Considerações acerca dos contos fantásticos rubianos: “a noiva da casa azul” e “o edifício” de Murilo Rubião.

Com a leitura das obras citadas, levando em consideração as contradições impostas pelos textos fantásticos (1) e que tais contradições orbitam ao redor de algo definido, ou numa visão menos conservadora, que pelo menos tentam assumir este papel (de coisa definida), ficando claro que o fantástico em síntese, tenta opor-se ao processo de modernização, sendo este alcançado ou não – qualquer que seja o espaço no tempo.

Com o seu surgimento na Europa do século dezenove, lugar onde se respiravam as vibrações sem precedentes das buscas burguesas pelos avanços e inovações na indústria, o fantástico tentou alocar-se dentre as tendências literárias surgidas na ocasião a qual os lapsos temporais perfaziam o conceito tradicional dos textos fantásticos que àquela época contradiziam e criticavam a tal busca por modernidade. Situação tamanha que fez o próprio conceito de Romantismo se sujeitar aos moldes mercantis e num processo de “reificação” ser entendido como uma mercadoria.

Dando continuidade ao tema, é bem verdade que o desenvolvimento tardio dos países periféricos - seja pelo lento processo de desvencilhamento econômico em relação às metrópoles, ou pela própria influência esmagadora destas nas áreas intelectual, administrativa e por que não cultural das colônias – culminou na demora do aparecimento da corrente fantástica em nossa literatura. Pelo mencionado sabe-se que o processo de modernização da periferia não foi criticado com tamanha veemência como na Europa do século dezenove, contudo o fantástico permaneceu orbitando e voltou a aparecer no Brasil neste duplo da ficção de Murilo Rubião que como em “Noiva da casa azul”, reflete um passado que, ao que tudo indica – ou o texto nos faz crer – não havia sido revelado em seu tempo (3) de eixo (linear) e que ao se manifestar (por mais que o noivo – autor personagem -de Dalila não o quisesse) atormenta aquele que em tempos atuais passa a entender as destruições advindas desse processo de modernização, desse lapso temporal que “ele” não viu passar; e esteve oculto em sua vida por algum tempo, e que no entanto por meio dos fantasmas do passado tornam-se reais tudo aquilo que apesar de evidente só foi aceito com a fantástica elucidação advinda desse tipo de texto.

Em “o edifício” não é diferente, a idéia de uma maldição futura torna a execução da obra um tanto temerária por parte de João Gaspar que verifica a aparição de um espectro fundamentado em um futuro prometido, é dizer, a construção do 800 º (octingentésimo) andar do edifício. Nesse caso, observa-se claramente que o fantástico se manifesta não no fato de se chegar ao octingentésimo andar da construção e iniciar-se a partir daí uma seqüência de maldições (tudo dando errado), mas nas conseqüências que poderão advir com a falta de estrutura para a sustentação do edifício após construído.

Nestes dois casos brasileiros de literatura fantástica subtrai-se as seguintes lições: em “a noiva da casa azul” “ele” o autor-personagem consegue encontrar nos espectros da modernidade (os detentores do tempo atual) a possibilidade de regressão e verificação que o seu passado havia sido destruído. O interessante é que isso não fazia parte de seu conhecimento, mas o fantástico se encarrega de conduzi-lo até essa espectrante e por que não impactante interpretação.

O fantástico também deixa suas recomendações em “o edifício”, principalmente quanto aos exageros da obra – já centenária apenas na fase de fundação – e à pretensão do engenheiro – no caso deste almejar terminá-la durante sua gestão, durante sua vida – tais lições nos remetem principalmente ao lamento pela falta de pulso firme daquele que deveria puxar as rédeas da evolução. A transformação dos pardieiros em edifício, conforme a citação inicial (Miquéias, VII, 11) adverte e antecipa a mensagem final do texto: a evolução nos converte em foras-da-lei.

Notas

(1) O termo fantástico é aplicável a um objeto como a literatura, pois o universo da literatura, por mais que se tente aproximá-la do real, está limitado ao fantasioso e ao ficcional. Todo texto fantástico tem elementos inverossímeis, imaginários, distantes da realidade dos homens. Há, como defende Jorge Luis Borges, uma causalidade de caráter mágico ligando os acontecimentos ao decorrer de uma narrativa desse tipo.

(2) Reificação: objetificação, coisificação. No processo de alienação, é o momento em que aquilo que não era passa a ser coisa, objeto.

(3) Nos textos fantásticos o tempo é percebido como cíclico, como não linear, seguindo tradições dissociadas da racionalidade moderna, além disso o tempo percebe-se distorcido, para que o presente se repita ou se pareça com o passado.

Fabrício de Andrade
Enviado por Fabrício de Andrade em 01/08/2007
Código do texto: T588245