Discricionariedade: liberdade vigiada pela lei

A Administração Pública deve agir pautada pelos limites legais, isto é, obedecer a lei a fim de seguir os objetivos desta. Tal imposição decorre do princípio da legalidade.

Qualquer comportamento administrativo ofensivo à lei ou que não seja compatível com as finalidades por ela traçada, serão considerados eivados de vício. Contudo, a própria lei admite circunstâncias em que surge uma esfera de liberdade, pela qual o administrador poderá integrar a vontade legal de acordo com a situação específica, segundo um critério próprio e pessoal, compondo desta forma o sentido e o modo de realização do interesse legal.

Essa esfera ou margem de liberdade que remanesce ao administrador, que permite ao mesmo integrar a norma legal, é chamada discricionariedade.

A discricionariedade não é um atributo, mas sim um resíduo de liberdade, ocorrente em cada caso e situação específica, em que o administrador, mediante um exame de conveniência e oportunidade não poderá se furtar de reconhecer concretamente o interesse público.

O professor Afonso Rodrigues Queiró, citado por Celso Antônio Bandeira de Melo ensina que o poder discricionário é uma outorga de liberdade, feita pelo legislador à administração, numa intencional concessão do poder de escolha, ante o qual se legitimam, como igualmente legais, igualmente corretas de "lege lata", todas as decisões que couberem dentro da série, mais ou menos ampla, daquelas entre as quais a liberdade da ação administrativa foi pelo legislador confinada.

A discricionariedade não se resolve em mera interpretação da vontade legal, mas sim inicia-se onde termina o labor de interpretação, já que quem interpreta, nada acrescenta ao que realmente existe, limitando-se ao reconhecimento do que preexiste, declarando a subsistência ora referida.

Percebe-se que o juiz, ao decidir uma causa, não cria, por vontade própria, o Direito aplicável à espécie, limitando-se a afirmar que, no caso concreto, a norma, a lei, pede tal solução, da qual ele é basicamente o elemento expressivo, o canal viabilizador. Nota-se também que se nos casos de discricionariedade houvesse apenas interpretação, inexistiria o mérito do ato administrativo.

Se acaso a discricionariedade se resumisse em mera interpretação, o juiz ficaria em todo e qualquer caso com o poder de afirmar "de direito", o conteúdo exato de todo e qualquer ato administrativo.

A atividade discriconária corresponde ao desempenho de uma vontade "construtiva" do administrador, o qual compõe, mediante o ingresso de um componente psicológico próprio, o teor exato da vontade legal cuja indeterminação é "ex lege" suprida pelo agente, na execução de um dever de ofício.

Discricionariedade existe quando ao agente cabe preencher com sua determinação volitiva o conteúdo específico do comando abstrato, isto é, integrar casuisticamente a vontade da lei que, em tal caso haverá feito apelo e remissão ao querer do administrador, encampando-lhe antecipadamente a vontade, qualificando-a como sendo vontade legal.

Contudo, essa vontade não é absoluta, e a discricionariedade é um círculo de liberdade balizado pela finalidade e pelo conteúdo da lei.

Não é qualquer vontade psicológica do agente que tem o valor de vontade legal, mas apenas aquela que se atenha aos limites contidos no interior da finalidade que a lei se propõe a colimar.

O ingrediente psicológico subjetivo do administrador, deve estar contido dentro do âmbito de liberdade residual preestabelecido pela lei, e respeitando esse limite, o administrador poderá criar, "in casu", a concreção do querer legal ao lhe dar, segundo critérios de conveniência e oportunidade, a especificidade desejada pela norma.

Diversa da discricionariedade é a arbitrariedade que consiste em medida ilegal porque adotada ao arrepio da norma. Esta é considerada uma violação da lei, uma afronta ao sistema jurídico, e ocorre sempre que o administrador usa de critérios próprios sem estar para tanto habilitado pela norma.

Caso a conduta administrativa se dê com a transposição do círculo de liberdade admissível, contrariando a finalidade legal, poderá ocorrer o chamado desvio de poder.

O desvio de poder manifesta-se basicamente de dois modos: afastamento do fim de interesse geral, comum a todos os atos administrativos e afastamento do fim específico, próprio do ato praticado. Podendo ser verificado num desencontro entre a índole do ato e a finalidade por meio dele procurada; ou então, na procura pelo agente de um fim pessoal, particular, alheio a qualquer interesse público.

Salientamos que o desvio de poder só pode ser havido como existente quando uma análise cuidadosa dos fatos e das circunstâncias autorize margem segura de certeza quanto ao uso viciado do poder.

Conclui-se que a existência do desvio de poder além provocar a instabilidade administrativa, agrava severamente o agente administrador, ainda que se reconheça que o ato não foi produzido de má fé, por isso, não se presume e depende de robustos elementos de convicção, não só pela presunção de veracidade e legitimidade dos atos administrativos, como pela natural facilidade de se questionar a lisura de atos cuja prática dependa de elementos subjetivos de convicção.

No exercício do controle legítimo, cabe ao judiciário verificar a materialidade dos motivos, a adequação à previsão legal e sua correlação com a solução adotada pelo administrador, sendo-lhe vedado interferir no interior do âmbito da liberdade valorativa assistida ao agente por força da indeterminação legal ou na liberdade seletiva de comportamento quando a lei não haja circunscrito objetivamente sua opção.

O juiz não poderá substituir o administrador em suas ações, invadindo-lhes as funções, pois isso feriria o princípio da independência dos poderes, contudo, deverá examinar o caso concreto; e com extrema habilidade buscar dentro do texto legal, do significado da norma e no sistema positivo como um todo, encontrar barreiras que delimitam a zona de liberdade de avaliação administrativa, conservando e aplicando o princípio de que nenhuma lesão de direito individual pode ser subtraída à apreciação do Poder Judiciário.

BORGHA
Enviado por BORGHA em 07/07/2009
Reeditado em 08/07/2009
Código do texto: T1687152
Copyright © 2009. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.