Introdução do Livro "Do Plano Diretor"

A Constituição Federal de 1988 constituiu-se num marco para o ordenamento jurídico do país em diversos aspectos, como, por exemplo, a questão da instituição dos juros reais, que gerou muita polêmica devido à falta de regulamentação em razão de decisão superior que não reconheceu a auto-aplicação daquele dispositivo, o qual foi revogado pela Emenda Constitucional nº. 40, de 29 de maio de 2003.

Da mesma forma, aproximadamente nove anos após o advento da Carta Magna, é editada a Lei nº. 10.257, de 10 de julho de 2001, autodenominada pelo parágrafo único, do seu art. 1º., ESTATUTO DA CIDADE, cujo papel é regulamentar os arts. 182 e 183 da Constituição, resolvendo uma pendência jurídica no tocante ao que se pode entender por função social da propriedade.

Esses dois artigos da Magna Carta dispõem sobre a política urbana, delegando a execução da mesma para os governos municipais e atribuindo à lei o poder de fixar diretrizes orientadoras dessa execução, conceituando e definindo o objetivo da política de desenvolvimento urbano e determinando o cumprimento das funções sociais da cidade, para garantir aos seus habitantes o bem-estar social.

O instrumento básico dessa política de desenvolvimento é, por determinação do § 1º., do art. 182, da Constituição Federal, o plano diretor, lei municipal, cuja aprovação deve ser feita pela Câmara Municipal e que passa a ser obrigatório para cidades que possuam mais de vinte mil habitantes.

Numa amplitude constitucional, o § 2º. do mesmo artigo determina que a função social da propriedade, de que trata o inciso XXIII, do art. 5º. constitucional, é cumprida quando atendidas as exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.

Ora, nota-se, pois, que, independentemente de haver a necessidade de interpretações conjuntas de outros artigos da Constituição, o certo é que o PLANO DIRETOR é um marco delineador, estampado na Constituição, mas dependente de lei. A edição do Estatuto da Cidade, que vem lhe dá a força necessária, pela instituição através de um Capítulo inteiro, o III, denominado “Do Plano Diretor”, cujo primeiro artigo, de nº. 39, parafraseando o dispositivo constitucional, diz: A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor, assegurando o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas, respeitadas as diretrizes previstas no art. 2º. desta lei”.

Configurada está, assim, a importância marcante do Plano Diretor para a vida da cidade, cuja legitimidade, como veremos, se assegura na forma em que ocorre sua aprovação pela Câmara Municipal, tendo em vista a necessária participação dos munícipes, através das associações e entidades representativas, que contribuam com suas idéias e sugestões em audiências públicas.

Nosso trabalho se constitui, portanto, em dar pequenas pinceladas informativas sobre a história do planejamento urbano e introduzir o leitor no estudo do plano diretor. De forma superficial, no Capítulo 1, apresentamos um pouco da história do planejamento urbano no Brasil, tentando demonstrar as influências de políticas do passado para surgimento no presente de regramento especial, oriundo de Lei Federal, amparada pela Constituição, que determina a elaboração do Plano Diretor pelo Poder Legislativo Municipal.

No Capítulo 2, citando, para isto, o exemplo do Município de São Paulo, apresentamos a fonte jurídica do plano diretor, esboçando uma análise constitucional da legitimidade deste importante instrumento regulador.

Em seguida, discutiremos no Capítulo 3, de forma um pouco mais aprofundada, os fundamentos constitucionais do plano diretor, abordando aspectos sobre o município, sobre o significado e a finalidade do plano diretor e discutindo as diretrizes e os princípios constitucionais da política urbana, bem como traçando um espectro jurídico sobre as funções sociais da cidade, com base no desenvolvimento sustentável, sobretudo no que envolve o conceito de Meio Ambiente Artificial.

Teceremos comentários, também no Capítulo 3, sobre os principais aspectos jurídicos do plano diretor, sobre como ocorre a aprovação pela Câmara Municipal; abordaremos as ZEIS (zonas de interesse social), discorrendo sobre a natureza jurídica do patrimônio cultural, com vistas a rechear o trabalho e estudar o bem-estar dos habitantes da cidade, para analisar, considerando o princípio da ordem econômica e financeira (CF Art. 170), o piso vital mínimo, previsto basicamente no Art. 6º., da Constituição Federal.

Já no Capítulo 4, antes de tecer pequenas considerações finais de ordem didática, comentaremos as repercussões e participações de entidades do município de São Paulo, enfocando entidades como OAB, Tradição-Família e Propriedade, o Ministério Público e associações diversas.

Enfim, com as considerações finais, esperamos dar início a uma série de discussões necessárias para, ao menos, conscientizar a população e os diversos veios da sociedade a se interessarem pela importância do Plano Diretor, pois consideramos que este é um instrumento de garantia do exercício de cidadania, já que o Plano Diretor, apesar de materializar-se através de uma Lei Municipal, por força de uma lei maior, o Estatuto da Cidade, que regulamenta a Constituição Federal neste sentido, não pode existir sem a participação da sociedade, do cidadão, que paga tributos e que merece a atenção do ente público, especialmente no que tange às diretrizes a serem aplicadas à política urbana, pois aí se engloba, neste aspecto, o bem-estar social.

É ao cidadão comum que deve ser dirigida a política urbana. A cidade lhe pertence e somente com diretrizes específicas o governo municipal pode contribuir para a boa formação do meio-ambiente artificial adequado à qualidade de vida humana em cumprimento do que dispõe o art. 6º., da Constituição Federal, denominado pelo jusconstitucionalista Celso Antonio Pacheco Fiorillo, “piso vital mínimo”.

O que se espera é que este instrumento seja bem utilizado pelo poder público municipal, que não sirva de instrumento para a corrupção e que seja compreendido pelo cidadão comum, para trazer-lhe ânimo de participação, posto que não basta a previsão legal, é preciso que a sociedade queira participar e, assim, cada vez mais, obtenha-se o aperfeiçoamento do sistema de política urbana regido pelo Plano Diretor, sob a égide do Estatuto da Cidade, que regulamenta a Constituição Federal nessa área.

E, como desfecho, nossos anexos servem para que o leitor disponha de fonte de consulta para os pontos abordados no texto. Esperamos que ao menos a curiosidade do leitor seja despertada para esse estudo e desejamos seu aprofundamento na matéria, através de pesquisas e estudos em outras obras de seu interesse.

(Escrito em co-autoria com Wilson Luiz Darienzo Quinteiro)

Publicado pela Editora Projus - Maringá-PR, 2007.

ISBN 978-85-99087-02-2