"A PRISÃO CÍVEL DO DEVEDOR DE ALIMENTOS"

Por vivenciar o dia-a-dia das pelejas judiciais e, nesse espaço de tempo, busco sempre entender os ditames das novas regras como também a abrangência das casuísticas que são inerentes a cada procedimento judicial, por “desfeita, desdém, raiva, revanchismo” de ex-companheiros(as) e assemelhados.

Por tantos anos de “costumes, invenções, malabarismos” da época do Império, dos Senhores de Engenhos e dos Coronéis Patenteados, ainda hoje, é incrivel, pensam que a esposa(o) que abandona o lar, perdem seus direitos de companheira(o)!

No sistema jurídico brasileiro, a prisão civil, medida excepcional, somente é admitida em duas hipóteses, previstas pelo art. 5º, LXVII, da Magna Carta de 1988:

“Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeirosresidentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, àigualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

LXVII. Não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel”. (grifos nossos)

Aliás, é interessante notar que a Convenção Interamericana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), incorporada em nosso direito positivo pelo Decreto n.678/92, somente admitiu a prisão civil em caso de débito alimentar.

A despeito disso, vale lembrar, o STF fixou a supremacia do comando constitucional, para autorizar a medida também no caso do depositário infiel (que recentemente caiu, não sei ainda por qual interesse).

Nessa ordem de idéias, entendo que a prisão civil decorrente de inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentar, face à importância do interesse em tela (subsistência do alimentando), é medida das mais salutares, senão necessária, por se considerar que boa parte dos réus só cumpre a sua obrigação quando ameaçados pela ordem de prisão.

Especialmente os juízes, promotores e advogados que militam em Varas de Família sabem a verdade do que digo.

Nem sempre por miséria, mas também por espírito de vingança, muitos réus simplesmente esquecem a premente necessidade do alimentando (especialmente seus filhos), e passam a se esquivar de sua obrigação, visando atingir sua ex-esposa (o) ou companheira (o), em uma atitude lamentável, de pouco respeito aos ditames morais que devem pautar a convivência humana.

Nesse contexto, já havendo título judicial devidamente constituído, e a injustificada recalcitrância na obrigação de pagar, a prisão civil afigura-se extremamente útil.

Analisando o procedimento de execução de prestação alimentícia previsto no art. 733 do CPC, o ilustrado BARBOSA MOREIRA pontifica:

“A imposição da medida coercitiva pressupõe que o devedor, citado, deixe escoar o prazo de três dias sem pagar, nem provar que já o fez, ou que está impossibilitado de fazê-lo (art. 733, caput). Omisso o executado em efetuar o pagamento, ou em oferecer escusa que pareça justa ao órgão judicial, este, sem necessidade de requerimento do credor, decretará a prisão do devedor, por tempo não inferior a um nem superior a três meses (art. 733, §1°, derrogado aqui o art. 19, caput, fine, da Lei n. 5478).

Como não se trata de punição, mas de providência destinada a atuar no âmbito do executado, a fim de que realize a prestação, é natural que, se ele pagar o que deve, determine o juiz a suspensão da prisão (art. 733, § 3°), que já tenha começado a ser cumprida, quer no caso contrário.”

E uma última observação ainda deve ser feita.

A regra consolidada pela jurisprudência, no sentido de que a medida só poderá ser ordenada em face das três últimas parcelas em atraso não tem razão de ser.

Afinal, por que apenas para as três últimas?

Onde estaria o fundamento constitucional ou legal desta diretriz?

Por que o cabalístico número “três”?

Não tenho dúvida de que, o juiz, atuando com a devida cautela, pode, no caso concreto, decretar a prisão civil em face de mais de três prestações em atraso, respeitado, é claro, o limite máximo da prescrição da pretensão condenatória da dívida alimentar (Art. 206 - § 2º CC) uma vez que o recurso à execução por quantia certa (cite-se, para pagar em 24 horas, sob pena de penhora...), é, na prática, moroso e sujeito a manobras processuais.

Quantas vezes não se depara o juiz com situações em que o réu, atuando de forma maliciosa, lança mão de malabarismos processuais, pagando as três últimas parcelas, e, quanto às demais, simplesmente oferece absurdas exceções de pré-executividade, embarga aleatoriamente a penhora ou a execução, nomeia bens em foros longínquos... tudo para postergar o processo, escudado nas regras de execução por quantia certa do nosso próprio sistema processual civil.E a mensalidade escolar da criança que fique aguardando a penhora de bens, a avaliação e a alienação em hasta pública!

Não convence, aliás, o argumento de que, a partir da quarta parcela, a verba perderia cunho alimentar e passaria a ser meramente indenizatória.

A demora no aforamento da demanda poderá ter decorrido das tentativas infrutíferas de composição extrajudicial, alimentadas por ilusórias promessas descumpridas pelo réu, ou, simplesmente, derivar da dificuldade em se contratar advogado.

Tal argumento é completamente insubsistente, na medida em que, após o terceiro mês, o valor em atraso não deixará de cobrir as necessidades básicas do alimentando, (escola, vestuário, saúde etc.), não tendo, portanto, simples natureza compensatória.

Observo apenas que, se há um considerável número de parcelas inadimplidas – e lembre-se de que, pelo novo Código, o prazo prescricional de cobrança foi reduzido de cinco para dois anos -, deve o magistrado, com o devido bom senso, evitar decretar a prisão civil como meio de forçar o pagamento de todas, salvo se tiver prova de que o réu é dotado de solvabilidade para tanto.

Poderia, por seu turno, ordenar a medida para compeli-lo a adimplir as quatro ou cinco últimas em atraso, sem que houvesse afronta ao texto constitucional, já que a Magna Carta não limitou a ordem de prisão às três últimas parcelas.

O número das parcelas, portanto, deverá ser aferida pelo juiz, em cada caso concreto, com a necessária interveniência do Ministério Público, e segundo os elementos probatórios trazidos pelas partes e por seus procuradores, durante a demanda.

O que não se afigura razoável é o apego ao teto das três últimas prestações, porque completamente destituído de fundamento jurídico.

E no atual estágio do moderno Direito de Família, em que vivemos mudança de paradigmas legais e standards jurídicos, comodamente assentados em nossa mentalidade judiciária ao longo dos anos, nada melhor do que evitarmos qualquer tipo de vício de postura jurisprudencial, a fim de que nos afinemos com os novos tempos.

Conseqüência disso, conclui ROLF MADALENO, é a necessária consciência daqueles que se preocupam com a ciência jurídica familiar, laborando-a com “uma acentuada dose de humanidade, distanciando até onde for indicado, conveniente e seguro, das fórmulas genéricas e previamente codificadas ou esparsamente normatizadas”.

Alinho-me, pois, junto a estes, que defendem um novo Direito de Família, desprovido das más posturas e dos vícios do passado.

Risonaldo Costa
Enviado por Risonaldo Costa em 13/07/2009
Código do texto: T1697617