Requisitos da Responsabilidade Civil - Publicado Revista Prática Jurídica de 31/12/2009

Requisitos da Responsabilidade Civil

Prof. Esp. Cláudio Santos Réche

1. O Ato Ilícito

Segundo VENOSA (2007 ), “são os que promanam direta ou indiretamente da vontade e ocasionam efeitos jurídicos, mas contrários ao ordenamento.”

Pode ser entendido, em sentido estrito, como o conjunto de pressupostos da responsabilidade ou da obrigação de indenizar; em sentido amplo, indica apenas a ilicitude do ato, a conduta humana antijurídica, contrária ao Direito, sem que haja qualquer referência ao elemento subjetivo ou psicológico.

Sobre o ato ilícito, o Código Civil, nos atrs. 186 e 187, conceituou-o, mas não conseguiu esclarecer a dicotomia existente em sua compreensão, mas deu-lhe corporeidade quando deve sempre apresentar os seguintes requisitos:

1.1. Ação ou Omissão

Pode-se dizer, em princípio, que o núcleo fundamental da ação ou omissão, ou seja, a essência da conduta humana é a voluntariedade, resultante da liberdade de escolha de um agente imputável, com um grau de discernimento necessário para ter consciência sobre aquilo que faz. Tal voluntariedade não se traduz em efetiva intenção de provocar dano (atitude compatível com a ação dolosa), mas sim e tão-somente, a consciência sobre aquilo que faz, quer seja em uma situação em que haja necesidade de se comprovar a culpa do agente, quer seja em uma ação que coloque em risco terceiros.

Para Rui Stoco

“(...) cumpre, todavia, assinalar que se não insere, no contexto de ‘ voluntariedade’ o propósito ou a consciência do resultado danoso, ou seja, a deliberação ou a consciência de causar o prejuízo. Este é um elemento definidor do dolo. A voluntairedade pressuposta na culpa é a da ação em si mesma.”

Como conceito, pode-se dizer que é a existência de uma conduta voluntária, comissiva ou omissiva, qualificada juridicamente, isto é, que se apresenta como ato ilícito ou lícito, portanto, há atos que, embora não violem a norma jurídica, atingem o fim social a que esta norma se dirige, caso em que se tem os atos praticados com abuso de direito, e, se tais atos prejudicar um terceiro, ter-se-á o dever ressarcitório. A obrigação de indenizar pode advir assim, sem que a pessoa obrigada a repará-lo tenha cometido qualquer ato ilícito.

A legislação refere-se a qualquer pessoa que, por ação ou omissão (conduta), venha causar dano a outrem. A ação (conduta positiva) consubstancia-se em um ato humano do próprio imputado ou de terceiro (art. 932, I a V, CC), ou no fato de um animal (art. 936 CC) ou por fato da coisa inanimada (arts. 937 e 938 CC). A omissão (conduta negativa) consubstancia-se em um não fazer, em uma abstenção, no plano jurídico, quando se deveria agir, e este tipo de conduta provocar prejuízo a outrem.

Importa ressaltar que, também na omissão, a voluntariedade é requisito essencial, isso porque, se faltar esse requisito, haverá ausência de conduta.

1.1.2. O Dano

Talvez este seja o pressuposto essencial da responsabilidade, ou da obrigação de indenizar, quando se tem como fundamento tal afirmação:

“Não pode haver responsabilidade civil sem dano, que deve ser certo, a um bem ou interesse jurídico, sendo necessária a prova real e concreta dessa lesão.” (RT, 481:88, 425:188, 508:90, 478:92, 457:189 – Jurisprudência do STF, 2:716). (grifo nosso)

Porém, para Sérgio Cavalieri Filho,

“O dano é, sem dúvida, o grande vilão da responsabilidade civil. Não haveria que se falar em indenização, nem em ressarcimento, se não houvesse o dano. Pode haver responsabilidade sem culpa, mas não pode haver responsabilidade sem dano. Na responsabilidade objetiva, qualquer que seja a modalidade de risco que lhe sirva de fundamento – risco profissional, risco proveito, risco criado etc –, o dano constitui o seu elemento preponderante. Tanto é assim que, sem dano, não haverá o que reparar, ainda que a conduta tenha sido culposa ou até dolosa.” (grifo nosso)

Isso pode ser entendido como: independentemente que haja a violação de um dever jurídico e se tenha havido culpa ou até mesmo dolo por parte do infrator, nenhuma indenização será devida, uma vez que não se tenha verificado prejuízo.

A obrigação de indenizar decorre, pois, da existência da violação de direito e do dano, concomitantemente.

Requisitos do Dano Indenizável

A reparação do dano, é uma sanção imposta àquele responsável pelo prejuízo causado em favor do lesado. Tem-se pois, com regra, que todos os danos devem ser devidamente ressarcidos, ou pelo menos ressarcíveis, haja vista, mesmo quando impossibilitada a determinação judicial de recomposição do status quo ante (o que na grande maioria o é), sempre se poderá fixar um quantum, à guisa de compensação.

Porém, para que o dano possa ser passível de reparação ou indenizável (o que, via de regra, ocorre), necessário se torna a presença dos seguintes requisitos:

a) A violação de um interesse jurídico patrimonial ou extrapatrimonial de uma pessoa física ou jurídica: a todo dano pressupõe-se a lesão a um determinado bem tutelado, material ou não, pertencente a um sujeito de direito.

b) Certeza do Dano: Somente será indenizável o dano efetivo ou dano certo. Não há portanto que se falar em reparação de um dano hipotético. Porém, o fato de não se conseguir apresentar um critério preciso para sua mensuração para fins econômicos, não significa que o dano não tenha sido certo. Veja, por exemplo quando da imputação falsa de fato criminoso (calúnia). Gera, efetivamente um dano certo à honra da vítima, independentemente de se conseguir avaliar o valor desse sentimento de dignidade.

Importante: Com relação a essa certeza do dano, deve-se ater para o fato de que aqui se discute doutrinariamente a questão da ‘perda da chance’, quando terá que ser avaliado se há ou não a efetiva certeza do dano. Como exemplo tem-se o do advogado que deixa de recorrer ou de ingressar com determinada medida judicial, perde um prazo etc. Poderá ser responsabilizado pela perda de um direito evntual de seu cliente? A pessoa que deixa de prestar um concurso por chegar atrasado ao local, por falha no sistema de transportes. Pode ser o transportador responsabilizado pelo agente não ser aprovado no concurso? Nestes dois exemplos, mais especificamente, há que se considerar a possibilidade de reparação do dano, desde que, nas palavras de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho “a investigação do nexo de causalidade aliada à comprovação da efetividade do prejuízo conduzissem à necessidade de restituição do status quo ante por meio da obrigação de indenizar.”

c) Subsistência do Dano: Isso quer dizer que o dano dever ser exigível no momento do ajuizamento da ação, ou seja, não há que se falar em indenização se o dano já foi reparado.

Em se tratando específicamente de dano patrimonial ou material, há que se levar em consideração ainda dois aspectos:

a) O Dano Emergente: que é aquele dano correspondente ao que a vítima efetivamente perdeu, ou sofreu de prejuízo.

b) Os Lucros Cessantes: que são aqueles correspondentes ao que a vítima deixou razoavelmente de lucrar, devido ao dano sofrido.

Interessante: No dano emergente é possível ser avaliado precisamente o prejuízo causado no patrimônio, já no lucro cessante, o termo razoavelmente será utilizado no entendimento do juiz sobre a comprovação da existência fática do prejuízo e não em sua quantidade, haja vista, a indenização será devida sobre o que efetivamente se provar.

1.1.3. O nexo de causalidade

Tem fulcro no verbo CAUSAR, utilizado no art. 186, CC. Deve ser prontamente observado, para que de plano possa identificar a necessidade de indenizar ou não, um determinado dano. Como conceito, é a relação de causa e efeito entre a conduta (comissiva ou omissiva) do agente e o dano provocado.

Isso quer dizer que, se houver um dano, mas sua causa não estiver relacionada com o comportamento (conduta) do agente, inexistindo nexo de causalidade, inexistirá, consequentemente, a obrigação de indenizar.

Teorias Explicativas do Nexo de Causalidade

1. Teoria da equivalência das condições (conditio sine qua non)

É aquela em que considera todos os fatores causais se equivalem, ou seja, desde que tenham relação com o resultado, esta teoria não diferencia os antecedentes do resultado danoso, sendo assim, reconhecido como causa, tudo aquilo que concorreu para o resultado dano.

Como exemplo ter-se-ia a culpabilidade do fabricante da arma pela morte de uma pessoa por um tiro disparado por outrem.

2. Teoria da Causalidade Adequada

Aqueles que optam por esta teoria consideram que nem toda e qualquer condição que tenha contribuído para o resultado danoso pode ser considerado como causa.

Nesta teoria, a causa é o antecendente efetivamente necessário e devidamente adequado para a produção do resultado danoso, ou seja, para se considerar uma causa adequada, “esta deverá, abstratamente, e segundo uma apreciação probalística, ser apta à efetivação do resultado”.

Neste caso, a fabricação ou a simples compra da arma de fogo não seriam causas adequadas para a efetivação da morte, no exemplo anterior.

CARLOS ROBERTO GONÇALVES cita um exemplo interessante, apresentado por CARDOSO GOUVEIA, sobre a distinção das duas teorias:

“A deu uma pancada ligeira no crãnio de B, a qual seria insuficiente para causar o menor ferimento num indivíduo normalmente constituído, mas que causou a B, que tinha uma fraqueza particular dos ossos do crânio, uma fratura de que resultou a morte. O prejuízo deu-se, apesar de o fato ilícito praticado por A não ser causa adequada a produzir aquele dano em um homem adulto. Segundo a teoria da equivalência das condições, a pancada é uma condição ‘sine qua non’ do prejuízo causado, pelo qual seu autor terá de responder. Ao contrário, não haveria responsabilidade, em face da teoria da causalidade adequada”.

3. Teoria da Causalidade Direta ou Imediata

Para esta teoria, a causa é apenas o antecedente fático que, ligado por um vínculo de necessidade ao resultado dano, determinasse esse dano como conseqüência direta e imediata de seu acontecimento.

Não poderá, no entanto, haver qualquer tipo de interrupção do nexo de causalidade por uma causa superveniente, mesmo que relativamente dependente do fato.

Importante:

• Umas questões ficam no ar: Por considerar como possibilidade ao antecedente causal, aquilo que lhe afetou direta ou imediatamente, como fica o entendimento sobre o dano reflexo? O que é esse tal Dano Reflexo? Afinal pode ser considerado como efeito direto e imediato do ato ilícito ou não?

• A corrente adotada pelo Código Civil brasileiro, diverge, de acordo com os doutrinadores e até mesmo juízes e Tribunais. Dois expoentes da responsabilidade civil diferem em seu entendimento:

Para Sérgio Cavalieri Filho, a teoria da causalidade adequada é a que prevalece no direito brasileiro, já Carlos Roberto Gonçalves afirma categoricamente:

“Das várias teorias sobre o nexo causal, o nosso Código adotou, indiscutivelmente, a do dano direto e imediato, como está expresso no art. 403; e das várias escolas que explicam o dano direto e imediato, a mais autorizada é a que se reporta à conseqüência necessária”.

Existe, entretanto, aqueles que entendem que ambas se misturam ou se confundem, não dispensando a necessidade de investigação da chamada necessariedade da causa.

Em Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, lê-se:

“(...) e de acordo com a teoria da causa adequada adotada em sede de responsabilidade civil, também chamada de causa direta ou imediata...” (Ac. 19995.001.271).

REFERÊNCIAS IBLIOGRÁFICAS

• CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 7.ed..São Paulo: Atlas, 2007

• GAGLIANO, Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil.. v. III . 6.ed. rev e atual. São Paulo: Saraiva, 2008.

• GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 8. Ed. rev. e atual. de acordo com o novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2003

• STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 6.ed. rev. atual. e ampl.. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004.

• VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: responsabilidade civil. 8.ed.São Paulo: Atlas, 2008