O SONETO ALEXANDRINO

Amigos Recantistas, ao ler Tratado de Versificação, livro de Olavo Bilac e Guimaraens Passos, pude ter uma noção completa das regras necessárias para realizar um verdadeiro soneto alexandrino e gostaria de compartilha-las com todos.

Antes de enumera-las transcreverei aqui informações contidas no livro sobre a origem do verso Alexandrino, um aprendizado histórico para nós todos:

“O verso alexandrino (...). É uma criação Francesa. Escreve Quitard: “Este verso chama-se alexandrino, por ter sido metodicamente empregado na composição do famoso Roman d’ Alexandre lê Grand, -- poema começado no século XII por Lambert Licors, de Châteaudun, e continuado por Alexandre de Bernay, trovador normando do mesmo século. Assim o seu nome é uma dupla alusão ao nome do herói e ao do trovador”.

Vou colocar aqui as regras básicas para construção de um SONETO com VERSOS ALEXANDRINOS e não dodecassílabos (versos que contém, sem serem observadas as regras do alexandrino, doze sílabas poéticas).

PRIMEIRA REGRA: todo soneto Alexandrino clássico deve ser constituído de 14 versos divididos em 4 (quatro) estrofes. Podendo variar a disposição dos versos na folha. O mais usual é valer-se da disposição característica do soneto Italiano (petrarquiano) que está dividido em 2 (duas) estrofes de 4 (quatro) versos, seguidas de 2 (duas) estrofes de 3 (três) versos. Existe ainda outra disposição que é a do soneto Inglês (shakespeareano) possuindo uma estrofe única de 14 versos tendo um dístico no final, obedecendo este esquema de rimas: ababcdcdefefgg. O Soneto Inglês (shakespeareano) em versos alexandrinos, por exemplo, é utilizado na Língua Portuguesa em algumas traduções dos sonetos de Shakespeare, podendo até perder a estrutura de estrofe única e ser separado em 3 (três) estrofes de 4 (quatro) versos e uma estrofe final de 2 (dois) versos - denominada de dístico.

SEGUNDA REGRA: valer-se, em cada verso, de 12 sílabas poéticas (o METRO), com a presença da tônica (determinando o RITMO) na 6ª e 12ª sílabas poéticas necessariamente.

Outras marcações do RITMO são possíveis também: com a presença da tônica na 2ª, 4ª, 6º, 8ª, 10ª e 12ª; 3ª, 6ª, 9ª e 12ª; 4ª, 6ª e 10ª e 12ª, etc. Porém, só temos um verso, verdadeiramente, alexandrino com a presença da tônica na 6ª e 12ª sílabas poéticas, o que explicarei o motivo na SEXTA REGRA.

TERCEIRA REGRA: utilizar-se de um desses três esquemas de RIMA nos quartetos:

1 - cruzada, alternada ou entrelaçada (abab/abab);

2 - emparelhada (aabb/aabb);

3 - enlaçada ou interpolada (abba/abba).

nos tercetos há uma maior liberdade para as rimas variando conforme o soneto, exemplos:

1 - (cdc/ede), (ccd/dee), (cde/edc), (cdd/eec), (cdc/dcd).

Obs. Todo soneto clássico (Italiano ou Petrarquiano) trabalha com 4 (quatro) ou 5 (cinco) rimas apenas: 2 (duas) rimas nos quartetos e 2 (duas) ou 3 (três) rimas nos tercetos. Utilizando-se da formatação do soneto Inglês ou Shakespeareano, que apresenta um dístico final, temos três quadras com rimas cruzadas diferentes ( abab/cdcd/efef) e no dístico final, obrigatoriamente, utilizamos uma rima emparelhada diferente dos quartetos (gg).

QUARTA REGRA: Terminar todos os versos com palavras paroxítonas (chamadas de palavras graves por Bilac e Passos).

Obs. Lembrar da diferenciação da rima CONSOANTE (utilizada no alexandrino: canta/manta/espanta/tanta) e a TOANTE (brilho/silo/atiro/colírio) que não cabe no soneto clássico.

QUINTA REGRA: Na medida do possível se valer da presença de rimas ricas, ou seja, rimas feitas com classes de palavras diferentes. Alguns escritores consideram rima rica como sendo a rima que possui todas as letras iguais, desde a letra inicial da sílaba tônica até a última letra da palavra. Ex. (sentiMENTO, coMENTO, reavivaMENTO, moMENTO)

SEXTA REGRA: Se valer de dois detalhes pouco observados, todavia importantes, para a confecção do verso do soneto alexandrino clássico:

1) Jamais termina-se o 1º HEMISTÍQUIO, que é o espaço compreendido da 1ª até a 6ª sílaba poética (entendida como ponto de CESURA - logo após a cesura dá-se início ao 2ª hemistíquio) utilizando-se de palavra proparoxítona.

2) Ao término do 1º HEMISTÍQUIO, com palavra paroxítona terminada em vogal, é necessário que a próxima palavra comece com uma vogal átona ou consoante muda para haver a elisão.

Obs. 1 Podemos dizer que o Verso Alexandrino é formado de 2 (dois) versos de 6 (seis) sílabas poéticas formando um verso maior de 12 (doze) sílabas poéticas. Com a elisão ou utilização de palavra oxítona a regra de 2 (dois) hemistíquios - versos - de 6 (seis) sílabas poéticas cada mantem-se. Todavia, se utilizarmos a proparoxítona, ao término do primeiro hemistíquio, quebraremos a regra do alexandrino, pois, após a tônica do primeiro hemístíquio (ponto de cesura) já estamos escrevendo o segundo hemistíquio.

Obs. 2 Atentemos para um detalhe: não é certo utilizar, também, no Verso Alexandrino, quando do término do 1º hemistíquio, palavras paroxítonas terminadas por consoantes pluralizadas ou não (fácil, fáceis) nem as desinências verbais (cantamos, partiremos). Vejamos porquê.

Colocarei aqui dois exemplos para elucidar as obs. 1 e 2 de Versos Dodecassílabos: não-alexandrino e Alexandrino; os dois apresentam a tônica na 6ª e 12ª sílabas poética do verso.

Exemplo com Verso Dodecassílabo não-alexandrino:

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12

1) A/do/ro/ mui/to a i/MA/gem/ a/le/gre/ de um/ AN/jo.

A palavra IMAGEM IMPEDE o início do 2º hemistíquio logo após a tônica do 1º hemistíquio.

Sabemos que o Verso Alexandrino possui dois hemistíquios, cada um formado de 6(seis) sílabas poéticas. A sílaba GEM quebra esta regra, pois, está na divisão dos dois hemistíquios, entretanto, ela não pode elidir com a primeira sílaba do 2º hemistíquio. Fica assim o 2º hemistíquio com apenas 5 (cinco) sílabas poéticas, o que bem já sabemos impede a existência dos 2 (dois) versos menores de 6 (seis) sílabas poéticas formadores do Verso Alexandrino.

* Lembremos: a contagem do número de sílabas poéticas de um verso termina na sílaba tônica da última palavra do mesmo.

Atentemos agora para este outro Exemplo com Verso Dodecassílabo e Alexandrino:

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12

2) A/do/ro/ mui/to o/ RI/so, a a/le/gri/ a/ de um/ AN/jo.

A palavra RISO NÃO IMPEDE o início do 2º hemistíquio logo após a tônica do 1º hemistíquio.

Neste exemplo, pela possibilidade da elisão (comecei o 2º hemistíquio com vogal), mantemos os dois hemistíquios, porque a sílaba final da palavra RISO se elide com a primeira sílaba da palavra ALEGRIA formando a sétima sílaba poética do verso (ou a primeira do 2º hemistíquio).

A regra da elisão mantém a sonoridade do verso, sem quebras no ritmo. Observem esta afirmação na leitura em voz alta do verso.

Obs. 3 É aconselhável criar 2 (dois) versos com sentido completo, 1 (um) em cada hemistíquio, para ser mais belo o soneto.

Reparemos no Verso Alexandrino as divisões da pronunciação e o sentido completo de cada hemistíquio:*

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12

A/do/ro/ mui/to o/ RI//so, a a/le/gri/ a/ de um/ AN/jo.

1º hemistíquio 2º hemistíquio

* Lemos este Verso Alexandrino com uma pausa central na sílaba poética RI, não é verdade?

Adoro muito o riso,

A alegria de um anjo.

Não obervamos aqui dois versos distintos formando outro maior, Alexandrino?

Reparemos no verso apenas dodecassílabo as divisões da pronunciação:*

Adoro muito a ima

(gem)

alegre

de um anjo.

* quando leio este verso realizo estas quatro pausas provocando quebras do ritmo no verso. Penso que não conseguimos ler o verso continuadamente.

SÉTIMA REGRA: O último terceto ou o dístico, essa regra é válida para todos os tipos de soneto, deve encerrar todo o pensamento contido no soneto. É a famosa “chave de ouro”. Em boa parte dos poetas a "chave de ouro" está contida apenas no último verso.

Para ilustração vou colocar um soneto alexandrino que me propus a realizar, como aprendizado poético, ressaltando os seguintes aspectos:

A) Divisão das estrofes (numeração de 1/4 - 1ª estrofe; 5/8 - 2ª estrofe; 9/11 - 3ª estrofe; 12/14 - última estrofe);

B) Divisão das sílabas poéticas escandindo os versos e destacando a 6ª e 12ª sílaba que utilizamos a tônica marcando o RITMO do soneto;

C) Utilização das rimas ricas;

D) detalhar a divisão em 2 (dois) hemistíquios e suas nuances utilizadas em cada estrofe.

Vejamos o soneto que me propus a realizar:

SONETO DA SAUDADE

À Carla

1. -- Ho/mem/ que/ sen/te a/MOR/, to/da ho/ra, a a/ma/da/ CHA/ma... -- (A) - VERBO

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12

2. Tér/mi/no/ des/ta/ TAR/de e eu/ can/to/ de/ sau/DA/de (B) - SUBSTANTIVO

3. Sem/ que/ po/ssas/ ou/VIR! Pá/ssa/ro em/ li/ber/DA/de (B) - (liberto - ADJETIVO) -

4. Has/teio/ no in/fi/NI/to, ins/pi/ra/da au/ri/FLA/ma (A) - SUBSTANTIVO

5. Do/ mo/men/to/ sau/DO/so a es/te ho/mem/ que/ mui/to A/ma! (A) - VERBO

6. Lá/ no in/fi/ni/to, o /POE/ma, em/ a/ma/bi/li/DA/de, (B) - (amável - ADJETIVO) -

7. Da/ sau/da/de é/ es/CRI/to e o i/men/so/Céu/ in/VA/de (B) - VERBO

8. Pa/ra e/vo/car/ a/ NÓS: - sau/do/sa e a/ma/da/ DA/ma! (A) - SUBSTANTIVO

9. -- Ho/mem/ que/ sen/te a/MOR,/ to/da ho/ra, a a/ma/da/ CLA/ma... -- (C) - VERBO

10. O/lha!/ Quan/ta/ sau/DA/de a ar/der/ no/ Céu,/ a/MA/da! (D) - SUBSTANTIVO

11. To/da es/tre/la um/ si/NAL/ do/ poe/ma/ no in/fi/NI/to! (E) - SUBSTANTIVO

12. Luz!/ Pa/ra i/lu/mi/NAR, /a/ sau/da/de,/ no es/CRI/to, (E) SUBSTANTIVO

13. E/ do/ tem/po/ lem/BRAR.../ Desta es/tó/ria em/can/TA/da, (D) ADJETIVO

14. Que o A/mor/ é o/ prin/ci/PAL/ per/so/na/gem/ da/ TRA/ma... (C) SUBSTANTIVO

Vejamos dois versos do soneto e seus detalhes:

a) Ho/mem/ que/ sen/te a/MOR/, to/da ho/ra, a a/ma/da/ CHA/ma...

1º hemistíquio: Ho/mem/ que/ sen/te a/MOR, /

2º hemistíquio: TO/da ho/ra, a a/ma/da /CHA/ma...

MOR, (6ª sílaba poética e ponto de cesura);

TO (início do 2º hemistíquio);

CHA (12ª sílaba poética).

b) O/lha!/ Quan/ta/ sau/DA/ DE A AR/der/ no/ Céu,/ a/MA/da!

1º hemistíquio: O/lha!/ Quan/ta/ sau/DA/

2º hemistíquio: DE A AR/der/ no/ Céu,/ a/MA/da!

DA (6ª sílaba poética e ponto de cesura);

DE A AR (início do 2º hemistíquio e aqui utilizei-me da necessária elisão - sexta regra*);

MA (12ª sílaba poética).

* Observa-se aqui a regra da paroxítona terminada em vogal (SAUDADE), o que nos pede uma vogal ou consoante muda, no início da próxima palavra, para haver a elisão.

Amigos leitores, existe uma questão a ser estudada também, que é mais complexa e só se consegue um aprendizado dela com continuadas leituras dos poetas clássicos e no exercício contínuo de escandir versos: a DIVISÃO DAS SÍLABAS POÉTICAS. Ela além de difícil tem modificações (pequenas nuances) conforme o tempo literário, o falar de cada região e o poeta dando, maior ou menor rigidez ao ritmo do poema.

Espero ter agradado e ajudado: amigos leitores. Fique claro que o talento do poeta não se faz apenas pelo conhecimento das regras poéticas. Existe também um dom natural, o conteúdo a ser veiculado e a criatividade, dentre outras coisas. Creio eu que ao estudarmos e praticarmos as regras de construção: do Alexandrino clássico podemos alimentar de conhecimento nosso dom natural e termos um alicerce mais seguro para a criação poética de qualidade.

Enfim, para terminar, lembremos que praticamente todos os grandes poetas valeram-se do gênero lírico por excelência: o soneto. Manuel Bandeira, cultuado Poeta Modernista começou sua carreira fazendo sonetos à moda Parnasiana. A ruptura literária consciente dá-se do conhecimento aprofundado da Literatura e seus elementos estruturais, e do domínio da Língua Portuguesa na sua variante culta. Sem estas preocupações será frágil, na minha opinião, qualquer liberdade de expressão em versos e não serão consistentes as rupturas: com a tradição poética e a norma culta de nosso idioma.

Bom domingo para todos vocês, abraços e beijos, fiquem com Deus, Alexandre!