Responsabilidade Civil do Estado: Evolução e aspectos gerais

Autor: Rodrigo Soares Borghetti

FACULDADE DE DIREITO DE FRANCA (FDF), 4ºB NOTURNO

1. INTRODUÇÃO

Entende-se por responsabilidade patrimonial extracontratual do Estado, a obrigação que lhe incumbe de reparar economicamente danos lesivos à esfera juridicamente garantida de outrem e que lhe sejam imputáveis em decorrência de comportamentos unilaterais, lícitos ou ilícitos, comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos.

O saudoso jurista Hely Lopes Meirelles trata o tema sob o título de responsabilidade civil da Administração Pública, e ensina que esta é a que “impõe à Fazenda Pública a obrigação de compor o dano causado a terceiros por agentes públicos, no desempenho de suas atribuições ou a pretexto de exercê-las”.

Ressalta-se que a doutrina e a jurisprudência, inclusive internacionais reconhecem o dever estatal de ressarcir os prejuízos causados a terceiros, em virtude de atos da administração.

Há de se destacar a obrigação do poder público indenizar particulares nos casos em que ocorre a investida direta contra o direito de terceiros, sacrificando interesses privados visando promover o interesse público, quando autorizado pelo ordenamento jurídico. A desapropriação é o exemplo típico desta situação.

Se um interesse público não pode ser satisfeito sem o sacrifício de um interesse privado, também tutelado, a solução normativa é que se preserve o primeiro, indenizando àquele cujo direito privado foi sacrificado. Nesse caso, não há falar de responsabilidade propriamente dita, já que a ordem jurídica estabelece, em prol do Estado, um poder de aniquilar um direito alheio.

Contudo, caberá falar em responsabilidade do Estado por atos lícitos, nas hipóteses em que o poder deferido ao Estado acarretar não como sua finalidade própria, a lesão a um direito alheio.

Nessa introdução, faz-se necessário tal esclarecimento, visando deixar fora do campo da responsabilidade os casos em que o Direito confere à Administração o poder de sacrificar direito de outrem, mantendo-se no campo da responsabilidade os casos em que uma atividade lícita do Estado, orientada para certo fim, termine por transgredir direito de outrem, não como fim, mas como conseqüência do comportamento autorizado.

2 – EVOLUÇÃO DA RESPONSABILIDADE DO ESTADO

Na origem do direito público em geral, vigia o princípio da irresponsabilidade do Estado. Vários ensinamentos foram justificados por expressões como: "Le roi ne peut mal faire", na França ou "The King can do not wrong", na Inglaterra. Essas assertivas representavam a idéia de que mesmo errando, o rei haveria de estar certo, e que o Estado não seria responsabilizado perante o indivíduo, já que atuava para atender ao interesse geral.

Já na segunda metade do século XIX, expandiu-se a Teoria da Responsabilidade do Estado, contudo, tratava-se de responsabilidade subjetiva, que posteriormente evoluiu para uma responsabilidade objetiva, que tinha por base a simples relação de causa e efeito entre o comportamento administrativo e o evento danoso, conforme trataremos adiante.

Esse crescente reconhecimento dos direitos do indivíduo perante o Estado e a idéia de submissão do Estado ao Direito, fizeram com que fosse superada a Teoria da Irresponsabilidade estatal, sendo que esta prevaleceu nos Estados Unidos até 1946 e na Inglaterra até 1947.

Só então foi reconhecida a responsabilidade do Estado pelos atos de gestão, em contraponto aos atos de império, insuscetíveis de gerar responsabilização.

Afirmava-se que, ao praticar atos de gestão, o Estado teria atuação equivalente à dos particulares em relação aos seus empregados e prepostos, ou seja, como os particulares eram responsabilizados, o Estado também o deveria ser, desde que houvesse culpa do agente.

Ao editar atos de império, vinculados à soberania, o Estado estaria isento de responsabilidade. Essa teoria, inspirada no direito civil, representou passo importante nessa evolução, ao abrir uma possibilidade de responsabilizar o Estado, mesmo em pequena escala, o que antes seria inadmissível.

No Brasil, inicialmente prevaleceu, como de resto sucedia no exterior, a culpa civil, isto é, o Estado respondia quando funcionário seu, atuando no exercício da função, procedia de modo culposo, por negligência, imprudência ou imperícia. Evoluiu depois para a noção da falta ou falha de serviço, até finalmente tornar sólida a responsabilidade objetiva. Essa progressão, essa evolução do direito caminhou à frente da legislação. A doutrina, sobretudo, e parte dos juízes sustentaram teses avançadas em relação ao direito positivo, procurando extrair, mediante pesquisa e interpretação do ordenamento jurídico, posições evoluídas para a fundamentação de suas decisões.

3.1 – RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DO ESTADO

Cogitou-se responsabilizar o Estado somente se fosse comprovado o dolo ou culpa (negligência, imprudência ou imperícia) do agente público causador do dano, o que representava ônus injusto para a vítima e dificultava a responsabilização.

Diz-se que as concepções civilistas desempenharam papel importante nessa evolução, pois propiciaram abertura para a responsabilização do Estado, impulsionando seu desenvolvimento.

Mas, em face dos princípios publicísticos não é necessária a identificação de uma culpa individual para deflagrar-se a responsabilidade do Estado. Esta noção civilista é ultrapassada pela idéia denominada de faute de service oriunda do direito francês. Ocorre a chamada culpa do serviço ou falta de serviço, quando este não funciona, ou funciona mal ou atrasado.

No entanto, faz-se necessário acentuar que a responsabilidade por falta do serviço, falha do serviço ou culpa do serviço (faute de service) não deve ser encarada como modalidade de responsabilidade objetiva. É responsabilidade subjetiva porque baseada na culpa ou dolo, não bastando para sua deflagração mera objetividade de um dano relacionado com o serviço estatal. Cumpre existe algo mais, ou seja, a ocorrência de culpa ou dolo, elemento tipificador da responsabilidade subjetiva.

Confunde-se a responsabilidade por faute de service com a responsabilidade objetiva, pelo fato de haver uma “presunção de culpa”, ante a dificuldade de se demonstrar que o serviço operou abaixo dos padrões devidos, isto é, com negligência, imperícia ou imprudência.

Tal presunção não elide o caráter subjetivo desta responsabilidade, pois o Poder Público poderia demonstrar haver comportado com diligência, perícia e prudência, ficando isento da obrigação de indenizar, o que jamais ocorreria caso a responsabilidade fosse objetiva.

O que cumpre distinguir é a objetividade de dada conduta, à qual se atribui o dano e a objetividade da responsabilidade.

Apesar da responsabilidade subjetiva do Estado dificultar a produção de prova da culpa do funcionário pela ocorrência do evento danoso, foi um avanço do Direito, possibilitando, mesmo que precariamente, a obtenção de indenização por danos morais ou patrimoniais causados a terceiros.

3.2 - RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO

A partir do ano 1.946, a questão da responsabilidade do Estado passou a ser tratada pelo direito público e não pelo Código Civil, e regulamentada na Constituição Federal vigente. Foi a Constituição Federal de 1946 que marcou a consagração explícita da responsabilidade objetiva no ordenamento brasileiro, como dispõe o art. 194: “As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis pelos danos que os seus funcionários, nessa qualidade, causem a terceiros”, o artigo ainda possuía um parágrafo único que dispunha: “Caber-lhes-á ação regressiva contra os funcionários causadores do dano, quando tiver havido culpa destes”.

Atualmente Informada pela teoria do risco, a responsabilidade do Estado apresenta-se na maioria dos ordenamentos como responsabilidade objetiva, e assim, não mais se invoca o dolo ou culpa do agente, mau funcionamento ou falha da administração, como era exigido na concepção civilista representada pelo art. 15 do Código Civil de 1916: “As pessoas jurídicas de direito público. Necessária se torna a prova da existência de causa e efeito entre a ação ou omissão administrativa e o dano sofrido pela vítima. É o consagrado nexo causal ou nexo de causalidade.

O festejado jurista, estudioso do Direito Administrativo, Celso Antônio Bandeira de Mello, traz à colação o brilhante comento de Seabra Fagundes:

Para que houvesse responsabilidade da Fazenda Pública, com base no direito anterior à atual Constituição (o autor está se referindo à Constituição de 1946), era preciso que se somassem as seguintes condições:

a) ter o representante praticado o ato no exercício da função ou a pretexto de exercê-la;

b) ser ilegal o ato por omissão de dever expressamente prescrito, ou por violação ativa do direito;

c) do ato advir dano a alguém.

Do segundo destes requisitos, já não é de cogitar, em face do artigo 194 da Constituição. Adotada, como foi nesse texto, a teoria do risco criado, já não importa a ilegalidade do ato, conquanto, via de regra, a responsabilidade decorra de atos ilegais. Desde que haja um dano haverá lugar à indenização, resulte esta de violação da lei ou não. Salvo, é claro, as exceções que possam ter raízes na própria Constituição. (O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário, 1957).

A adoção da responsabilidade objetiva do Estado gerou discussões acerca da teoria do risco. Alguns autores afirmam que nossas constituições adotaram a teoria do risco integral, que em tese, inadmite excludentes; outros defendem que no caso da responsabilidade civil do Estado, é adotada a modalidade do risco administrativo, na qual são exigidos o dano, a atividade administrativa e o nexo causal. Na verdade, a Constituição Federal de 1988 admite que o Estado possa provar culpa exclusiva da vítima, fato exclusivo de terceiro, caso fortuito ou força maior, isentando-se do dever de indenizar; admite ainda a prova de culpa concorrente da vítima, caso em que o valor da indenização será reduzido pela metade .

3.3 – RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO NA CF/88

A Constituição Federal de 1988 acolheu a responsabilidade objetiva do Estado no § 6º do Artigo 37, nos seguintes termos: “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.

Já o Código Civil de 2002, no artigo 43, prevê a responsabilidade objetiva nos seguintes termos: “As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado o direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo”. Comparando-se os dispositivos, nota-se que o Código Civil omite as pessoas jurídicas privadas prestadoras de serviços públicos.

A Constituição vai além, porque equipara, para fins responsabilização, à pessoa jurídica de direito público aquelas de direito privado que prestem serviços públicos (como são as concessionárias, as permissionárias e as autorizatárias de serviços públicos), e os agentes dessas empresas ficam equiparados aos agentes públicos no que tange à responsabilidade pelos danos causados a terceiros.

O terceiro que sofreu o dano não terá que provar culpa ou dolo do agente causador. A teoria do risco administrativo permite a inversão do ônus da prova, bastando que o terceiro comprove a ocorrência do dano e o nexo causal. José Afonso da Silva, ao analisar o dispositivo Constitucional em que se insere o princípio da Responsabilidade Civil do Estado, esclarece:

A culpa ou dolo do agente, caso haja, é problema das relações funcionais que escapa à indagação do prejudicado. Cabe à pessoa jurídica acionada verificar se seu agente operou culposa ou dolosamente para o fim de mover-lhe ação regressiva assegurada no dispositivo constitucional, visando cobrar as importâncias despendidas com o pagamento da indenização. Se o agente não se houve com culpa ou dolo, não comportará ação regressiva contra ele, pois nada tem de pagar.

Em abalizado estudo, Carlos Roberto Gonçalves, utiliza-se da doutrina dominante para afirmar que, em determinadas situações o Estado responde apenas subsidiariamente, e não solidariamente pelos danos causados pela prestadora de serviços públicos, uma vez exauridos os recursos financeiros e o patrimônio desta. Para isso, autor transcreve o ensinamento de Bandeira de Mello, que atribui à concessionária, a responsabilidade direta, já que esta “gera o serviço por sua conta, risco e perigos”. Na sequência, o civilista expõe parte dos ensinamentos de Youssef Said Cahali, que invoca a culpa in eligendo, bem como a culpa in vigilando da administração como fator de responsabilidade direta e solidária do Estado, por danos oriundos de falhas na prestação de serviço público pela concessionária.

Nota-se que o artigo 37, § 6º atribui responsabilidade objetiva à administração pelos danos que seus agentes, nesta qualidade, causem a terceiros, sejam estes provenientes de ato omissivo ou comissivo, contanto que seja injusto e lesivo. O texto constitucional deixa claro que a administração não será responsabilizada objetivamente por danos que venham a ocorrer por ação ou omissão de terceiros ou por ocorrência de fenômenos da natureza. Estes fatos são considerados estranhos e não guardam relação com a atividade administrativa, portanto, neste caso a responsabilidade é subjetiva, ou seja, dependerá da comprovação de culpa da administração.

Ao que nos parece, a posição mais acertada é obtida a partir da análise do texto constitucional, que atribui responsabilidade objetiva à administração pública, que por sua vez, tem direito de regresso contra o agente que, agindo culposamente, tenha causado a terceiros, o evento danoso ligado à atividade pública.

4 – CONDUTAS LESIVAS, DANO E RESPONSABILIDADE DO ESTADO

Há casos em que a conduta gera responsabilidade do Estado, assim podemos discriminar três situações distintas:

a) Casos em que o próprio comportamento do Estado é gerador do dano. Trata-se, portanto, de conduta positiva ou comissiva do Estado.

b) Casos em que não é uma atuação do Estado que produz o dano, mas, este ocorre por omissão deste, evento que causa um dano que o Estado tinha o dever de evitar. Trata-se de hipótese em que resta caracterizada a falta ou falha do serviço. Trata-se de conduta omissiva do Estado, ensejadora (não causadora) de dano.

c) Casos em que o Estado exerce atividade, que indiretamente propicia dano em razão de guarda de coisas ou de pessoas perigosas. Não há causação direta e imediata do dano por parte do Estado, mas seu comportamento ativo entra de modo mediato, porém decisivo, na linha de causação.

Contudo, há de se lembrar que não é todo e qualquer dano proveniente de ação ou omissão estatal que deverá ensejar indenização. Para que seja indenizável, o dano deve corresponder à lesão a um direito da vítima. Se nenhum direito for alvo de lesão, então não haverá de se falar em indenização.

O dano indenizável pode ser patrimonial ou moral, já que a Constituição Federal de 1988 prevê no Artigo 5º, Inc. X: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

O dano suscetível de indenização deve ser certo, não apenas eventual ou presumido. Poderá ser atual ou futuro, mas real e concreto. Nele engloba-se o que se perdeu, o que se deixou de ganhar e o que eventualmente poderia ser ganho, caso não houvesse ocorrido o evento lesivo. Para abalizar tal afirmação, socorremo-nos mais uma vez do Código Civil , que prevê no Art. 402: “Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar”, ou seja, o dano emergente e os lucros cessantes.

Contudo, a perda do poder aquisitivo que experimentam algumas pessoas em virtude da inflação, não é considerada indenizável, bem como o incômodo causado por obras públicas, como poeira ou desvio de tráfego, pois necessários ao bem comum.

Também não configura dano moral a revista pessoal, nem a busca ou vistoria realizada em interior de veículo executadas por policiais militares ou agentes fiscalizadores, desde que efetuadas com cautela, sem a prática de excessos vexatórios e em circunstância geradora de suspeita.

a) Danos por ação do Estado

Quando o estado gera um dano e deste advém um resultado lesivo a terceiro, este há de ser indenizado. Alguns manuais associam a noção de Estado de Direito exige que se tenha um Estado responsável. Celso Bandeira de Mello menciona que as condições em que o Poder Público pode produzir dano são distintas das que ocorrem das relações entre particulares, já que o Estado detém o poder, o monopólio da força, podendo intervir unilateralmente na esfera jurídica de terceiros, e por isso, não há de se cogitar culpa ou dolo, quando se comprova que o comportamento estatal comissivo produz dano a alguém.

Tanto o dano por conduta legítima ou ilegítima gerará obrigação de indenização por parte do Estado, assim, exemplifica-se hipóteses de condutas que gerarão a responsabilidade estatal de indenizar:

Por comportamentos lícitos, os atos jurídicos como, por exemplo, a determinação de fechamento legítimo e definitivo do perímetro central da cidade a veículos automotores, por razão de tranqüilidade e salubridade públicas, ou desimpedimento do trânsito, que acarreta para os proprietários de estacionamentos, devidamente licenciados, dano patrimonial anormal; ou ainda, atos materiais como o nivelamento de uma rua, desde que observadas todas as normas técnicas, e que, entretanto, pelas características físicas, ambientais, climáticas ou geológicas, fiquem algumas casas em nível mais elevado ou rebaixado ao leito da rua, causando séria desvalorização daqueles imóveis.

Por comportamentos ilícitos, os atos jurídicos, por exemplo, a decisão de apreender, fora do procedimento ou hipóteses legais, mercadorias que seriam destinadas a venda; ou atos materiais como o espancamento de prisioneiro por agente estatal, causando-lhe a morte ou lesões definitivas.

b) Danos por omissão do Estado

Há divergência em opiniões doutrinárias acerca de que, se nos casos de danos causados por omissão do Estado, a responsabilidade deva ser objetiva ou subjetiva.

Celso Antônio Bandeira de Mello defende que a responsabilidade no caso de omissão deve ser subjetiva, já que, se o Estado não agiu não pode ser considerado autor do dano, e não sendo o autor, só cabe responsabilizá-lo caso esteja obrigado a impedir o dano.

O autor complementa sua fundamentação esclarecendo que a responsabilidade estatal por ato omissivo é sempre ilícita, e assim sendo, a responsabilidade será objetiva, já que não há conduta ilícita do Estado que não seja proveniente de negligência, imprudência ou imperícia (culpa).

Bandeira de Mello defende que a responsabilidade por faute de service é subjetiva, e alerta:

Ademais, solução diversa conduziria a absurdos. É que, em princípio, cumpre ao Estado prover a todos os interesses da coletividade. Ante qualquer evento lesivo causado por terceiro, como um assalto em via pública, uma enchente qualquer, uma agressão sofrida em local público, o lesado poderia sempre argüir que o “serviço não funcionou”. A admitir-se responsabilidade objetiva nestas hipóteses, o Estado estaria erigido em segurador universal! Razoável que responda pela lesão patrimonial da vítima de um assalto, se agentes policiais relapsos assistiram à ocorrência inertes e desinteressados ou se alertados a tempo de evitá-lo omitiram-se na adoção de providências cautelares. Razoável que o Estado responda por danos oriundos de uma enchente se as galerias pluviais e os bueiros de escoamento de águas estavam entupidos ou sujos, propiciando o acúmulo de água. Nestes situações, sim, terá havido descumprimento do dever legal na adoção de providências obrigatórias. Faltando, entretanto, teste cunho de juridicidade, que advém do dolo, ou da culpa tipificada na negligência, na imprudência ou na imperícia, não há cogitar de responsabilidade pública .

Outros autores acreditam que não há de se utilizar o termo responsabilidade subjetiva ou por culpa de serviço, defendendo que tais vocábulos se mostram adequados apenas a ações ou omissões de pessoas físicas, não de pessoas jurídicas.

Já o ilustre civilista Carlos Roberto Gonçalves, utiliza-se de repertório jurisprudencial para afirmar sua opinião divergente:

Malgrado a opinião de Bandeira de Mello, no sentido de que o Estado somente responde de forma objetiva nos casos de ação (não de omissão), a jurisprudência não faz essa distinção. O Supremo Tribunal Federal já decidiu que a atividade administrativa a que alude o art. 37, § 6º da Constituição Federal, abrange tanto a conduta comissiva como a omissiva. No último caso, desde que a omissão seja causa direta e imediata do dano. Um dos julgamentos refere-se a acidente da administração em evitar que uma criança, durante o recreio, atingisse o olho de outra, acarretando-lhe a perda total do globo ocular direito (RE 109.615-RJ, Rel. Min. Celso de Mello). Em outro caso, relatado pelo Min. Moreira Alves, a mesma corte manteve esse entendimento afirmando que “não ofende o art. 37, § 6º, da Constituição Federal, acórdão que reconhece o direito de indenizar à mãe de preso assassinado dentro da própria cela por outro detento”. O Estado, com base nesse entendimento, foi responsabilizado objetivamente pela omissão no serviço de vigilância dos presos (cf. RT, 765:88).

Nota-se que apesar de haver discussão em âmbito doutrinário, a jurisprudência tem reconhecido a responsabilidade objetiva do Estado nos casos em que haja omissão do mesmo, como por exemplo, no caso de servidora pública gestante, que no desempenho de suas funções laborais exercidas em hospital, foi exposta a vírus, vindo a ter sido seu filho recém-nascido acometido de grave doença causadora de paralisia cerebral, cegueira, tetraplegia, epilepsia e malformação encefálica. No caso em questão, relatado também pelo Ministro Celso de Mello, a decisão da Corte Suprema é assim afirmada:

A jurisprudência dos tribunais em geral tem reconhecido a responsabilidade civil objetiva do Poder Público nas hipóteses em que o “evento damni” ocorra em hospitais públicos (ou mantidos pelo Estado), ou derive de tratamento médico inadequado ministrado por funcionário público, ou, então, resulte de conduta positiva (ação) ou negativa (omissão) imputável a servidor público com atuação na área médica (RE 475.940 – AgR / DF).

Contudo, a responsabilidade objetiva não é absoluta, já que pode ser abrandada ou excluída se ficar evidenciado o caso fortuito, a força maior ou fato atribuído à própria vítima.

5 – EXCLUDENTES DA RESPONSABILIDADE DO ESTADO

Nos casos em que é verificada a responsabilidade objetiva do Estado, este somente se exime se faltar o nexo causal entre seu comportamento (comissivo ou omissivo) e o dano. Se inexistir o nexo causal, não haverá vínculo entre a conduta e o resultado danoso, e deste modo, poderá haver isenção total ou parcial de indenização por parte do Estado.

a) Força maior

A força maior se expressa por irresistíveis fatos da natureza, por exemplo: fortes chuvas que causam inundações, mar revolto, queda de raio, tremor de terra, chuva de granizo, tornados. A invocação de tal força é relevante na medida em que se comprovar a ausência do nexo causal entre a atuação do Estado e o dano ocorrido. Contudo, se houver omissão do Estado na adoção de medidas que poderiam ter atenuado ou impedido o dano, caberá sua responsabilização. Por exemplo, se devido a ventos fortes, uma árvore cai e atinge um automóvel devidamente estacionado, caso fique comprovado que a tal árvore estava podre e o Estado, devendo saber desta má condição, omitiu-se em cortá-la ou em isolar a área, deverá ser responsabilizado por tal omissão, responsabilizando-se pelos danos experimentados pela vítima do dano. Neste caso, o Estado, por omissão, permitiu que se criasse uma situação perigosa, evitável caso fosse diligente, e que resultou em um dano material.

b) Caso fortuito

O caso fortuito diz respeito a um acidente ou falha, cuja raiz é tecnicamente desconhecida. Atualmente, faz-se a distinção entre fortuito interno (ligado a pessoas ou coisas) e fortuito externo (ligada aos fatos da natureza, ou seja, força maior). Somente o fortuito externo, isto é, causa ligada à natureza, exclui a responsabilidade, por ser imprevisível. Já quanto ao fortuito interno, tem-se decidido, por exemplo, que o estouro do pneu de um veículo, a quebra da barra de direção ou qualquer defeito mecânico não afastam a responsabilidade, já que são previsíveis e perfeitamente diagnosticáveis. Também não afasta a responsabilidade a causa ligada à pessoa, como por exemplo, o ataque cardíaco sofrido por um motorista ou operador de máquina que venha a causar dano a terceiros.

O caso fortuito interno não elide o nexo entre o comportamento defeituoso do Estado e o dano produzido. O motivo que enseja a má atuação do Estado não é relevante, somente a má atuação em si, que veio a produzir a lesão sofrida por outrem.

c) Culpa da vítima

Odete Medauar defende que a expressão culpa da vítima é imprópria, porque nem sempre a vítima atua com dolo ou culpa, e que mais apropriada seria a utilização da expressão conduta da vítima. Outros autores utilizam a expressão fato da vítima.

Independentemente da nomenclatura utilizada, a chamada culpa da vítima pode ser exclusiva ou concorrente.

No primeiro caso, deixa de existir a relação de causa e efeito entre o ato do agente Estatal e o prejuízo experimentado pelo lesado. É o que pode ocorrer, quando, por exemplo: um indivíduo embriagado ignora um aviso que alerta para a proibição de nadar e se atira nas águas de um lago urbano; ou se atira sob as rodas de um veículo oficial conduzido por um funcionário público a serviço do Estado. Inexistindo nexo de causalidade entre a conduta do agente estatal e o dano sofrido pela pessoa lesada, inexistirá a responsabilidade do Estado.

No segundo, a culpa da vítima é apenas parcial, concorrendo com a do agente causador do dano. Neste caso, havendo uma parcela de culpa do Estado e outro da vítima, em alguns casos, a indenização poderá ser reduzida, tendo-se em conta a gravidade da culpa da vítima com confronto com a do autor do dano.

6 – RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ATOS JURISDICIONAIS

No ordenamento pátrio, ante a independência funcional inerente à Magistratura, somente se configura a responsabilidade civil por danos causados caso tenha o magistrado agido com dolo ou por fraude, conforme incisos I e II, art. 133 do CPC:

Responderá por perdas e danos o juiz, quando:

I – no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude;

II – recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar de ofício, ou a requerimento, sem justo motivo, providência que deva ordenar de ofício, ou a requerimento da parte.

Parágrafo único. Reputar-se-ão verificadas as hipóteses previstas no n. II só depois que a parte, por intermédio do escrivão, requerer ao juiz que determine a providência e este não lhe atender o pedido dentro de 10 (dez) dias.

É possível cogitar hipótese quanto à lentidão excessiva, conforme o inciso LXXVIII do artigo 5º da CF, que assim dispõe: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.”

Alguns doutrinadores defendem a teoria da irresponsabilidade do Estado por atos jurisdicionais invocando, entre outros argumentos: a soberania do poder judiciário, a independência dos juízes no exercício da função jurisdicional e a imutabilidade da coisa julgada.

Ocorre que o Poder Executivo também é soberano e ainda sim é responsabilizado por seus atos administrativos.

Quanto à independência do Judiciário, esta reside na independência frente tanto ao Poder Executivo quanto ao Poder Legislativo, não podendo sofrer interferência destes em suas decisões.

O argumento referente à imutabilidade da força julgada é discutível, já que implicaria o reconhecimento de que a decisão foi proferida com violação da lei, entretanto, no direito pátrio, a força da coisa julgada sofre restrições ocasionadas pela ação rescisória e pela revisão criminal. Acrescente-se que o fato de ser o Estado condenado a pagar indenização decorrente de ato ocasionado por ato judicial não implica mudança da decisão judicial, e que esta permanecerá válida para ambas as partes, que continuarão vinculadas ao efeito da coisa julgada, resistindo, portanto, sua imutabilidade e restando a responsabilidade do Estado por danos decorrentes de erro judiciário.

Somente tem previsão expressa a responsabilidade do Estado decorrente de erro judiciário ocorrido em âmbito criminal, conforme disposto no art. 630 “caput” do Código de Processo Penal, que tem o seguinte teor: “O tribunal, se o interessado o requerer, poderá reconhecer o direito a uma justa indenização pelos prejuízos sofridos”, e o artigo 5º da Constituição Federal, no inciso LXXV prevê que “o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença”.

Reconhecida a responsabilidade civil do Estado pelo erro judiciário, a indenização há de ser a mais completa possível, abrangendo os prejuízos morais e materiais que sofreu o ofendido e que serão apurados por arbitramento (RJSP, 137:238).

7 – RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR ATOS LEGISLATIVOS

Discute-se incessantemente a possibilidade de responsabilização do Estado em decorrência de atos legislativos, tais como leis complementares e leis ordinárias.

A maior parte da doutrina proclama a plena submissão do poder público ao dever jurídico de reconstituir o patrimônio dos indivíduos cuja situação pessoal tenha sofrido danos motivados pela inconstitucionalidade de leis institucionais.

A autora Maria Sylvia Zanella Di Pietro defende que a regra de que responsabilidade do Estado por leis institucionais depende da prévia declaração de inconstitucionalidade é a mesma para atos normativos editados pelo Poder Executivo. Se reconhecida sua inconstitucionalidade ou mesmo a sua ilegalidade, poderá ensejar a responsabilidade do Estado, porque o dano é causado por ato emitido contra a lei, portanto fora do exercício das competências constitucionais.

Anote-se ainda que na opinião de José Cretella Júnior, “se da lei inconstitucional resulta algum dano aos particulares, caberá a responsabilidade do Estado, desde que a inconstitucionalidade tenha sido declarada pelo Poder Judiciário” (RDA, 135/26).

A jurisprudência, seguindo o ensinamento doutrinário, vem utilizando o critério da inconstitucionalidade dos atos legislativos no tocante a responsabilização do Estado, conforme se observa adiante:

Não é possível demandar a indenização por atos de autoridades fundados em dispositivo legal cuja inconstitucionalidade ainda não fora, até a data, reconhecida e declarada pelo poder Judiciário (RDA 08/133);

O Estado responde civilmente por danos causados aos particulares pelo desempenho inconstitucional da função de legislar (RDP 189/305);

Uma vez praticado pelo pode público um ato prejudicial que se baseou em lei que não é lei, responde ele por suas conseqüências (RTJ 2/121, Rel. Min. Cândido Mota Filho).

Apesar de todo entendimento contrário, não é forçoso perceber que mesmo uma lei constitucional pode causar dano injusto a uma categoria ou certo número de pessoas, referente a uma situação protegida pelo direito, de valor economicamente apreciável e existência de nexo de causalidade, verifica-se que este dano causado a particulares, poderá gerar direito de indenização por parte do Estado legislador, independentemente de ser reconhecida ou não a constitucionalidade do ato legislativo.

CONCLUSÃO GERAL

Atualmente, a reparação dos danos causados pelo Estado não é mais uma busca inalcançável, na qual o lesado prefere absorver o prejuízo, ao invés de aventurar-se nos Tribunais a fim de pleitear uma justa reparação que minimize ou extinga os efeitos dos danos sofridos. O Estado perdeu toda sua blindagem contra as investidas judiciais das pessoas a quem lesou, por ato omissivo ou comissivo, legal ou ilegal, lícito ou ilícito.

Essa evolução do Direito faz com que o Estado, representado pelos agentes públicos, seja mais cauteloso em suas ações ou omissões, impondo aos agentes estatais a necessidade de serem cuidadosos ao exercerem sua atividade administrativa, legislativa e judiciária.

Com a possibilidade de responsabilização, o Estado ficou obrigado a prevenir ações ou omissões que possam vir a causar danos a terceiros. Esse conjunto de fatores faz com que o Estado crie mecanismos (v.g. agências reguladoras e órgãos fiscalizadores), a fim de verificar e prevenir eventuais riscos de ocorrência de eventos danosos, lesivos ao direito de outrem.

Desse modo, um departamento municipal de fiscalização de obras não aguarda para tomar providências contra um senhorio até que um elevador despenque e mate alguns passageiros; ele inspeciona os elevadores e expede certificados (v.g. alvarás, licenças, permissões) para assegurar que podem operar com segurança. A ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil) não espera punir pilotos de avião, que por culpa, provoquem acidentes; de uma maneira mais prática, ela examina e concede licenciamento àqueles que cumprirem os requisitos exigidos para expedição de licenças.

Pode-se dizer que a possibilidade de responsabilidade do Estado por danos causados a terceiros, modificou (para melhor) a administração pública em geral, pois dessa maneira, os agentes públicos passaram a seguir normas e regulamentos, a fim de evitar a ocorrência de danos a particulares.

Discute-se a maneira pela qual o Estado deve reparar o dano. Embora seja perfeitamente possível e viável o ressarcimento pela via administrativa, o que ocorre na prática é que a Administração em geral, rejeita o pedido de reparação, fazendo com que o lesado busque a via jurisdicional.

Um exemplo freqüente é a do veículo de propriedade do Município, conduzido por servidor público que, culposamente provoca danos de pequena monta em veículo alheio. Restando comprovada a responsabilidade do Estado, este poderá, administrativamente, ressarcir o terceiro que sofreu o dano, desde que tomadas todas as cautelas que o caso requer, como: orçamentos detalhados com descrição de peças e serviços emitidos por três ou mais estabelecimentos idôneos e que constem no cadastro de fornecedores, verificação e análise por parte do Responsável pelo Departamento de Compras do Município, optando-se sempre pelo menor preço, etc. Contudo, na maioria dos casos semelhantes, o pedido é negado, geralmente motivado pelo princípio da indisponibilidade do interesse público, e o lesado não tem outra saída a não ser buscar a reparação na via jurisdicional, e a ação deverá se ajuizada na justiça comum, e caso o Estado seja condenado a indenizar, a obrigação de pagar haverá de ser cumprida por meio de precatórios, nos termos do artigo 100 da Constituição Federal (já alterado pela EC. 62/2009) e artigos 730 e 731 do Código de Processo Civil.

Na fase de conclusão do presente artigo, foi aprovada a Lei 12.153, de 22 de dezembro de 2.009, que prevê a criação dos Juizados Especiais da Fazenda Pública, os quais serão competentes para processar, conciliar e julgar causas cíveis de interesse dos Estados, DF, Territórios e Municípios, até o valor de 60 (sessenta) salários mínimos. Nota-se que a novel lei admite inclusive a hipótese de conciliação; consistindo, sem dúvida, em avanço que propiciará ao interessado maior celeridade no julgamento das causas de menor valor, nas quais seja ré a Fazenda Pública, expandindo para os Estados, DF, Territórios e Municípios, o que já ocorre em âmbito Federal (Lei 10.259 de 12 de julho de 2001). O artigo 22 da referida lei, prevê o prazo de 02 (dois) anos, a partir de sua entrada em vigor, para instalação dos Juizados Especiais da Fazenda Pública, e prevê o aproveitamento da estrutura existente das varas da Fazenda Pública.

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BORGHA
Enviado por BORGHA em 01/03/2010
Reeditado em 05/03/2010
Código do texto: T2114105
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