assunto de hoje

Vejo de novo e outra vez poetas comentando poetas e sobrevalorizando a sensibilidade ("Nossa! Quanta sensibilidade!" ou "É preciso muita sensibilidade para ler teu texto.").

Digo: não. Quero pensar sobre isso. Acompanhem-me, por favor.

O que é 'sensibilidade'?

Se pensarmos que sensibilidade é "aquilo pertinente ao sensível; da ordem do sensível", temos algo completamente humano que nos atravessa a todos, todos temos 'sensibilidade', se for isso, porque todos temos tato, olfato, visão, audição e paladar. Não é necessário insistir aqui.

Se sensibilidade for "pertinente ao sentido; da ordem do sentido", então estamos trabalhando com 'significados', portanto, a mesma coisa que antes. Entenda-se: seres humanos dão sentido a tudo, produzem significado de tudo ("Qual a razão disso?", "Qual o motivo?", "Por que isso aconteceu?"). Todos fazemos isso, a profusão de sentido, a proliferação de significados que imperam no cotidiano é uma atividade humana recorrente e comum.

Repito: não. Chega disso. Todos temos 'sensibilidade' nas duas acepções. Eu sei que pretendem falar de uma terceira possibilidade, algo entre a criatividade, a originalidade e as emoções. Tudo isso é também problema. Vamos adiante?

Criatividade é problema porque, refletindo rapidamente, humanos não criam nada. Os materiais (de 'matéria') já estão disponíveis no mundo, os produtos são apenas recombinação. Isso também é válido para sons e tintas (portanto, pelo menos, o aspecto material de palavras) e conceitos, pensamentos, etc, podem ser aproximados de outros anteriores (isso coloca um problema: a necessidade de tudo derivar de um 'pensamento primeiro', fundante e fundamental, inicial, "adâmico", mas não quero abordá-lo agora, essa questão fica para outra "situ").

Originalidade é problema porque costuma-se esquecer que o poeta leu poesia antes de fazer sua própria. E o que é ler poesia se não a há, se há somente poemas (assim como não há vida, mas há seres vivos vivendo)? É ler, então, poemas de outros. Assim sendo, todo autor é copista, antes e simultaneamente. Todo autor, claro, é também leitor. Esquecem-se que a adaptação é atividade essencial da arte desde sempre (mímese, meus amigos), posto já há literatura quando se nasce e é essa pré-existência que molda as noções de literatura com as quais o poeta lidará.

Por fim, emoções são ponto problemático porque, lembremos, tédio também é emoção e não há seriedade em certos estados afetivos, portanto, também emoção. Não deveria ser difícil perceber que qualquer estado é emoção ("aquela máquina de escrever sozinha, na sala, é um fim de outono", pura emoção abarcando, verdadeiramente devorando).

Volto a mim mesmo e insisto: não. Chega disso. Literatura não é sobre nada "a mais" nesse sentido em que insistem. Literatura é sobre menos, muito menos, é sobre tão pouco que é preciso dizer constantemente (escrever) para suprir essa falta. Agora a adição aparece, pois ao tentar tampar o branco da página com as porções de tinta das letras - tinta vazada, toda letra tem buracos por onde a página reaparece e se impõe de novo, por isso a literatura nunca acaba - acrescenta-se algo ao sentido total, isto é, à própria possibilidade de sentir/sentido (chamar o sentido de "sentido" é curioso, pois se trata de um particípio passado, o que significa que estamos nos apercebendo de algo que já foi, o que poderia ser mentira, não fosse o fato de pensarmos depois das palavras serem lidas ou ditas, não simultaneamente; logo se vê: vivemos no passado, somos fantasmas, mas também história).

Por isso digo: não. Chega disso. Acrescenta-se por uma falta anterior, inicial, primeira. Não se acrescenta "por acrescentar", por genialidade, por uma luz divina acima da humanidade, mas por um sofrimento essencial, uma carência primordial, uma ausência fundante.

É isso e tenho dito.