O Mito da Regulação e a sua Pandemia

Giovani Clark é Doutor em Direito Econômico/UFMG, Professor da PUC Minas, Diretor-presidente da Fundação Brasileira de Direito Econômico (FBDE) e co-autor do livro “Questões Polêmicas de Direito Econômico”.

Nas três últimas décadas do século XX e no início do século XXI diversos estudiosos e políticos pregaram a saída dos Estados do domínio socioeconômico como solução para debelar as crises cíclicas das economias de mercado, minimizar o flagelo social atual e liquidar os déficits orçamentários dos Estados Sociais ou arremedos. Nesse sentido, políticas econômicas foram implantadas, iniciando-se nos Estados Unidos e na Inglaterra, mas disseminadas posteriormente por outros Estados nacionais.

A mitológica da retirada estatal da vida econômica e social, ou seja, o retorno do “paraíso perdido” do laissez faire, de Adam Smith, teve como principal base teórica às idéias da Escola americana de Chicago, liderada por Milton Friedman, fincando os alicerces do neoliberalismo de regulação.

Sobre a premissa de uma mínima ação do Estado na realidade socioeconômico foi construído o Consenso de Washington em 1990, norteador das políticas econômicas voltadas a tais fins, denominadas reguladoras, que se baseava na suposta eficiência da iniciativa privada no mercado e na pseudo incompetência gerencial do Estado Social na economia. A bandeira da ilusão era menos Estado e mais mercado, digo, as suas forças devem regê-lo, ou melhor, os poderes econômicos privados devem impor as normas para o processo produtivo.

Porém, a realidade desses nossos tempos apresentou-se outra, ou seja, a presença do Estado na vida econômica (mão visível) continuou intensa em inúmeras esferas, seja através de incentivos à agricultura, na política estatal de crédito ou nos reajustes de tarifas pelas agências de regulação. Existiram, ainda, ações públicas, inclusive cobradas pelos ardorosos defensores da regulação, nos casos de abusos do poder econômico (combate aos cartéis) ou na execução de obras de infra-estrutura, a fim de alcançar o crescimento modernizante.

A verdade do século XXI é bem distinta da propaganda pelos teóricos da regulação, inclusive quanto aos seus efeitos, perversos nos Estados em desenvolvimento e para as populações pobres, visto que os poderes públicos não saíram de cena da vida socioeconômica, aliás, pelo contrário, apenas apresentaram uma técnica diferenciada de ação (a regulação). Logicamente, conforme as necessidades dos donos do dinheiro.

Nesses dias imediatos a regulação demonstra, mais uma vez, o seu lado destruidor, seja no Brasil ou nas demais Nações. Em virtude da “contida” atuação estatal no domínio econômico, todavia sempre em prol da multiplicação dos ganhos do capital, instalou-se uma aguda crise econômica mundial, iniciada nos setores imobiliário e financeiro dos Estados Unidos. A irresponsabilidade e a ineficácia das políticas econômicas reguladoras públicas e privadas estão resultando em recessão e no aumento do desemprego, ou seja, na “pandemia reguladora”.

Novamente os Estados nacionais são chamados para salvar o capitalismo, e prioritariamente o grande capital, modificando as suas formas anteriores de atuação no processo econômico. Até alguns meses atrás, o aparato estatal era incompetente e “rechaçado” da vida econômica. Agora é o Príncipe Salvador que estatiza bancos, concede empréstimos milionários, reduz tributos e realiza obras indutoras, a fim de estancar os efeitos da crise internacional e efetivar a convulsão social.

Em síntese, o neoliberalismo de regulação é incompatível para a continuidade do capitalismo, bem como para reverter à realidade caótica mundial, porque retira parcialmente do Estado a sua força executória e a sua capacidade realizadora no sistema produtivo e no tecido social.