Agências Reguladoras: Autonomia em xeque!

Resumo: O presente artigo tem por escopo delinear as Agências Reguladoras e proceder a uma analise sobre a sua autonomia, não tendo a pretensão de se esgotar o assunto, mas sim, servir de informação a comunidade acadêmica e demais segmentos da sociedade.

Abstract: This article is to outline the scope and regulatory agencies to undertake a review of their independence, not having the desire to exhaust the subject, but rather the information of the academic community and other segments of society.

Palavras Chave: Agências Reguladoras; Autonomia; Direito Administrativo.

Sumário: 1. Introdução; 1.1 Desenvolvimento Histórico; 1.2 Surgimento no Brasil; 1.3 Agências criadas no Brasil; 2. Conceito; 2.1 Natureza Jurídica das AR; 2.2 Agências Executivas; 3. Autonomia das AR; 3.1 Autonomia em xeque; 4. Considerações Finais; 5. Notas

1. Introdução

No Brasil as agências reguladoras surgiram em decorrência da reforma administrativa, na década de 90, quando o Estado transferiu à iniciativa privada atividades que antes realizava, em geral, de forma dispendiosa e ineficiente. Todavia, o afastamento do Estado de tais atividades fez surgir a necessidade de que o controle e a fiscalização de seu exercício fossem delegados a entes, em tese, autônomos e independentes, que baseariam suas atuações em critérios eminentemente técnicos, na busca de maior eficiência por parte do Poder Público e dos prestadores privados. Entidades com função típica de controle, as agências reguladoras atuam principalmente no sentido de regular e fiscalizar a execução de serviços e a exploração de bens públicos.

A transferência das funções estatais de utilidade pública do setor público para o privado, como o fenômeno da privatização, atribui ao Estado crescente poder de planejamento, regulamentação e fiscalização da atividade privada. A reforma do aparelho estatal no Brasil é decorrente da incapacidade do setor público se manter como majoritário financista do desenvolvimento econômico nacional, sendo imperiosa a transferência de serviços ao setor publico, o que obrigou o Estado a aperfeiçoar a função reguladora.

De certo que a transferência da prestação de atividades econômicas não significa uma redução da intervenção estatal, ao contrário, é por demais necessária a criação de entes desprovidos de subordinação, com autonomia, dotados de extrema capacidade técnica, para regular a prestação de serviços essenciais a sociedade, de forma que esta não ficasse a mercê das empresas privadas.

As reformas econômicas tiveram como metas além da estabilidade da moeda, a transferência da produção de bens e a prestação de serviços para o setor privado, em especial nos setores de infra-estrutura. A modernização e expansão desses setores exigiam maciços investimentos, com os quais o Estado não podia arcar. A privatização desses setores desafogou o governo, fazendo com que passasse a concentrar seus recursos em programas sociais.

O desfecho da privatização foi a abertura dos mercados para novas empresas, evidentemente também há ingresso de capital estrangeiro, de forma que esse fato aumenta a concorrência e acelera o desenvolvimento econômico, e não podemos deixar de mencionar a aquisição de novas tecnologias, acarretando amplo benefício social.

Neste contexto se dá a criação e implantação das agências em 1996 com as de telecomunicações, energia e petróleo. A posteriori foram também criadas as agências nas áreas de saúde e transportes.

Assim também é o pensamento de Marcos Juruena[1] que afirma:

A origem das agências reguladoras é ligada a uma situação de contenção de abuso de poder econômico. A Interstate Commerce Comission — ICC teve por objetivo regular as tarifas cobradas no transporte ferroviário, tendo em vista haver ali um monopólio natural exercido abusivamente pelos carregadores, que cobravam os valores que bem pretendiam, dada essa posição exclusiva no citado mercado.

A idéia basilar que norteou o nascimento das agências reguladoras foi a de se criar um ente administrativo técnico, altamente especializado e, sobretudo, insensível às injunções e oscilações típicas do processo político, as quais, como se sabe, influenciam por demais as decisões dos órgãos situados na cadeia hierárquica da administração. Para tanto, concebeu-se um tipo de entidade que, embora mantendo um determinado vínculo com a administração direta, tem em relação a ela relevante grau de autonomia.

1.1 Desenvolvimento Histórico

No direito comparado encontramos precedentes da existência de órgãos autônomos dentro da estrutura administrativa.

Em 1834, na Inglaterra, surgiram entes autônomos, criados pelo Parlamento Inglês com a finalidade de firmar medidas previstas em lei e ainda decidir controvérsias provenientes dessas leis, sendo que a cada lei que disciplinasse um assunto de grande importância era criada um ente pra aplicar a lei.

Em 1887, em decorrência da influência inglesa, nos Estados Unidos tem inicio a proliferação das agencies, com a finalidade de regulação de atividades, bem como imposição de deveres na matéria e aplicação de sanções.

A história das agências reguladoras nos Estados Unidos passou por quatro principais fases. A regulação em princípio ocorreu em 1887, quando foi verificada a necessidade de regular as disputas que ocorriam entre as empresas de transporte ferroviário e os fazendeiros do Oeste, aquelas empenhadas em obter o lucro máximo nas tarifas que livremente estipulavam e estes exercendo pressão sobre as Assembléias Estaduais conseguiram que fossem reguladas legislativamente as tarifas ferroviárias e o preço de armazenagem de cereais. Neste ano e contexto foi criada a ICC (Interstate Commerce Comission) e mais tarde a FTC (Federal Trade Comission), ambas visando o controle das condutas anticompetitivas das empresas e corporações monopolistas.

A segunda fase, entre os anos de 1930 e 1945, foi marcada pela crise da economia norte-americana. Como parte da política do New Deal, sob o comando do presidente Roosevelt, houve severa intervenção na economia. Em decorrência desse evento foram criadas inúmeras agências administrativas dotadas de ampla autonomia.

A terceira fase, situada entre 1945 e 1965, foi marcada pela edição de uma lei de procedimento administrativo, a APA (Administrative Procedural Act), lei esta que trouxe maior uniformidade ao processo de tomada de decisões nas agências.

Por fim, em 1985, inicia-se a quarta fase, que perdura até hoje, consistente na redefinição de um modelo regulador independente, permeado por controles externos adequados a garantia dessa independência. No entendimento de SUNDFIELD[2]:

Na França, as agências reguladoras tomaram a forma de centros de competência autônomos denominados “Autoridades Administrativas Independentes”, que possuem como maior peculiaridade a ausência de personalidade jurídica. Na França a inexistência de personalidade jurídica é um requisito para a independência dessas autoridades, uma vez que não se concebe que uma pessoa jurídica da Administração Indireta não se submeta à subordinação ministerial, ou seja, controle hierárquico.

Outra característica das agências francesas é a não restrição a área de regulação econômica, assevera Aragão[3] que:

Uma característica peculiar das autoridades administrativa independentes francesas é que, ao contrário de muitos países, tais como o próprio Brasil, não se limitam à regulação de setores econômicos ou de serviços públicos delegados a particulares, abrangendo também funções de proteção de direitos fundamentais e de proteção dos cidadãos frentes à Administração Pública, não sendo, portanto, no seu conjunto, vinculadas exclusivamente ao Direito Econômico.

Na visão de Justen Filho[4] o paradigma francês de regulação é bastante útil para a compreensão e modelagem de uma teoria brasileira sobre o instituto regulatório o renomado autor afirma que “... a França produziu inovações compatíveis com as peculiaridades fundamentais de sua ordem jurídica”.

1.2 Surgimento no Brasil

No Brasil, de forma semelhante ao modelo dos Estados Unidos, foram criadas agências reguladoras, dotadas de personalidade jurídica própria, na Administração Indireta.

De certo que a dificuldade na implementação das agências no Brasil foi a passagem de uma atividade que tradicionalmente era exercida pela Administração Direta para a Indireta.

Essa dificuldade é explicada na medida em que o direito administrativo brasileiro tem forte influência francesa, com a incorporação de idéias de centralização administrativa e forte hierarquia. Portanto, não é de fácil assimilação a idéia de descentralização administrativa.

Assim é também o entendimento de Alexandre de Moraes[5] que afirma essa dificuldade de passagem como:

O Poder Legislativo deverá, nos moldes norte-americanos, estabelecer os parâmetros básicos, na forme de conceitos genéricos – standarts -, cabendo às agências reguladoras a atribuição de regulamentação especifica, pois passarão a exercer, de maneira exclusiva, uma atividade gerencial e fiscalizatória que, tradicionalmente, no Brasil, sempre correspondeu à Administração Direta, enquanto cedente dos serviços públicos por meio de permissões ou concessões.

De certo que a França, em suas Autoridades Administrativas Independentes, contribuiu para o modelo de agência reguladora norte-americana, baseado na common law, limitando a sua autonomia para fazer a adaptação ao civil law. No Brasil é visível a influência do direito norte-americano na implantação das agências reguladoras, mas se percebe uma atenuações devidas ao modelo francês. Este além do caráter econômico possui um viés de proteção das liberdades individuais, em contraposição as agências norte-americanas, mais voltadas a regulação de cunho econômico.

Esse é o pensamento de Justen Filho[6] que preleciona:

A doutrina francesa identificou, talvez não em toda sua extensão, a diferença essencial entre suas Autoridades Administrativas Independentes e as agências reguladoras norte-americanas. A concepção norte-americana enfoca as agências reguladoras independentes como instrumento estatal para disciplinar as atividades privadas. Já as Autoridades Administrativas Independentes são vistas como forma de defesa das liberdades inclusive (e especialmente) contra o próprio Estado. As entidades francesas são um meios de controle das diversas manifestações dos poderes, visando a assegurar uma proteção mais efetivas às liberdades (especialmente as individuais). Essa nunca foi a função reconhecida às agências norte-americanas, as quais poderiam até ser orientadas por tais princípios, mas apenas de modo indireto.

Desta forma vemos que na criação da agências reguladoras brasileiras tivemos a influência de sistemas jurídicos essencialmente diversos, o que pode gerar desconfianças sobre a sua real efetividade. Não há dúvida de que cada país propõe modelos adequados à solução de seus problemas típicos. É temeroso importar soluções pensadas em outros sistemas jurídicos e simplesmente aplicá-las à nossa realidade, como se isso fosse diminuir os conflitos existentes. Exige-se, portanto, um esforço para a compatibilização do modelo a realidade constitucional pátria.

1.3 Agências criadas no Brasil

Como foi mencionado anteriormente, no Brasil foram criadas agências reguladoras com base no modelo norte-americano. Claro que essa implantação teve adaptações necessidades ao contexto brasileiro, uma vez que modelos prontos e acabados para uma realidade administrativa de certo não se sustarão em outros ordenamentos jurídicos.

Neste ponto faremos uma listagem das Agências Reguladoras, dando ênfase as nacionais, em ordem de criação, bem como sua subordinação e finalidade, até este momento.

ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica, foi criada em 1996, pela Lei nº 9.427/96, durante o primeiro mandato do Presidente Fernando Henrique Cardoso, vinculada ao Ministério das Minas e Energia, com sede e foro no Distrito Federal, com a finalidade de regular e fiscalizar a produção, transmissão e comercialização de energia elétrica, em conformidade com as Políticas e Diretrizes do Governo Federal.

ANP – Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Bicombustíveis, foi criada em 1997, pela Lei nº 9.478/97, vinculada ao Ministério das Minas e Energia, tem por finalidade a função de regular, fiscalizar e contratar as atividades econômicas do setor petrolífero brasileiro.

ANATEL – Agência Nacional de Telecomunicações, foi criada em 1997, pela Lei nº 9.742/97, vinculada ao Ministério das Comunicações, tem por finalidade regular, fiscalizar e outorgar, promover o desenvolvimento das telecomunicações do país.

ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária, foi criada em 1999, pela Lei nº 9.782/99, vinculada ao Ministério da Saúde, tem por finalidade o controle sanitário de todos os produtos e serviços submetidos a vigilância sanitária

ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar, foi criada em 2000, pela Lei nº 9.964/00, vinculada ao Ministério da Saúde, com a finalidade de promover a defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde, regular as operadoras setoriais, a relação entre prestadoras e consumidores e contribuir para o desenvolvimento das ações de saúde no país.

ANA – Agência Nacional de Águas, foi criada em 2000, pela Lei nº 9.984/00, vinculada ao Ministério do Meio Ambiente tem como finalidade regular o uso das águas dos rios e lagos de domínio da União e a implementação da gestão de recursos hídricos brasileiros.

ANCINE – Agência Nacional do Cinema, foi criada em 2001, pela MP nº 2.228-1, vinculada ao Ministério da Cultura tem por finalidade fomentar, regular e fiscalizar a indústria cinematográfica e videofonográfica nacional.

ANTAQ – Agência Nacional de Transporte Aquaviários, foi criada em 2001, pela Lei nº 10.233/01, vinculada ao Ministério dos Transportes, com a finalidade de regulamentação, controle tarifário, estudo e desenvolvimento do transporte hidroviário no Brasil.

ANTT – Agência Nacional de Transportes Terrestres, foi criada em 2001, pela Lei nº 10.233/01, vinculada ao Ministério dos Transportes, tem por finalidade a regulação e fiscalização de transportes nos ramos rodoviário, ferroviário e dutoviário.

ANAC – Agência Nacional de Aviação Civil, foi criada em 2005, pela Lei nº 11.182/05, vinculada ao Ministério da Defesa, tem por finalidade a regulação e fiscalização das atividades de aviação civil, à exceção do tráfego aéreo e da investigação de acidentes, que continuam a cargo do Comando da Aeronáutica e do Ministério da Defesa -, em termos de segurança de vôo, de definição da malha aeroviária, das condições mínimas da infra-estrutura aeroportuária, e das relações econômicas de consumo, no âmbito da aviação civil.

Há ainda inúmeras agências reguladoras estaduais, das quais, faremos apenas menção a sigla e Estado, tais como: ARPE (PE); ARSETE (PI); AGETRANSP E AGENERSA (RJ); ARSEP E ARSBAN (RN); AGERGS (RS); AMAE E AGESC (SC); ARSAE, ARSAEG, ARTESP E ARSESP (SP); ATR (TO); ARSAM (AM); AGERBA (BA); ARCE (CE); ADASA (DF); ASPE E AGERSA (ES); AGR (GO); AGEPAN E ARCG (MS); AGEPAN E ARCG (MS); AGER (MT); ARCON (PA); ARPB (PB); ARSAL (AL) e AGEAC (AC).

2. Conceito

Com efeito o nome agência não é muito feliz, uma vez que o termo foi importado do direito americano. Dessa adoção podemos apontar algumas inconveniências, a primeira decorre do fato que no direito americano o termo agencies é utilizado para designar o gênero órgãos públicos, envolvendo tantos aqueles órgãos que aqui se quis designar quanto outros órgãos não dotados das características de órgãos reguladores, o que no direito americano se designam executive agencies.

A segunda é a dificuldade de encaixe do termo na tradição do direito brasileiro, a uma porque o termo agências já foi utilizado para designar outros objetos, no sistema jurídico, como por exemplo as agências de desenvolvimento regional, as agências de fomento e ainda as agências franqueadas dos correios. A duas porque a utilização do termo direito estranho ensejou uma certa aversão de parte da doutrina pátria, no sentido de que se tratava de instituto que não poderia ser aplicável ao nosso direito.

A terceira consiste que na designação utilizada decorre de que quando a Constituição Federal de 1988[7], em seus art. 21, inc XI e art. 177, §2º, inc III fazem referencia a entes reguladores, utilizou o termo órgão regulador e não agências, de certo causa desconformidade entre as alterações indicadas na Constituição e sua concretização na legislação infraconstitucional.

Art. 21. Compete à União:

XI - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais;

Art. 177. Constituem monopólio da União:

§ 2º A lei a que se refere o § 1º disporá sobre:

III - a estrutura e atribuições do órgão regulador do monopólio da União; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 9, de 1995) (grifo nosso)

Destarte o nome não tem o condão de alterar a coisa, sendo que o direito positivo introduziu o conceito de agência para a grande maioria dos órgãos reguladores.

Feitas essas considerações passamos ao conceito. Na visão da doutrinadora Di Pietro[8] o conceito de agência reguladora seria qualquer órgão da Administração Direta ou entidade da Administração Indireta que teria a finalidade de regular as matérias que lhe estão afetas, assim a autora preleciona:

Agência reguladora, em sentido amplo, seria, no direito brasileiro, qualquer órgão da Administração Direta ou entidade da Administração Indireta com função de regular as matérias que lhe estão afetas. Nesse sentido, a única coisa que constitui inovação é o próprio vocábulo, anteriormente não utilizado para designar entes da Administração Pública.

As agências reguladoras são autarquias de regime especial que estão sujeitas às normas constitucionais, disciplinadoras deste tipo de entidade. O termo autarquia significa autogoverno ou governo próprio, muito embora tenha perdido esse sentido no direito positivo, hodiernamente o sentido é de pessoa jurídica administrativa, mais ainda sob o controle do Estado, de onde surgiu.

Há entendimentos doutrinários que apontam que até essa noção esteja ultrapassada, não mais refletindo a exatidão do instituto. Essa é a visão do jurista José dos Santos Carvalho Filho[9] que aponta:

Na verdade, até mesmo em relação a esse sentido, o termo está ultrapassado e não mais reflete uma noção exata do instituto. Existem, como se verá, outras categorias de pessoas administrativas que também procedem à gestão de seus interesses, fato que também as colocaria como autarquias. Por isso, é importante observar, desde logo, que não se deve fazer qualquer ligação entre a terminologia e o perfil jurídico da autarquia, devendo-se apenas considerar que se trata de uma modalidade de pessoa administrativa, instituída pelo Estado para o desempenho de atividade pré-determinada, dotada, como ocorre com cada uma dessas pessoas, de algumas características especiais que as distinguem de suas congêneres.

Nesse aspecto entendemos ser o melhor conceito de autarquia atribuído a Carvalho Filho[10] que preleciona assim:

À luz desses elementos, pode-se conceituar autarquia como a pessoa jurídica de direito público, integrante da Administração Indireta, criada por lei para desempenhar funções que, despidas de caráter econômico, sejam próprias e típicas do Estado.

Cabe ressaltar que o regime especial vem definido nas respectivas leis instituidoras.

Assim também é o entendimento de Hely Lopes Meirelles[11] que se transcreve:

Com a política governamental de transferir para o setor privado a execução de serviços públicos, reservando ao Estado a regulamentação, o controle e a fiscalização desses serviços, houve a necessidade de criar, na Administração, agências especiais destinadas a esse fim, no interesse dos usuários e da sociedade. Tais agências têm sido denominadas de agências reguladoras e foram instituídas como autarquias sob regime especial, com o propósito de assegurar sua autoridade e autonomia administrativa.

Muito embora a conceituação seja algo que meio sinistro no ordenamento pátrio, é certo que são entidades administrativas, que integram a estrutura formal da Administração Pública, criadas por lei sob a forma de autarquias em regime especial, dotadas de alto grau de especialização técnica, com escopo de regular um setor especifico de atividade econômica, ou na intervenção sobre relações jurídicas decorrentes destas atividades. Estas entidades devem atuar com a maior independência perante ao Poder Executivo e com imparcialidade em relação às partes interessadas, quais sejam, o Estado, os setores regulados e a sociedade em geral.

Nesse sentido complementa Diogo de Figueiredo Moreira Neto[12]:

Essa competência normativa atribuída às agências reguladoras é a chave de uma desejada atuação célere e flexível para a solução, em abstrato e em concreto, de questões em que predomine a escolha técnica, distanciada e isolada das escolhas abstratas político-administrativas, que são a arena de ação dos parlamentos, e que depois se prolongam nas escolhas administrativas discricionárias, concretas e abstratas, que prevalecem na ação dos órgãos burocráticos da Administração direta.

2.1 Natureza Jurídica das Agências Reguladoras

Com a reforma do Estado posta em prática, o legislador pátrio conferiu, mediante as leis instituidoras, a forma de autarquias sob regime especial, as Agências Reguladoras.

Como bem discorre Odete Meduar[13] sobre o tema:

O termo autarquia, que literalmente significa ´poder próprio’, foi o usado pela primeira vez pelo publicista italiano Santi Romano, em 1897, para identificar a situação de entes territoriais e institucionais do Estado unitário italiano. Para Romano, autarquia significava administração indireta do Estado exercida por pessoa jurídica, no interesse próprio e do Estado. Em monografia sobre comunas, publicada em 1908, no ´Primo Trattato’, de Orlando, Santi Romano menciona que a autarquia ´ é uma forma específica de capacidade de direito público ou, mais concretamente, a capacidade de administrar por si seus próprios interesses, embora estes se refiram também ao Estado’.

As autarquias, no Brasil, começaram a surgir no fim das décadas de 20 e 30. Na doutrina de Hely Lopes Meirelles[14] autarquia é um ente administrativo autônomo, como bem conceitua o mestre:

Autarquias são entes administrativos autônomos, criados por lei específica, com personalidade jurídica de Direito Público interno, patrimônio próprio e atribuições estatais específicas. São entes autônomos, mas não são autonomias. In-confundível é autonomia com autarquia: aquela legisla para si; esta administra-se a si própria, segundo as leis editadas pela entidade que a criou.

Na mesma seara define Di Pietro[15]:

Com esses dados, pode-se conceituar a autarquia como a pessoa jurídica de direito público, criada por lei, com capacidade de auto-administração, para o desempenho de serviço público descentralizado, mediante controle administrativo exercido nos limites da lei.

Na doutrina e jurisprudência reinantes no nosso ordenamento jurídico há um consenso acerca da natureza jurídica das Agências Reguladoras.

A doutrinadora Di Pietro[16] assim preleciona acerca da natureza jurídica:

Elas estão sendo criadas como autarquias de regime especial. Sendo autarquias, sujeitam-se às normas constitucionais que disciplinam esse tipo de entidade; o regime especial vem definido nas respectivas leis instituidoras, dizendo respeito, em regra, à maior autonomia em relação à Administração Direta; à estabilidade de seus dirigentes, garantida pelo exercício de mandato fixo, que eles somente podem perder nas hipóteses expressamente previstas, afastada a possibilidade de exoneração ad nutum; ao caráter final de suas decisões, que não são passíveis de apreciação por outros órgãos ou entidades da Administração Pública.

Cabe ressaltar que a expressão autarquia de regime especial veio a surgir, pela prima face da Lei nº 5.540/68[17], que em seu art. 4º indicava uma das formas institucionais das universidades públicas, posteriormente revogado pela Lei nº 9.394/96.

Art. 4º As universidades e os estabelecimentos de ensino superior isolados constituir-se-ão, quando oficiais, em autarquias de regime especial ou em fundações de direito público e, quando particulares, sob a forma de fundações ou associações.

Ainda nesse diapasão é importante mencionar que autarquias de regime especial não se restringem apenas às Agências Reguladoras. Existem outras autarquias que também são submetidas a esse regime especial, como por exemplo, o Banco Central (BC) e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

Muito embora a maior parte da doutrina seja uníssona, há quem sustente outra opinião. De acordo com o jurista Celso Antônio Bandeira de Mello[18], severo em suas criticas, se refere a natureza jurídica da seguinte forma:

Anotou-se que as "agências reguladoras" são autarquias "sob regime especial". Afinal, em que consistiriam esses regimes especiais? Quatro das leis propõem-se a esclarecer o que tipificaria os "regimes especiais" a que aludem. Assim, a lei da ANATEL, em seu art. 8º, § 2º, apresenta como seus traços especificadores, "independência administrativa, ausência de subordinação hierárquica, mandato fixo e estabilidade de seus dirigentes e autonomia financeira". A lei da ANS, no art. 1º, parágrafo único, aponta como caracterizadores de tal regime "autonomia administrativa, financeira, patrimonial e de gestão de recursos humanos, autonomia nas suas decisões técnicas e mandato fixo de seus dirigentes"; a lei da ANVISA (dantes denominada ANVS), no art. 3º, parágrafo único, aponta como caracterizadores de tal regime "independência administrativa, a estabilidade de seus dirigentes e a autonomia financeira" e a lei criadora da ANTT e da ANTAQ indicam, no art. 21, § 2º, que o regime autárquico especial é caracterizado pela "independência administrativa, autonomia financeira e funcional e mandato fixo de seus dirigentes”.

Segue o jurista Bandeira de Mello[19] a afirmar não haver peculiaridade alguma no regime especial, apenas um grau mais ou menos intenso de características, dessa forma aduz que:

Ora, “independência administrativa” ou “autonomia administrativa”, “autonomia financeira”, “autonomia funcional” e “patrimonial e da gestão de recursos humanos” ou de quaisquer outros que lhe pertençam, “autonomia nas suas decisões técnicas”, “ausência de subordinação hierárquica”, são elementos intrínsecos à natureza de toda e qualquer autarquia, nada acrescentando ao que lhes é inerente. Nisto, pois, não há peculiaridade algumas; o que pode ocorrer é um grau mais ou menos intenso destes caracteres.

Ainda trazemos a colação o entendimento de que as agências reguladoras são autarquias comuns e não de regime especial, assim aponta José dos Santos Carvalho Filho[20] que preleciona:

Desse modo, parece-nos, com a devida vênia aos que têm pensamento diverso, que só a circunstância de a autarquia ser agência controladora e ainda o fato de ter certa (e não total) independência normativa, decisória, administrativa e financeira não bastam para da ensejo à criação de uma nova categoria de autarquias, ainda mais quando tais especificidades nada mais são do que a particularização legal do regime jurídico dessas entidades, o que não constitui qualquer novidade de realce no que concerne ao tema. Quer dizer: os elementos apontados na respectiva legislação são insuficientes para que se possa admitir a bipolarização desses entes, considerando-se um grupo como autarquias de regime especial e outro como autarquias de regime comum. O que importa, afinal, é que todas elas estão sujeitas à mesma disciplina constitucional. Fora daí, como já dissemos anteriormente, é procurar trazer confusão em tema de singela simplicidade e, o que é pior, sem qualquer utilidade prática efetiva.

Assim é que a natureza jurídica das Agências Reguladoras, definida por suas leis instituidoras, é de autarquia de regime especial. Entendemos autarquia de regime especial, num conceito simplista e prático, como sendo uma autarquia que possui maiores privilégios que as autarquias comuns, tais como ampla autonomia técnica, administrativa, financeira e orçamentária, bem como o poder normativo, aspectos que serão abordados mais a frente.

2.2 Agências Executivas

Nesse ponto é conveniente falarmos das agências executivas para que sejam dirimidas algumas dúvidas, uma vez que ambas fazem parte da administração pública indireta e consideradas como autarquias especiais.

A denominação Agência Executiva é uma qualificação a ser concedida, por decreto presidencial específico, a autarquias e fundações públicas, responsáveis por atividades e serviços exclusivos do Estado. A novidade é que a agência executiva introduz no direito pátrio um mecanismo flexível de modificar o regime de autonomia ou independência de autarquias e fundações públicas mediante esse simples ato administrativo de qualificação.

O Decreto nº 2487, de 02 de fevereiro de 1998 tratou da qualificação de autarquias e fundações como Agências Executivas, estabelece critérios e procedimentos para a elaboração, acompanhamento e avaliação dos contratos de gestão e dos planos estratégicos de reestruturação e de desenvolvimento institucional das entidades qualificadas e dá outras providências.

Na verdade se trata de uma qualificação, um titulo jurídico, decidida no âmbito da Administração Pública e não pelo Poder Legislativo, cabendo a este fixar normas gerais, abstratamente, as situações jurídica mais favoráveis para as entidades qualificadas como agências executivas.

As agências executivas são pessoas jurídicas de direito público que podem celebrar contrato de gestão com objetivo de reduzir custos, otimizar e aperfeiçoar a prestação de serviços públicos. Seu objetivo principal é a execução de atividades administrativas. Nelas há uma autonomia financeira e administrativa ainda maior.

Tais contratos de gestão das agências executivas serão celebrados com periodicidade mínima de um ano e publicados pelo Ministério Supervisor, no prazo máximo de quinze dias de sua celebração, revisão ou renovação, na integra, no Diário Oficial da União.

Os requisitos para transformar uma autarquia ou fundação em uma agência Executiva são: a) tenham planos estratégicos de reestruturação e de desenvolvimento institucional em andamento; b) tenham celebrado contrato de gestão com o ministério supervisor.

José dos Santos Carvalho Filho[21] observa que as agências executivas não se configuram como categoria nova de pessoas administrativas, sendo a expressão correspondente apenas uma qualificação atribuída a autarquias ou fundações governamentais e cita como agências executivas o INMETRO e a ABIN:

Exemplos atuais de agências executivas são o Instituto Nacional de Metrologia, Normatização e Qualidade Industrial (INMETRO) e a Agência de Inteligência, instituída pela Lei nº 9.883 de 7/12/1999. Com a mesma natureza, foram reinstituídas a SUDAM – Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia e a SUDENE – Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste. Todas essas entidades continuam a ser autárquicas.

De todo o acima exposto fica evidenciado que as Agências Executivas, no modelo brasileiro, não guardam qualquer conexão com o conceito norte-americano das agências executivas. Não houve reprodução da experiência americana ou de outras experiências internacionais, na concepção das Agências Executivas brasileiras houve uma solução criativa para a formalidade do sistema nacional de definição de autonomia a ser concedido a entendidas da administração indireta de natureza autárquica em relação a administração direta.

3. Autonomia das Agências reguladoras

A autonomia das Agências Reguladoras se reveste através de vários aspectos, tais como, autonomia político-administrativa, autonomia financeira e autonomia técnica, tal qual suas leis instituidoras revelam.

Com relação a autonomia político-administrativa podemos apontar a independência em relação ao Poder Executivo, de forma que não tenha que confrontar suas decisões a respeito das empresas a que são de sua competência regular, uma vez que a especificidade da matéria em discussão diz respeito à competência das Agências Reguladoras e não ao Poder Executivo. Nesse sentido aponta o douto mestre Carlos Ari Sundfeld[22]:

(...)a opção por um sistema de entes com independência em relação ao Executivo para desempenhar as diversas missões regulatórias é uma espécie de medida cautelar contra a concentração de poderes nas mãos do Estado.

Nesse aspecto é importante também a estabilidade de seus dirigentes. A direção das agências reguladoras é feita por um colegiado, com mandatos não coincidentes e sujeitos ao período de quarentena após o término. Os dirigentes deverão ter reputação ilibada, formação universitária e elevado conceito no campo de especialidade dos cargos para os quais serão nomeados. Dessa forma os dirigentes são escolhidos pelo Presidente da República, e por ele nomeados, após sabatina do Senado Federal, conforme prevê o art. 52, inc III, f da Constituição Federal[23], não podendo ser exonerados pelo Presidente da República discricionariamente, uma vez que exercem mandato fixo, a prazo certo e só podem perdê-lo antes do seu término por processo administrativo disciplinar, ou seja, se cometerem faltas funcionais, ou por condenação judicial transitada em julgado. Cabe ressaltar que a rejeição pelo Senado Federal a indicação para dirigente da agência reguladora acarretará na não investidura do indicado.

Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:

III - aprovar previamente, por voto secreto, após argüição pública, a escolha de:

f) titulares de outros cargos que a lei determinar;

Sem sombra de dúvida a estabilidade dos dirigentes é um ponto fundamental para a manutenção da autonomia das Agências Reguladoras. Assim também é a visão SUNDFIELD[24]:

(...) na realidade, o fator fundamental para garantir a autonomia da agência parece estar na estabilidade dos dirigentes. Na maior parte das agências atuais o modelo vem sendo o de estabelecer mandatos. O Presidente da República, no caso das agências federais, escolhe os dirigentes e os indica ao Senado Federal, que os sabatina e aprova (o mesmo sistema usado para os Ministros do Supremo Tribunal Federal); uma vez nomeados, eles exercem mandato, não podendo ser exonerados ‘ad nutum’; isso é o que garante efetivamente a autonomia.

Na seara da autonomia financeira temos a previsão constitucional de que o orçamento das Agências Reguladoras é estipulado na forma do art. 165, §5º, inc I da Constituição Federal[25], assim é que o seu orçamento será submetido ao orçamento anual.

Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão:

§ 5º - A lei orçamentária anual compreenderá:

I - o orçamento fiscal referente aos Poderes da União, seus fundos, órgãos e entidades da administração direta e indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público;

E ainda com relação a este aspecto financeiro apontamos que este também decorre do exercício da função regulatória, fiscalizando a prestação dos serviços sob sua supervisão. Essa fiscalização, de certo, não é gratuita, ficando as empresas atuantes em determinado setor sob regulação estatal, sujeitas à cobrança de uma taxa referente ao serviço prestado, a intitulada “taxa de fiscalização”, cujos dividendos se incorporam diretamente ao patrimônio da Agência Reguladora.

Com relação a autonomia técnica, o que caracteriza as Agências Reguladoras é a impossibilidade de se interpor recurso hierárquico impróprio contra as decisões emanadas dos seus dirigentes. Esta restrição decorre do exercício de sua função, na qual o Conselho Diretor das próprias Agências funciona como última instancia administrativa, na solução de conflitos de interesses entre o delegante, o delegatário e os usuários de determinado setor de serviços.

Esta impossibilidade do cabimento de recurso contra os atos emanados das Agências Reguladoras se espelha na concepção de que uma decisão técnica não deve ser passível de revisão político-administrativa, vez que seus atos seriam revistos pelo Ministro da pasta em questão, ou diretamente pelo Presidente da República, o que sem sombra de dúvida seria uma afronta à autonomia técnica que lhe é pertinente e crucial para o desempenho de suas funções.

3.1 Autonomia em xeque

A autonomia das agências reguladoras é, de fato, um tema polêmico. Nesse ponto do presente artigo, pugnamos pela relatividade da independência das Agências Reguladoras. Como argumento crucial destacamos que as Agências Reguladoras além de ter que estar em consonância com o modelo jurídico do Estado, o Poder Executivo tem competência política para coordenar as ações públicas inerentes à política a ser adotada pelo Estado.

Nesse sentido o ilustre Diogo de Figueiredo Moreira Neto[26] aponta que a independência das Agências Reguladoras se verifica em quatro aspectos, no que se transcreve:

(...)1º) independência política dos gestores, investidos de mandatos e com estabilidade nos cargos durante um termo fixo; 2º) independência técnica decisional, predominando as motivações apolíticas para seus atos, preferentemente sem recursos hierárquicos impróprios; 3º) independência normativa, necessária para o exercício de competência reguladora dos setores de atividades de interesse público a seu cargo; e 4º) independência gerencial orçamentária e financeira ampliada, inclusive com a atribuição legal de fonte de recursos próprios, como, por exemplo, as impropriamente denominadas taxas de fiscalização das entidades privadas executoras de serviços públicos sob contrato.

Integrando a Administração Pública Indireta, poderiam as Agências Reguladoras ter uma autonomia, sem qualquer submissão ou liame às deliberações emanadas do Poder Executivo? Entendemos que não.

Com a edição da Portaria 164, de 20 de fevereiro de 2009, pela Advocacia-Geral da União, a discussão ganhou maior proporção. A norma em questão atribuiu à Adjuntoria de Contencioso da Procuradoria Federal a representação judicial de determinadas autarquias (incluindo agências reguladoras) e fundações públicas federais no âmbito do Supremo Tribunal Federal, dos Tribunais Superiores e da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais. Até então, na prática, estes entes eram representados por procuradores próprios.

O ponto central da controvérsia reside na alegada restrição à autonomia das agências reguladoras, resultante da atuação da AGU, tanto no plano da consultoria jurídica, quanto na esfera da representação judicial.

De certo que a autonomia foi posta em xeque.

Em recente editorial na internet o Estadão apontava para a intervenção do Estado na autonomia das Agências Reguladoras, em matéria intitulada: “O Governo Tira poder das Agências Reguladoras[27]”, segundo o editorial o Poder Executivo está impondo mais uma regra que ataca a independência e autonomia das Agências Reguladoras, que se transcreve:

Governo tira poder das agências reguladoras

AE - Agencia Estado

BRASÍLIA - O Planalto está impondo mais uma regra que ataca a independência e a autonomia das agências reguladoras. Uma portaria da Advocacia Geral da União (AGU) impede os procuradores das agências e de autarquias federais com funções semelhantes, como o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), de defenderem sozinhos as decisões desses órgãos contestadas judicialmente que chegaram aos tribunais superiores (Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça).

De acordo com a portaria 164, de 20 de fevereiro de 2009, que regulamenta uma lei de 2002 que criou a Procuradoria Geral Federal (PGF), a defesa das decisões das agências nos tribunais superiores cabe agora a um departamento da PGF, que é vinculada diretamente ao ministro-chefe da AGU. Com isso, o Executivo passa a ter o poder de moldar a defesa dos interesses das agências aos interesses do governo. "Trata-se de uma subordinação de órgãos, que devem ser independentes e autônomos do Poder Executivo, à orientação da AGU, que, em última instância, é subordinada ao chefe do Executivo", resumiu um integrante de um órgão regulador que preferiu não se identificar.

Para outro técnico do setor, a submissão das defesas judiciais das agências à AGU pode dar margem a "manobras políticas" do governo. "Como não é possível revogar simplesmente a decisão de uma agência reguladora, bastaria a AGU ser orientada a negligenciar a defesa dessa decisão no STJ ou STF que a decisão perderia eficácia", explicou a fonte. Em meio a disposição do governo Lula de ressuscitar o projeto de lei que reestrutura as agências reguladoras, que está parado no Congresso há pelo menos cinco anos, a portaria é vista como mais um indício da vontade do Planalto de controlar as agências, que já estão política e partidariamente loteadas. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

As Agências Reguladoras integram a Administração Pública Federal e estão sujeitas à superintendência atribuída, em viés constitucional, ao Chefe do Poder Executivo, ao qual cabe assegurar que as ações de interesse da coletividade sejam desenvolvidas com sintonia e concatenação de modo a não conflitarem ou se superporem, hipóteses que implicariam em ineficiência e prejuízos para o interesse coletivo. Acertada, como sempre, a afirmação do Ministro Sepúlveda Pertence[28], quando proferiu voto na Adin nº 1.949/RS:

Por mais, no entanto, que a lei lhes haja traçado âmbito cargo de autonomia, não as poderá subtrair das diretrizes gerais da administração do ente de estatal de que é instrumento, cuja fixação é de responsabilidade política do Chefe do Poder Executivo.

Assim é que nos parece perfeitamente viável a afirmativa de que a autonomia das Agências Reguladoras é relativa, compatível assim com o ordenamento constitucional, e por conseguinte, aplicável a elas, a disposição do art. 173 do Decreto-Lei nº 200/67, que autoriza ao Chefe do Poder Executivo, por motivo relevante de interesse público, avocar e decidir qualquer assunto na esfera da Administração Federal.

4. Considerações Finais

De fato a autonomia das Agências Reguladoras merece um estudo sempre aprofundado e critico.

Integrantes da Administração Pública Federal, as Agências Reguladoras, estão sujeitas aos ditames do modelo jurídico do Estado. O Poder Executivo tem competência política para coordenar as ações públicas inerentes à política adotada pelo Estado.

Dessa forma, com sua atuação, o Governo pode comprometer a autonomia das Agências Reguladoras, de forma a adequar sua política de interesses. É exatamente o vem ocorrendo, como mencionamos acima, na edição da portaria 164 da Advocacia-Geral da União. De certo este não é o único episódio, mas apenas um deles.

Assim é que, a vista dos acontecimentos e atos, podemos apontar a relativização da autonomia das Agências Reguladoras, compatível assim com o ordenamento constitucional, e por conseguinte, aplicável a elas, a disposição do art. 173 do Decreto-Lei nº 200/67, que autoriza ao Chefe do Poder Executivo, por motivo relevante de interesse público, avocar e decidir qualquer assunto na esfera da Administração Federal.

A sociedade deve estar atenta as ingerências governamentais. O Poder Público não é onipotente, aliás, não podemos esquecer que, todo poder emana do povo e por intermédio de seus representantes legais é exercido.

O presente artigo não tem o condão de esgotar o assunto, apenas demonstra que através da atuação do Governo, focada nas questões eminentemente políticas, está a colocar as Agências Reguladoras em futura situação de risco.

5. Notas

[1] SOUTO, Marcos Juruena Villela. As agências reguladoras e os princípios constitucionais. Revista de Direito Constitucional e Internacional, v. 15, n. 58, p. 220-234, jan./mar. 2007.

[2] SUNDFELD, Carlos Ari. Reforma do Estado e Agências Reguladoras: estabelecendo os parâmetros de discussão. Direito Administrativo Econômico. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 120-121.

[3] ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências Reguladoras e a evolução do Direito Administrativo Econômico. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 240.

[4] JUSTEN FILHO, Marçal. O Direito das Agências Reguladoras Independentes. São Paulo: Dialética, 2002, p. 202-203.

[5] MORAES, Alexandre de. Agências Reguladoras. São Paulo: Atlas, 2002, p. 21.

[6] JUSTEN FILHO, Marçal, op. cit. p. 205.

[7] BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil. Organizador Yussef Said Cahali, 6. ed. Rev., atual e ampl. São Paulo: RT, 2006, p. 38.

[8] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 15 ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 402.

[9] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 19 ed. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2008, p. 420.

[10] CARVALHO FILHO, José dos Santos, op. cit. p. 421.

[11] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 29ª ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2004, p. 421.

[12] MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutações do Direito Administrativo. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 162.

[13] MEDUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 4ª Edição revista, ampliada e atualizada. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2000, pg. 77.

[14] MEIRELLES, Hely Lopes, op.cit. p. 422.

[15] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella, op. cit. p.356.

[16] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella, op. cit. p. 391.

[17] BRASIL. Planalto. Lei nº 5.5540/68. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5540.htm. Acesso em: 20 set 2008.

[18] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 26ª ed. São Paulo, Malheiros Editores, 2009, p. 173-174.

[19] BANDEIRA DE MELLO, op. cit. p. 174.

[20] CARVALHO FILHO, José dos Santos, op. cit. p. 431.

[21] CARVALHO FILHO, José dos Santos, op. cit. p. 442.

[22] SUNDFELD, Carlos Ari, op. cit. p. 256.

[23] BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil, op. cit. p. 64.

[24] SUNDFELD, Carlos Ari. Introdução às agências reguladoras, in Direito Administrativo Econômico, Malheiros, 2000, Sundfeld, Carlos Ari (Coordenador), p. 24-25.

[25] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, op. cit. p. 102.

[26] MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo, op. cit. p. 162.

[27] OESTADAO.COM.BR. Governo tira poder das agências Reguladoras. Disponível em: http://www.estadao.com.br/noticias/economia,governo-tira-poder-das-agencias-reguladoras,397269,0.htm. Acesso em: 20.08.09.

[28] BRASIL. Supremo Tribunal Federal, voto proferido na Ação Direta de Inconstitucionalidade Medida Cautelar n° 1.949/RS, publicada no Diário da Justiça de 25.11.2005.

CARLOS ALBERTO FERREIRA PINTO

Bacharel em Direito pela Universidade Estácio de Sá.

Pós-graduado em Direito Civil, Processual Civil e Direito Empresarial pela FESUDEPERJ (Fundação Escola Superior da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro).

Pós-graduado em Direito Penal e Direito Processual Penal pela Universidade Cândido Mendes.

Pós-graduando em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes

Informações Bibliográficas:

PINTO, Carlos A. Agências Reguladoras: Autonomia em xeque!. Recanto das Letras. São Paulo, 16 Out. 2009. Disponível em:<http://www.recantodasletras.com.br/textosjuridicos/1869721>. Acesso em: (data).