PERDA DE UMA CHANCE, NEXO CAUSAL E O ADVOGADO.

“Teoria da Perda de uma Chance”, o assunto, mormente na doutrina, não é necessariamente novo, pelo contrário, tão pouco bem aceito por muitos professores e magistrados; contudo, por outro lado, já não são poucos os julgadores que mencionam ou fundamentam suas decisões com base na indigitada “Teoria”. Ainda, no que tange à responsabilização civil do advogado (profissionais liberais, em geral) por erro profissional, também são inúmeras as decisões que aplicam a teoria da perda de uma chance para embasar condenações.

Atualmente a doutrina se divide entre aqueles que acham o instituto original e perfeitamente adequado ao nosso ordenamento jurídico e aqueles que não titubeiam em dizer, que, além de desnecessário (por entenderem que os institutos civis atuais existentes em nosso ordenamento bastam para dirimir qualquer questão ligada à responsabilização civil), o instituto, “responsável por criar a responsabilidade sem culpa”, é mais uma dos capítulos da “indústria do dano moral.” Tenho de confessar que os primeiros exemplos práticos a mim externados para demonstrar a aplicabilidade e legitimação teórica do instituto não me convenceram, contudo, questões posteriores vivenciadas na profissão, não outra alternativa me deram, senão, em situações específicas, entender que a aplicação da teoria da perda de uma chance se mostra válida, sendo uma interpretação diversa das teorias “objetiva” do Código de Defesa do Consumidor, ou “perdas e danos” do digesto civil, artigos 389 e 402.

Como simples definição temos que, “A Perda de uma Chance, é uma teoria desenvolvida na França que caracteriza a perda de uma chance como um tipo especial de dano. “ (Fernanda Shaefer)

Ainda, segundo João Monteiro de Castro: “A teoria da perda de uma chance é uma evolução jurisprudencial francesa e tem o objetivo de aliviar a carga probatória da causalidade, a cargo da vítima, entre a culpa e o dano.” (RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO. São Paulo: Editora Método, 2005, p.191).

Na Perda de uma Chance o autor do dano é responsabilizado não por ter causado um prejuízo direto e imediato à vítima; a sua responsabilidade decorre do fato de ter privado alguém da obtenção da oportunidade de chance de um resultado útil ou somente de ter privado esta pessoa de evitar um prejuízo. Assim, vislumbramos que o fato em si não ocorreu, por ter sido interrompido pela ação ou omissão do agente. Então, o que se quer indenizar aqui não é a perda da vantagem esperada, mas sim a perda da chance de obter a vantagem ou de evitar o prejuízo. (Rosamaria Novaes Freire Lopes – www.direitonet.com.br)

Ressalte-se que a chance dever ser séria e real, vez que o dano meramente hipotético, não é de teor de indenização, não se admite expectativas que não mostrem total certeza com a pouca probabilidade. (Teoria da Responsabilidade Civil pela Perda de Uma Chance: A Evolução do Dano Material, Tatiana Cavalcanti Fadul, www.soartigosjuridicos.com.br)

De se observar que as teorias falam em “tipo especial de dano”, “alívio de carga probatória”. Na verdade, entendo que a teoria da perda de uma chance acabar por mitigar o nexo causal, entre a conduta ilícita e o dano havido. E mais, é instituto diverso e alternativo aos “lucros cessantes” de nossa lei civil.

Famosa nos meios acadêmicos com o escopo de exemplificar a teoria da perda de uma chance, situação havida no extinto programa “Show do Milhão”, na qual o STJ (RECURSO ESPECIAL Nº 788.459 – BA – registro 2005⁄0172410-9) fez uso do instituto para dirimir a testilha em que, por erro do programa na formulação da questão, participante foi eliminada na pergunta anterior à última, a qual poderia lhe render 1 milhão de reais. Acertaria a participante a última questão? Não sabemos, entrementes, lhe foi cerceada a possibilidade de tentar. Erro de outrem obstaculizou sua chance de, ao menos, tentar o prêmio máximo. No caso em tela, além dos 500 mil recebidos, o STJ optou por acolher o pedido da participante arbitrando a condenação em 125 mil reais, que seriam os 500 mil restantes divididos por o número de alternativas que haveria na última questão, se respondida.

Do exemplo se pode aferir, segundo afirma Sergio Savi que “no momento de sua perda, a chance tem um certo valor que, mesmo sendo de difícil determinação, é incontestável, o valor econômico desta chance que deve ser indenizado, independentemente do resultado final.” De se observar ainda, segundo o doutrinador, “que a indenização da perda da chance jamais poderá ser igual ao benefício que a vítima obteria se não tivesse perdido a chance e tivesse conseguido o resultado útil esperado.”

Como dito alhures a Teoria da Perda de uma Chance vem sendo aplicada também na hipótese em que advogado perde prazo de Recurso contra decisão desfavorável a seu cliente. Neste caso, não há certeza do provimento do Recurso que deveria ter sido ajuizado, entrementes, a negligência do advogado, se o caso, retira do cliente a possibilidade de ver seu pleito novamente analisado em 2ª Instância. Novamente aqui, a valoração da indenização da perda da chance não poderá equivaler ao benefício que o cliente auferiria com o provimento do Recurso que deveria ter sido interposto pelo advogado desidioso.

O Ministro Ruy Rosado de Aguiar Júnior quando Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado, julgando a Apelação Cível 591064837, que tratava da responsabilidade do advogado pela perda do prazo de interposição de recurso assim se manifestou: "... causaram à autora a perda de uma chance, e nisso reside o seu prejuízo. Como ensinou o Professor François Chabas: Portanto, o prejuízo não é a perda de aposta (de resultado esperado), mas da chance que teria de alcançá-la (La perte d´une chance en Droit Française, conferência na Faculdade de Direito da UFRGS. Em 23.05.90.)"

De valia, também, transcrição de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Maranhão, no qual não apenas houve a aplicação da teoria aqui debatida, como também a diferenciação da mesma com outros institutos de nossa lei civil.

“A perda de prazo para apelar, por comprovada desídia do advogado empregado de sindicato que defendia os interesses do associado em ação de mandado de segurança não constitui automaticamente um dano material comum concretamente constatável, vez que jamais se saberá qual seria o pronunciamento do tribunal no julgamento do recurso se este tivesse sido tempestivamente interposto, caso em que a ação indenizatória só poderia, em tese, ter probabilidade de êxito se tivesse por causa de pedir a perda de uma chance, em que é admissível o arbitramento do valor da reparação levando-se em conta a perda, pelo cliente, da possibilidade de ter a sua causa reexaminada pelo órgão ad quem, não podendo esse valor corresponder ao benefício por ele ali perquerido (dano emergente) ou ao que efetivamente deixou de ganhar (lucro cessante). Agravo retido conhecido e não provido e apelação conhecida e provida. (TJMA - AC 7221/2006 - 1ª C.Cív. - Rel. Desemb. Jamil de Miranda Gedeon Neto - J. 04.06.2007)”

No caso do advogado “desidioso”, em processo movido por cliente, a teoria da perda de uma chance pode ser argüida em seu favor, de forma alternativa, para, no caso de condenação, haver a minoração da indenização a ser aplicada.

Por outro lado, como visto, a teoria em estudo abre mais uma porta ao advogado em situações as quais o nexo causal não está perfeitamente demonstrado, ou não há liame direto entre o dano e o ato ilícito havido.

O tema possui um sem número de nuances e polêmicas, sendo distante um ponto pacífico. Sem qualquer pretensão de esgotar o tema, tentei neste curto espaço trazer panorâmica geral sobre o assunto, o posicionamento de alguns de nossos tribunais, além de trazer à baila as várias formas que esta teoria pode ser usada pelos colegas advogados.

Paulo Ricardo Chenquer

Advogado, Especialista em Direito do Consumidor

Membro da Comissão de Direito do Consumidor da 33ª OAB-SP

richenquer@terra.com.br