Doutrina Clássica do Direito Natural

É fato que a sociedade é regida pelas leis positivas criadas pelo poder Estatal. E cumprindo tais leis, o Estado tem a presunção de estar sendo justo para o povo. Entretanto, o equivoco que o positivismo jurídico comete é dizer que a Justiça decorre tão somente das leis positivadas pelo Estado. Ora, com que critérios poderiam os legisladores criar as leis? Quais os princípios que os regem? Pelo simples fato de ser uma autoridade quem está legislando, essa lei é justa?

Se for assim, somos obrigados a inocentar as autoridades alemãs condenadas em Nuremberg pelo holocausto, afinal suas leis permitiam que tais atos fossem praticados. Entretanto não acho que alguém veja como justo o governo de Hitler e suas perseguições.

O fato é que, a despeito da presunção positivista, a Justiça, que deve ser a guia mestra do Direito, tem um fundamento que ultrapassa as concepções lógicas do positivismo. Conta-se, numa tragédia grega chamada Antígona, que o Rei Creon proíbe o sepultamento do Polínice, irmão de Antígona. Mas esta desrespeita a ordem recebida e sepulta o irmão, alegando que, acima da ordem do Rei, devia cumprir certas leis não escritas que não são nem de hoje nem de ontem.

Se o Direito positivo fosse a real fonte de justiça estaríamos forçados a admitir que todas as revoluções até hoje ocorridas na História não foram legítimas.

Desde os tempos antigos, os filósofos já tratavam dessas questões, verifica-se isso nos diálogos de Sócrates e Platão, Aristóteles, nos Estóicos, em Roma, etc. Em Ética a Nicômaco, Aristóteles se opõe à teoria de Arquelau para quem “o direito não existe por natureza, mas só em virtude da lei”, dizendo: “O bem e o justo, objetos de que trata a ciência política, dão lugar a opiniões de tal forma divergentes e às vezes de tal forma degradadas que se chegou até a sustentar que o justo e o bem existem apenas em virtude da lei e não têm nenhum fundamento na natureza”.

Não que não exista ou que não tenha validade e efetividade a lei positivada. O que se discute é a origem, e portanto, o fundamento desta.

O que pode gerar certo estranhamento à essa Doutrina, talvez seja a forte aparência religiosa que ela carrega. Expressões como “tem por autor o próprio Deus” pode gerar certo estranhamento ou vontade de refutação. Tentando esquecer os termos utilizados, e os sujeitos a quem foram atribuídos, o Direito Natural não pode ser considerado uma abstração irreal. É uma abstração, mas como todas as coisas criadas pelo homem, primeiro foram concebidas no plano abstrato.

O maior representante do Direito Natural foi, na idade média, São Tomás de Aquino. Sua obra mais importante, a Suma Teológica, tem como parte integrante o tratado De justitia e De legibus.

No tratado De legibus, ele dá ao seu conceito de lei, quatro características fundamentais, a saber: ordenação da razão; para o bem comum; promulgada; pela autoridade competente.

A seguir, distingue três espécies de leis:

a) a lei externa (lex externa) que seria a “ordem da criação”. As coisas como Deus as criou. Ou ainda a intenção de Deus a respeito da criação, que se impunha aos homens para a manutenção das coisas. Nas palavras dele próprio : “é a razão da sabedoria divina como diretora de todos os movimentos e ações no universo”.

b) a lei natural (lex naturalis) é onde a criatura participa. É a concepção intrínseca de todo homem acerca da justiça, independente de uma revelação sobrenatural.

c) e por fim, a lei positiva (lex positiva ou jus positivum) que corresponde à obra do legislador e que deve basear-se na lei natural, na lei eterna

outro argumento usado contra a doutrina do direito positivo é o da não crença em sua tão forte crença em princípios tão estáticos, tão imutáveis. Porém a doutrina clássica, não pregava a total imutabilidade do direito e da justiça, antes, considera que alguns princípios, os chamados primeiros princípios, esses o são, mas os chamados preceitos secundários, com certeza esses variam de acordo com a cultura, o momento histórico, etc. que não necessariamente são errados ou injustos, mas também não estão isentos disso.

Os preceitos primeiros ou primordiais são assim definidos na doutrina tomista:

• o bem deve ser feito e o mal evitado

• dar a cada um o que é seu

• não lesar a outrem

E quanto aos preceitos secundários e suas variantes, diz São Tomás de Aquino: “À medida que se distanciam dos primeiros princípios, eles são cada vez mais contingentes e variáveis. Essa variação pode ocorrer em virtude do processo natural à razão de caminhar do imperfeito para o perfeito, por uma decadência dos costumes ou simplesmente pela diversidade e variação das condições do meio social.”

O tomismo caracteriza na base dessa distinção de preceitos os princípios de ordem pratica e os de ordem teórica.

Na ordem teórica, todas as proposições se fundamentam em princípios axiomáticos, evidentes por si só. A simples distinção de bem e mal, qualquer que seja ela, leva a conclusão de que o primeiro deve ser feito e o segundo evitado. E é sobre esses princípios que os de ordem pratica devem se pautar para redigir todas as demais normas, assim como suas aplicações, que irão variar, de acordo com as condições sociais, que variam. Desse modo “ao lado de princípios absolutos e permanentes, que fornecem os critérios fundamentais, temos a extrema variação das soluções reais e concretas”. Afinal, acreditar que todos os princípios são absolutos é um erro, e acreditar que todos são relativos é fazer do relativo uma coisa absoluta, incorrendo no mesmo erro.