RESPONSABILIDADE CIVIL DAS COMPANHIAS DE TRANSPORTE AÉREO, NO EXTRAVIO DE BAGAGENS, COMO PRESTADORAS DE SERVIÇOS SUJEITAS AO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - Parte 1

RESPONSABILIDADE CIVIL DAS COMPANHIAS DE TRANSPORTE AÉREO, NO EXTRAVIO DE BAGAGENS, COMO PRESTADORAS DE SERVIÇOS SUJEITAS AO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

Parte 1

SUMÁRIO

1 - INTRODUÇÃO 3

2 – O DIREITO DAS RELAÇÕES DE CONSUMO 7

2.1 – A Função Social no Direito das Relações de Consumo 9

2.2 – Os Princípios do Direito das Relações de Consumo 10

2.3 – A Responsabilidade Civil no Direito das Relações de Consumo 12

3 – A RESPONSABILIDADE CIVIL 15

3.1 – Espécies 18

3.1.1 – Subjetiva e Objetiva 18

3.1.2 – Contratual e Extracontratual 20

4 – RESPONSABILIDADE CIVIL DO TRANSPORTADOR 21

4.1 – Legislação pertinente ao Transporte Aéreo 23

4.1.1 – A Convenção de Varsóvia 26

4.1.2 – Código Brasileiro de Aeronáutica 27

4.1.3 - Código De Defesa Do Consumidor 28

4.2 - Possível conflito entre a Convenção e o Código de Defesa do Consumidor. 31

4.3 - Qual norma se aplica? 37

5 – O TRANSPORTE AÉREO COMO PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE CONSUMO 39

5.1 – O Contrato de Transporte 42

5.2 – Inversão do ônus da Prova 46

6 – CASOS DE RESPONSABILIZAÇÃO 49

6.1 – Extravio, Dano, e Atraso da Bagagem 49

6.2 – Dano Moral 51

7 – A JURISPRUDÊNCIA E A RESPONSABILIDADE DO TRANSPORTADOR AÉREO 53

8 - A EXCLUSÃO DA RESPONSABILIDADE DO TRANSPORTADOR 57

8.1 – Caso Fortuito e Força Maior 58

8.2 - Fato Exclusivo de Terceiro 59

8.3 – Culpa Exclusiva do Consumidor 60

9 – CONCLUSÃO 61

BIBLIOGRAFIA 63

Dedico este trabalho a minha amada esposa e incentivadora, Cristiane Kollia.

1 - INTRODUÇÃO

O presente trabalho se destina a demonstrar que as companhias aéreas, que exercem atividade pública essencial através de concessão especial dada por órgão regulador, ANAC – Agência Nacional de Aviação Civil – é regulada e submete-se a diversos diplomas legais, entre eles o Código de Defesa do Consumidor, que lhe rege a responsabilidade civil.

Com o aquecimento da economia pátria e com desvalorização do dólar frente ao real ocorreu a popularização do transporte aéreo. Aliado a isso há a tendência internacional de redução de tarifas, onde se oferece aos passageiros vôos mais baratos e em troca se oferece menos serviços agregados, com a respectiva redução de funcionários e, na maioria das vezes, uma acentuada queda na qualidade dos serviços.

Aliado a esta tendência de mercado há o atualmente conhecido “caos aéreo” que domina o setor aéreo e é resultado de uma série de problemas interligados. Recursos mal administrados, aeroportos sem estrutura compatível à demanda, falhas graves no controle de tráfego aéreo.

Num quadro assim é previsível que ocorra cada vez mais danos e extravios e das bagagens transportadas pelas companhias aéreas. Nesta hora é que surge a dúvida, aplica-se o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) para estabelecer a indenização ou limita-se esta pelo Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei nº 7.565/86).

Todas as atividades que oferecem seus serviços com habitualidade no mercado de consumo hoje se encontram submetidos ao diploma legal que protege estas relações de consumo e que tenta criar equilíbrio onde naturalmente há uma desigualdade.

O Legislador procurou cercar de todas as formas, todas as atividades do mercado de consumo, sendo o mais abrangente possível, e por vezes até redundante, com o objetivo de garantir a aplicabilidade dos dispositivos da legislação consumerista. Ainda assim algumas atividades permanecem em uma zona nebulosa, haja vista que ainda se encontram opiniões contrarias a aplicabilidade do CDC em casos como o dos Bancos, dos Advogados e da aviação civil.

Contudo esta é uma corrente que não tende a subsistir, já que a doutrina e a jurisprudência dominante têm caminhado em sentido oposto. Hoje já é pensamento majoritário a aplicabilidade do CDC em tais casos, dando o devido fim que se espera da norma.

A aplicabilidade da norma do CDC em detrimento do Código Brasileiro de Aeronáutica à aviação civil tem três aspectos fundamentais cujos desdobramentos podem afetar ambas as partes da relação. São eles: A Inversão do ônus da prova, que também, como se demonstrará, é questão que ainda não é pacífica, mas é de fundamental importância para a real efetividade da função da norma no caso concreto.

O fim da indenização tarifada para os danos e extravios de bagagem, que se baseiam na legislação baseada no Código de Varsóvia e caminha na contramão do direito, haja vista que para se buscar a real reparação, de acordo com os mais nobres princípios do direito, deve-se sempre analisar o caso concreto e aplicar a reparação mais justa analisando todas as proporcionalidades envolvidas e não uma mera tabela fixa. Hoje é a questão que gera mais dúvidas.

E por fim a reparação ao dano moral, situação totalmente incompatível com o código aeronáutico, mas perfeitamente alinhada com os conceitos fundamentais da legislação consumerista que visa proteger amplamente o consumidor de todas as práticas abusivas dos fornecedores, garantindo-lhe em diversos momentos a reparação moral a qualquer dano sofrido.

Todos estes aspectos estão intimamente ligados à aplicabilidade do CDC a relação das empresas aéreas com seus passageiros, consumidores de seus serviços, ao menos no que se refere à responsabilidade civil daquelas. Aliás, a responsabilidade civil tem sido uma preocupação em nossos tribunais e o legislador não a deixou de fora do conjunto normativo do Código de defesa do Consumidor, embora a mesma já fosse normatizada pelo Código Civil, tão grande é sua importância, que o legislador preferiu adequá-la às relações de consumo.

Parece claro que a prestação de serviços de transporte tem responsabilidades como qualquer outra, com suas particularidades, é claro, mas não menos importantes que a construção civil ou os serviços bancários, por exemplo. No entanto quando se contrata a construção de uma casa, ou contrata um financiamento para pagá-la, tem-se a certeza da aplicação do Código de Defesa do Consumidor, que garante ao consumidor destes serviços certas proteções que procuram o equiparar àquele que tem superioridade jurídica, técnica e econômica. Mas quando da contratação do serviço de transporte de passageiros por companhias aéreas ou pior, quando da deficiência de um serviço destes contratados, ainda existe uma incerteza sobre se este está ou não sujeito àquele diploma e suas garantias.

Por suas características cada profissão tem seu ponto onde o erro, a desídia, a omissão pode gerar dano a outrem. No transporte aéreo de bagagens alguns destes pontos são claros, como atraso na entrega, ocorrência de danos, extravios temporários ou definitivos, entre outros. Estas situações podem ou não gerar dano ao passageiro, e quando o fizerem devem, de pronto, ser objeto de reparação civil.

O usuário do transporte aéreo ao chegar ao seu destino, onde deveria se encerrar a prestação de serviço descobre que sua mala foi extraviada ou danificada. Clara falha na prestação do serviço contratado. Além de perdê-la definitivamente, a prestadora oferece uma indenização, nos moldes da Convenção de Varsóvia, baseada no peso da mala e condicionada à quitação total do serviço.

A responsabilidade civil consiste no dever de reparar tal dano sofrido de forma satisfatória. A forma de se auferir a responsabilidade civil do transportador aéreo quando do extravio das bagagens, malas, documentos de seu transportado tem dependido muito de que lado do balcão é que é proposta. De modo geral as Companhias têm preferido a aplicação do Código Brasileiro de Aeronáutica e da Convenção de Varsóvia, dada a limitação ao valor ser reembolsado. A Convenção de Varsóvia de 1929, recepcionada pela Constituição Federal estabelece que a responsabilidade do transportador aéreo deve ser subjetiva devendo as indenizações que couberem aos consumidores serem limitadas, ou seja, a responsabilidade do transportador já tem valor definido, é tarifada.

Já o passageiro prefere que se aplique o Código de defesa do Consumidor pela possibilidade de se obter indenizações mais altas e, talvez, mais justas por fazerem o que se pretende delas, a reparação de um dano causado. O CDC estabelece que a responsabilidade do transportador aéreo, prestador de serviço, não é subjetiva. O consumidor não tem gerência sobre o serviço prestado, razão pela qual não lhe pode ser imputado culpa por falhas eventuais, ensejando assim, indenizações de forma objetiva e ilimitada. A responsabilidade do transportador aéreo, no Código de Defesa do Consumidor é tida como responsabilidade objetiva e devido a isso ilimitada.

Necessário é determinar-se qual a lei correta a ser aplicada, buscando a segurança jurídica e a aplicação de justiça, algo que pode amenizar o sofrimento enfrentado pelo usuário do sistema de transporte aéreo de nosso país, quando este tem sua bagagem extraviada e iniciado o longo processo de busca por uma reparação justa.

Estão às Companhias Aéreas sujeitas à aplicação do CDC (Lei nº 8.078/90) quando o assunto é o extravio de bagagens, haja vista que o há legislação especial tratando da matéria? Ou sua responsabilidade está limitada à definida no Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei nº 7.565/86)?

Alguns destes casos serão expostos adiante, bem como o entendimento jurisprudencial que tem sido freqüente nas soluções. Observa-se que não é tão freqüente a busca do judiciário na solução de conflitos entre passageiros e transportadores, o que faz com que seja pouca a jurisprudência sobre a matéria.

No entanto nos julgados mais recentes há uma predominância da responsabilização com base no Código de Defesa do Consumidor em detrimento dos julgados que tem por base a aplicação do Código Brasileiro de Aeronáutica.

2 – O DIREITO DAS RELAÇÕES DE CONSUMO

Segundo Simone Pires (2004) o direito de proteção e defesa do consumidor surgiu em razão da existência de diversas questões sociais prementes na sociedade moderna. Para atender demandas concretas onde reconhecidamente havia uma relação desigual, sendo um vulnerável em face do poder econômico, tecnológico, científico do outro. Portanto, o direito protetivo vem buscar o equilíbrio jurídico entre as partes da relação sob sua tutela.

É matéria relativamente recente na Doutrina e na Legislação Brasileira, assim como lembra Jadson Correia (1999). Hoje, codificado, é matéria das mais importantes, dado seu caráter atual e sua enorme aplicabilidade, haja vista que a sociedade atual organiza-se principalmente sobre as relações de consumo.

Ada Pellegrini Grinover (2005) ensina que a sociedade de consumo, com um número crescente de produtos e serviços, assim como do crédito e da publicidade, bem como da dificuldade do acesso à justiça são a razão de ser desta nova ciência.

Embora não fosse concebido como uma categoria jurídica distinta e não recebesse a denominação que hoje apresenta, seu surgimento como ramo do Direito ocorre principalmente na metade deste século, porém indiretamente já se encontrava presente, em normas diversas, em jurisprudências e, acima de tudo, nos costumes de diversos países. No Brasil, segundo Flávio Pedron e Viviane Caffarate (2000), o Direito do Consumidor passa a existir entre as décadas de 40 e 60, quando foram sancionados diversas leis e decretos federais legislando sobre saúde, proteção econômica e comunicações. Por exemplo, pode-se citar a denominada Lei de Economia Popular , a Lei Delegada n. 4/62; a Constituição de 1967 com a emenda no. 1/69, que consagrou a defesa do consumidor; e a Constituição Federal de 1988, que apresenta a defesa do consumidor como princípio da ordem econômica e no artigo 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), que expressamente determinou a criação do Código de Defesa do consumidor .

O Código de Defesa do Consumidor, Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990, em vigor a partir de 11 de março de 1991, surgiu por ser uma garantia constitucional, assim, lembra Bertran Carvalho (1997), e qualquer lei ordinária que pense em revogar o CDC, excluindo a proteção do consumidor do mundo jurídico será ineficaz, já que é ofensiva à norma constitucional.

A natureza destas normas jurídicas, segundo Simone Pires (2004), é de ordem pública, o que significa dizer, inderrogáveis por vontade dos interessados integrantes da relação jurídica, com fim de resgatar os consumidores do poder abusivo dos detentores do poder econômico, intelectual, científico e tecnológico, além de dotá-los de instrumentos adequados para o exercício do principio do acesso à justiça.

2.1 – A Função Social no Direito das Relações de Consumo

A mais importante função do direito das Relações de Consumo é a função social que determina que os interesses individuais das partes do contrato sejam exercidos em conformidade com os interesses sociais, conforme lembra José Geraldo de Brito Filomeno (2005). Não pode haver conflito entre eles já que os interesses sociais devem prevalecer.

Pedron (2000) lembra que o princípio da função social é a mais importante inovação do direito contratual comum brasileiro e, talvez, a de todo o novo Código Civil. Ainda os contratos que não são protegidos pelo direito do consumidor devem hoje ser interpretados no sentido que melhor contemple o interesse social, que inclui a tutela da parte mais fraca no contrato. O contrato deve ser sempre interpretado em conformidade com o princípio da função social.

Assim, continua Pedron (2000), o princípio da função social do contrato harmoniza-se com o artigo 112 do Código Civil, que abandona a investigação da intenção subjetiva dos contratantes em favor da declaração objetiva, socialmente aferível, ainda que contrarie aquela. Para ele a função exclusivamente individual do contrato é incompatível com o Estado social. O artigo 170 da Constituição estabelece que toda a atividade econômica, e o contrato como instrumento dela, estão submetidos à primazia da justiça social, e enquanto houver ordem econômica e social haverá Estado social e enquanto houver Estado social haverá função social do contrato.

A Constituição não se refere explicitamente ao principio da função social do contrato, tratou da justiça social, da função social da propriedade, mas não diretamente da função social do contrato. Assim também o Código de Defesa do Consumidor também não o explicitou, mas não haveria necessidade, porquanto ele é a própria regulamentação da função social do contrato nas relações de consumo, conforme ensina Ada Grinover (2005).

No Código Civil a função social surge relacionada à liberdade de contratar, como seu limite. Esse é o sentido que se extrai da leitura da sentença “termos exercida em razão e nos limites da função social do contrato” .

Esta função social que antes era subentendida, por força constitucional, com o novo Código civil passa a ser explicita e parte do CDC, dado o caráter único do sistema jurídico.

2.2 – Os Princípios do Direito das Relações de Consumo

Kelsen, em Pedron (2000), ensina que a juridicidade das normas que determinam condutas decorre do fato de fundar-se em uma norma superior que estabelece os requisitos para sua existência. Segundo esta teoria, o direito surge como um conjunto de normas supra-ordenadas, no qual a validade das normas inferiores repousa nas normas superiores, até chegarmos à norma fundamental, que constitui o fundamento de validade de todo sistema.

A evolução da teoria geral do direito tem revelado que os sistemas jurídicos não são compostos apenas por normas. Os princípios integram o ordenamento jurídico, exercendo profunda influência sobre a sua interpretação (Pedron, 2000). Os princípios são linhas mestras que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico. Cretella Júnior também em Pedron (2000), dizem que os princípios de uma ciência são as proposições básicas, fundamentais, típicas que condicionam todas as estruturas subseqüentes, os alicerces da ciência.

Para Paulo Nader (2001) a função dos princípios é orientar na interpretação das normas legais. Assim sendo, o estudo dos princípios de determinada matéria jurídica é fundamental, já que se torna impossível interpretar os institutos jurídicos sem levá-los em consideração.

Com relação ao Direito do Consumidor, os princípios estão em sua maioria elencados no Artigo 4º do CDC. No tema em questão encontram aplicação prática o principio da vulnerabilidade, da confiança, da ordem econômica, do equilíbrio contratual e afastamento das cláusulas abusivas, da boa fé contratual.

O Princípio da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo é considerado pelo professor Paulo Vasconcelos Jacobina, em Pedron (2000), a razão de ser do próprio sistema de direito do consumidor. Para Claudia Marques (2006) o princípio busca a equiparação das forças entre consumidor e fornecedor, levando em conta a vulnerabilidade técnica, fática e jurídica daquele em relação a este. O mais importante deste princípio é a possibilidade da inversão do ônus da prova em favor do consumidor.

O Princípio da confiança, segundo Marques (2006), visa proteger a confiança que o consumidor depositou no vinculo contratual, na prestação contratual e na sua adequação ao fim que dela se espera, além de proteger a confiança que o consumidor tem no serviço colocado no mercado.

Princípio da ordem econômica é a prevenção que o direito do consumidor exerce nas relações de forma a garantir a manutenção do Estado previsto constitucionalmente. Não basta ao direito garantir a ordem econômica apenas a posteriori, mas também a priori, o que bem o faz o Direito do Consumidor.

Princípio do equilíbrio contratual, e o conseqüente afastamento das cláusulas abusivas, é abrangente e de extrema validade para as relações de consumo onde se vê diariamente contratos que excluem de forma absoluta os direitos de uma parte reservando à outra todas as garantias possíveis. Encontra-se aí claro desequilíbrio, como nos contratos pré-estabelecidos impostos pelas empresas de transporte aéreo, onde se exclui o direito a ressarcimentos justos em casos de extravio de bagagem e impõem-se o ressarcimento tarifado, por exemplo.

O Princípio da Boa Fé é um dos mais importantes do sistema jurídico que tutela as relações de consumo, já que busca valorizar e estimular a transparência e a harmonia entre consumidores e fornecedores.

Arnaldo Rizzardo (2007) lembra que nos serviços de turismo são inúmeros os defeitos que acontecem, sendo típico campo de incidência do CDC.

2.3 – A Responsabilidade Civil no Direito das Relações de Consumo

O Código do Consumidor contém regras próprias e pertinentes à responsabilidade civil, em virtude da necessidade de reparação patrimonial efetiva dos prejuízos sofridos pelos consumidores que adquiram produtos ou serviços defeituosos ou impróprios. O Código estabelece-se com base na vulnerabilidade do consumidor pelo fato deste ocupar, na relação de consumo, uma posição fraca e suscetível de ser lesada. A filosofia básica do Código de Defesa do Consumidor é através do reconhecimento desta vulnerabilidade procurar igualar o consumidor ao fornecedor (Bertran Carvalho, 1997).

Rui Stoco (1997) ensina que a Responsabilidade Civil nasce de um ato ilícito que tem como conseqüência jurídica a obrigação de indenizar.

O Código Civil adota como regra a responsabilidade subjetiva, onde, além da ação ou omissão que causa um dano, ligados pelo vínculo denominado nexo de causalidade, deve estar comprovada a culpa em sentido lato, ou seja, o dolo ou uma das modalidades da culpa em sentido estrito, a fim de alcançar-se o resultado danoso. No artigo 186 define a responsabilidade civil como a obrigação de reparar o dano em decorrência de ação ou omissão do agente que viola direito ou causa prejuízo a outrem.

A regra da responsabilidade subjetiva não é, no entanto sem exceções, pois em alguns casos o Código adota a responsabilidade objetiva imprópria ou da culpa presumida (Carlos Gonçalves, 2005).

O Código de Defesa do Consumidor adota a responsabilidade objetiva como regra, dispensando, assim, a comprovação da culpa para atribuir ao fornecedor a responsabilidade pelo dano, bastando à presença da ação ou omissão, o dano e o nexo causal entre ambos. Substitui-se a idéia de culpa pela de risco-proveito (Carlos Gonçalves, 2005).

Edgard Lopes (2002) entende que a escolha pela responsabilidade objetiva se deve a vulnerabilidade do consumidor frente aos fornecedores e, por isso, foi prestigiada como regra pelo CDC. Paulo Feuz (2003) entende que a responsabilidade do CDC deve ser aquela que faça a efetiva reparação do dano sofrido, sua satisfação total, não podendo existir qualquer tipo de limitação legal ou fática. Segundo o autor o CDC consagra a teoria do risco do negócio, onde qualquer insucesso do empreendimento deve pertencer exclusivamente ao fornecedor.

Responsabilidade objetiva e subjetiva não são tipos diversos de responsabilidade, apenas maneiras diferentes de se enfocar a obrigação de reparar o dano (Sílvio Venosa, 2005). Subjetiva é a responsabilidade que se inspira na idéia de culpa e objetiva a que se baseia na teoria do risco (Carlos Gonçalves, 2005).

Desta forma, lembra Edgard Lopes (2002), a responsabilidade objetiva será aplicada a toda indenização derivada de relação de consumo, salvo quando o Código expressamente disponha em contrário, como exceção.

O Código de Defesa do Consumidor prevê duas espécies de responsabilidade: pelo fato do produto ou serviço e pelo vício do produto ou do serviço .

A responsabilidade pelo fato do produto ou serviço dá-se diante de situações que põem em risco a saúde ou segurança do consumidor. Em contrapartida, ao referir-se à responsabilidade por vício do produto ou serviço, o legislador atentou para a adequação qualitativa e quantitativa, de acordo com as informações prestadas pelo fornecedor.

Segundo Edgar Lopes (2002), na responsabilidade pelo fato do produto e do serviço o CDC adotou a responsabilidade objetiva mitigada, onde cabe ao consumidor demonstrar a verossimilhança do dano, o prejuízo e o nexo de causalidade entre eles. Resta ao fornecedor desconstituir o risco e o nexo causal.

Na responsabilidade pelo vício do produto e do serviço, o legislador optou pela responsabilidade subjetiva com presunção de culpa. Porém, o consumidor poderá ser beneficiado com a inversão do ônus da prova, previsto no artigo 6º, inciso VIII do CDC. Nesse caso, o fornecedor terá o mesmo ônus previsto na responsabilidade objetiva.

Segundo Carlos Lopes (2001) para Eduardo Arruda Alvim e Flávio Cheim Jorge segundo há que se analisar se o caso concreto está realmente albergado pelo Código de Defesa do Consumidor. Isso pode ocorrer quando se está em face de uma relação de consumo pura e simples, como é o caso do consumidor que sofre danos ou o extravio de sua bagagem.

Neste caso o artigo 14 garante que o fornecedor é responsável pelo dano, de forma objetiva, independentemente de culpa. No parágrafo 3º estão as possíveis causas de exclusão. Segundo Carlos Lopes (2001) se for provado o defeito do serviço, neste caso o extravio ou dano da bagagem, o transportador somente deixará de ser responsabilizado quando a responsabilidade advier de fato de outrem ou fato próprio do consumidor.

Adiante verificaremos que esta responsabilidade objetiva do CDC é a que se aplica a estes casos.

3 – A RESPONSABILIDADE CIVIL

O direito a reparação dos danos patrimoniais e morais sofridos, a chamada responsabilidade civil tem dois objetivos primordiais: o caráter pedagógico e preventivo e a condição pela qual é obtido o ressarcimento.

Giorgio Giorgi conceitua a Responsabilidade Civil como a obrigação de reparar mediante indenização quase sempre pecuniária, o dano que o fato ilícito causou a outrem (em Wanessa Freitas, 2004). Para Antunes Varela, em Schwartz (2006), o dano é toda lesão de um interesse de outrem, tutelado pela ordem jurídica, quer os interesses sejam de ordem patrimonial, quer sejam de caráter não patrimonial.

Responsabilidade, segundo o vocabulário jurídico de De Plácido e Silva (1992) origina-se do vocábulo responsável, do verbo responder, do latim respondere, que tem o significado de responsabilizar-se, vir garantindo, assegurar, assumir o pagamento do que se obrigou, ou do ato que praticou.

Civil refere-se ao cidadão, assim considerado nas suas relações com os demais membros da sociedade, das quais resultam direitos a exigir e obrigações a cumprir, conforme lembra Jadson Dias (1999).

Maria Helena Diniz (1999) conceitua a Responsabilidade Civil como a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar o dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ele mesmo praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal. Caio Mário (1994) ressalva que o fundamento maior da responsabilidade civil está na culpa, lembrando que em sua prova está à base da responsabilização.

Para Alex Ribeiro (2003), citando Silvio Rodrigues, é profunda, misteriosa e sempre reveladora a área da responsabilidade civil, sendo a obrigação que pode incumbir uma pessoa a reparar o prejuízo causado a outra, por fato próprio, ou por fato de pessoas ou coisas que dela dependam.

Dos artigos 186 e 927 do Código Civil se extraem os elementos que compõem o dever de indenizar, quais sejam: elemento subjetivo da conduta: a) voluntariedade e culpabilidade em sentido estrito; b) elemento normativo da atividade: violação de direito ou causação de prejuízo; c) elemento objetivo da atividade em sentido estrito: ação ou omissão; d) elemento integrativo: liame de causalidade (Venosa, 2005).

O Dolo e a culpabilidade em sentido estrito (negligência, imprudência ou imperícia), em certos casos são dispensados, como no CDC. Não o são para a regra fixada no Código Civil por ter o legislador cristalinamente estampado que acolheu a teoria da responsabilidade civil subjetiva. Essa é a regra geral da qual o CDC é a exceção, com a responsabilidade civil objetiva, quando então não se perquirirá o elemento subjetivo da conduta (Ribeiro, 2003).

Como não se admite restrição de direito ou ampliação de responsabilidade senão nos casos expressamente previstos em lei (Ruy Stoco, 1997) toda a exceção tem de vir expressa em lei.

Para Silvio Rodrigues (2000) existem requisitos essenciais para a apuração da responsabilidade civil, como a ação ou omissão, a culpa ou dolo do agente causador do dano e o nexo de causalidade existente entre ato praticado e o prejuízo dele decorrente.

Os alicerces jurídicos em que se sustenta a responsabilidade civil, para efeito de determinar a reparação do dano injustamente causado, são oriundos da máxima romana neminem laedere (não lesar a ninguém) (Correia, 1999). O ato ilícito é aquele praticado em desacordo com a norma jurídica destinada a proteger interesses alheios, violando direito subjetivo individual, causando prejuízo a outrem e criando o dever de reparar tal lesão. Dessa forma, vemos que dano é entendido como uma diminuição ou subtração de um bem jurídico, incluindo não só o conteúdo material do patrimônio como valores imateriais, o conteúdo moral, atingindo assim, a moralidade e afetividade da pessoa, causando-lhe sentimentos e sensações negativas.

A Constituição Federal de 1988 no Art. 5º - incisos V e X explicitam também o direito à indenização por dano material e moral.

No caso do transportador o legislador ainda incluiu no Código de 2002 o art 734: “O transportador responde pelos danos causados às pessoas transportadas e suas bagagens, salvo motivo de força maior, sendo nula qualquer cláusula excludente da responsabilidade”.

Não existe dano não indenizável. Qualquer agressão ilegítima ao direito patrimonial ou extrapatrimonial de outrem deverá ser compensada pelo ofensor. A CF e toda a legislação infraconstitucional trazem o direito à indenização por ofensa moral ou material. É garantia constitucional e, como tal devem ser respeitada e obedecida, sobrepondo-se a qualquer outra norma, seja ela nacional ou internacional.

3.1 – Espécies

3.1.1 – Subjetiva e Objetiva

O Código Civil adotou a doutrina da culpa como princípio da responsabilidade civil estabelecendo que aquele que por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano. Para a verificação da responsabilidade necessitam-se quatro requisitos essenciais: a) a ação ou omissão; b) culpa ou dolo do agente; c) o nexo de causalidade; d) o dano sofrido pela vítima (Jadson Correia, 1999).

O dispositivo legal retrata os casos de responsabilidade aquiliana, refere-se à pessoa que causa um dano a outrem e obriga-a a ressarcir os prejuízos dele decorrentes. Essa teoria adotada pelo Código Civil denomina-se Teoria da Responsabilidade Subjetiva ou Teoria da Culpa e depende da comprovação da culpa (Diniz, 1999).

Há como exceção a Teoria da Responsabilidade Objetiva ou Teoria do Risco, na qual não há que se fazer prova da culpa, mas apenas do nexo de causalidade e do dano, conforme o ensinamento de Carlos Roberto Gonçalves (2005).

Em algumas circunstâncias a lei impõe a certas pessoas a reparação de um dano cometido sem culpa, são os casos de responsabilidade é legal ou objetiva. Basta a prova do dano e do nexo de causalidade. Esta teoria do Risco ou Objetiva tem que todo o dano é indenizável e deve ser reparado por quem a ele se liga por um nexo de causalidade.

Fernando Noronha (em Carlos Lopes 2001) conceitua responsabilidade objetiva como a obrigação de reparar determinados danos causados a outrem, independentemente de atuação dolosa ou culposa, mas que tenham acontecido durante atividades desempenhadas no interesse ou sob o controle do responsável.

Caio Mário da Silva Pereira (1993) conceitua o risco como o que se fixa no fato de que, se alguém põe em funcionamento qualquer atividade, responde pelos eventos danosos que esta atividade gera para os indivíduos independente de determinar se em cada caso, isoladamente, o dano é devido à imprudência, à negligência, a um erro de conduta, e assim se configura a teoria do risco criado.

A responsabilidade das empresas de transporte aéreo é objetiva, pois é verificada independente da verificação de culpa, bastando à presença de três requisitos básicos para se configurar: o fato; o dano; e o nexo causal. O Código de Proteção e Defesa do Consumidor estabeleceu como regra geral a responsabilidade objetiva para os prestadores de serviço.

3.1.2 – Contratual e Extracontratual

Nas Classificações de Responsabilidade civil temos a contratual e a extracontratual. A contratual é aquela oriunda do descumprimento de cláusula contratual, firmado entre as partes, que quebrado e gerando dano gera também o dever de indenizar por perdas e danos, de acordo com o Artigo 389 e seguintes e 395 e seguintes do Código Civil .

Incorre em responsabilidade contratual aquele que age com mora no cumprimento da obrigação contratada. Na responsabilidade contratual, ao credor incumbe o ônus da prova no que tange ao descumprimento da obrigação, cabendo ao devedor demonstrar em sua defesa que o fato se deu em decorrência de caso fortuito ou força maior, ou ainda por culpa exclusiva da vítima (Jadson Correia, 1999).

A responsabilidade extracontratual é regulada pelos artigos 186 e 927 do Código Civil . Neste caso cabe ao autor demonstrar a culpa ou o dolo do agente, em decorrência de descumprimento do dever legal. Não há qualquer insatisfação de convenção prévia entre as partes nem vínculo jurídico entre a vítima e o agente causador do dano (Stoco, 1997).

Maria Helena Diniz (1999) afirma que a responsabilidade extracontratual é a oriunda da inobservância de previsão legal, ou seja, da lesão de um direito subjetivo, sem que haja nenhum vínculo contratual entre o agente causador do dano e a vítima.

A responsabilidade extracontratual será baseada na teoria da culpa, que deverá ser provada pelo lesado (Jadson Correia, 1999). Segundo Rui Stoco (1997) a responsabilidade extracontratual também se funda nos deveres gerais de abstenção ou omissão a que todos devem observar, como no caso dos direitos reais, dos direitos de personalidade e os direitos do autor. Para sua caracterização deve sempre ser demonstrado pela vítima o dano, o ato ilícito e a relação de causalidade, para que o agente causador seja condenado na reparação dos prejuízos que causou (Leonardo, 2002).

A responsabilidade do transportador aéreo será contratual quando o dano, decorrente de sua ação ou omissão, atingir o passageiro, já que com este tem relação jurídica contratual estabelecida antes do evento (André Cavalcanti, 2002).

4 – RESPONSABILIDADE CIVIL DO TRANSPORTADOR

A questão central deste trabalho passa a ser tratada a partir de agora já que são várias as leis que tratam do assunto de forma diferenciada sem estipular com clareza que linha o julgador deve seguir. Desta forma deve-se observar atentamente toda legislação pertinente para extrair-se o mais correto a ser aplicado.

A empresa de transporte aéreo quando contrata com o passageiro o transporte deste e de sua bagagem celebra um contrato de adesão, possuindo, a partir de então, a responsabilidade contratual por qualquer dano que dê causa. Esta responsabilidade pode decorrer de ato próprio do agente ou de terceiro que esteja sob a sua responsabilidade. Desta forma a pessoa jurídica é responsável pela ação de seus funcionários ou prepostos, já que estes agem em nome desta e por esta, sendo a mesma responsável por todos os seus atos.

Segundo o entendimento de Eduardo Arruda Alvim e Flávio Cheim Jorge (em Santos, 2008) inexistem maiores dificuldades em se concluir pela aplicabilidade do Código de Proteção e Defesa do Consumidor aos contratos de transporte em geral. O contrato de transporte é um contrato de prestação de serviços e como tal se enquadra plenamente ao que o legislador tentou englobar no artigo 3º do CDC . Não seria correto interpretar tal prestação de serviços além daquelas ali elencadas.

Quando se estabelece o contrato de prestação de serviço entre fornecedor – Empresa de Transporte Aéreo – e o consumidor – Passageiro – estabelece-se uma relação jurídica de consumo onde o objeto é o transporte do passageiro e sua bagagem de um ponto a outro. Quando este contrato é quebrado, com o extravio da bagagem, ocorre um inadimplemento contratual por parte da empresa, que vai causar danos patrimoniais e morais ao consumidor-passageiro.

Nestes casos não há que se falar em culpa, pois a responsabilidade das empresas de transporte, como visto anteriormente é objetivo. Cabendo apenas definir se será ou não aplicado o CDC na valoração da reparação. Para as empresas de transporte restará apenas a possibilidade de desconstituir um dos elementos da responsabilidade, o fato o dano ou o nexo causal.

O ônus probatório também deve se inverter, mas ainda que não se o faça, deverá provar que cumpriu sua obrigação na forma acordada. Ao passageiro restará a obrigação de provar que a prestação foi descumprida e o seu dano.

Pela Convenção de Varsóvia, que regula o transporte aéreo internacional o transportador responderá pelo dano causado a bagagem despachada, desde que o dano tenha ocorrido durante o transporte aéreo , o que envolve toda a operação de transporte, da apresentação e entrega das bagagens, até sua retirada no destino final, o que é reforçado pelo Código Brasileiro de Aeronáutica . Para Santos (2008) daí deriva a cláusula de a cláusula de incolumidade que no contrato de transporte cria a obrigação da transportadora, ainda que implícita, de deixar no destino, são e salvo, o seu passageiro e sua bagagem.

Como veremos adiante, Santos (2008) entende que o passageiro que tem sua bagagem extraviada é considerado consumidor, dada à clara subsunção às definições do Código de Defesa do Consumidor, configurando-se, segundo ele, uma clara relação consumidor-fornecedor-serviço. Paulo Guimarães (2007) o extravio de bagagem é clara prestação imperfeita do contrato, que presumia a entrega da bagagem em perfeitas condições no destino final. Assim sendo deve-se indenizar-se os bens perdidos pela regra da plena reparação.

De toda forma chegamos à conclusão da responsabilidade contratual e objetiva do transportador, mas ainda resta esgotarmos a análise da legislação pertinente e sua aplicabilidade, que é o que veremos a seguir.

4.1 – Legislação pertinente ao Transporte Aéreo

A Constituição Federal de 1988, o Código Civil de 2002, do Código de Defesa do Consumidor, o Código Brasileiro de Aeronáutica e a Convenção de Varsóvia têm elementos que são úteis e importantes quando se estuda a questão do transporte aéreo no Brasil e seus desdobramentos no caso de extravio ou danos às bagagens de seus transportados.

Para Kelly Schwartz (2006) tais normas são aplicadas à responsabilidade civil no transporte aéreo, inclusive no que tange a reparação do dano que, nos dias de hoje, é evidenciado da forma mais ampla possível, de modo a englobar não só os aspectos patrimoniais economicamente relevantes, como também aqueles que não evidenciam um reflexo patrimonial imediato.

A Constituição Federal em seu art. 5º traz o direito à indenização por dano material ou moral decorrente da violação de direitos fundamentais .

A Convenção de Varsóvia, que foi quase que totalmente absorvida pelo Código Brasileiro de Aeronáutica, surgiu em decorrência da imperiosa necessidade de se impor regras de responsabilidade para os transportadores e usuários do sistema de transporte aéreo (Pedro, 2006). Na questão deste trabalho, da responsabilidade civil para fins de liquidação de eventual dano material por dano ou extravio de bagagem, adotou-se a Convenção de Varsóvia e o Código Brasileiro de Aeronáutica como principais referências (Schwartz, 2006). Ambas as legislações definem patamares de indenizações por destruição, perda ou avaria de bagagem despachada ou de mão, com algumas diferenciações entre elas, limitando valores quanto aos danos materiais.

Aí é que surge a principal diferença para a aplicação do CDC, pois neste caso a responsabilidade objetiva do transportador de acordo com o artigo 14 não pode ser tarifada ou limitada, já que qualquer limitação ao dever de indenizar transferia os riscos do negócio do fornecedor ao consumidor (Débora Aligieri, 2007). Kelly Schwartz (2006) complementa que a responsabilidade objetiva neste caso nada mais é que a obrigação de reparar danos causados, independentemente de qualquer conduta dolosa ou culposa do transportador, ocorridos durante o exercício de suas atividades econômicas de seu total interesse e controle.

O Código de Defesa do Consumidor é claramente mais favorável ao usuário do que ao transportador já que defende a inversão do ônus da prova e a responsabilidade é tratada como ilimitada quanto ao valor da indenização, ao contrário do Código Brasileiro de Aeronáutica que prevê indenização tarifada, como já visto. Isso se deve a sua função protetiva e seus princípios que visam equilibrar fornecedores e consumidores.

No entanto não há consenso ainda sobre sua aplicabilidade já alguns julgadores entendem que se deve aplicar a lei especial e outros optam pela aplicação do CDC por se este posterior ao Código Brasileiro de Aeronáutica, assim derrogando este. Noronha (2002) entende que com a promulgação do CDC é que se instituiu o problema acerca da responsabilidade civil das Companhias Aéreas. Os demais diplomas sobre o tema não diferenciavam as pessoas envolvidas, apenas visavam os transportes. Para ele a relação antinômica entre o CBA e a Convenção de Varsóvia, por um lado, e o CDC, por outro, é restrita apenas à matéria relativa à responsabilidade civil do transportador, já que apenas aí é que estes estatutos contêm dispositivos específicos. Desta forma enquanto o CDC defende a efetiva reparação de todos os danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos, independentemente da existência de culpa do fornecedor, o CBA e a Convenção de Varsóvia entendem que a responsabilidade da Companhia Aérea é ilimitada apenas na hipótese de ocorrência de dolo ou culpa grave e, nos demais casos, é tarifada.

Para Schwartz (2006) não se pode deixar de lado a legislação criada para atender especificamente o campo do direito aeronáutico para se aplicar ilimitadamente o Código de Defesa do Consumidor.

Inicia-se então discutir a principal questão sobre o extravio de bagagem no transporte aéreo, que é justamente saber qual das normas que irá regulá-lo. Deste conflito trataremos mais adiante, após conhecer melhor a norma aplicável.

4.1.1 – A Convenção de Varsóvia

Essa convenção de 1929 unificou as regras relativas à aviação civil internacional e estabelece, entre outros deveres, a responsabilidade da empresa transportadora em caso de danos a bagagem ocorridos durante a execução do transporte. Esta convenção tem validade para todos os países signatários da mesma e é utilizada internacionalmente para resolver eventuais demandas.

No Brasil ela foi internalizada pelo através do Decreto número 20.604 de 1931. Mais tarde o Código Brasileiro de Aeronáutica regulamentou muito do ali contido para o transporte doméstico. De modo geral os processos envolvendo pedidos de indenização por danos ocorridos em viagens internacionais geralmente são decididos com base nos valores estipulados pela Convenção de Varsóvia.

Recentemente a convenção sofreu modificações como o Acordo de Kuala Lumpur que teve como objetivo adequar os valores referenciais para as indenizações decorrentes dos acidentes de consumo bem como buscar valores indenizatórios mais adequados à realidade dos paises signatários. Anteriormente o Protocolo de Haia de 1955 alterara a convenção estipulando novos limites para as indenizações. Mas manteve a determinação de responsabilidade subjetiva para o transportador onde este só responderia por culpa grave ou dolo.

Santos lembra que a Convenção de Varsóvia ocorreu numa época em que a aviação era incipiente, o avião tinha acabado de sair do papel, os vôos eram poucos, muito arriscados e os passageiros dispunham de pouco espaço, conforto e segurança. Era necessária uma norma que permitisse a evolução da aviação, pois não seria possível indenizar todos os acidentes acontecidos, sob pena de estagnação da indústria aérea. Com este raciocínio surgiu a Convenção de Varsóvia, que limitava muito as indenizações, mais para a segurança do inicio da aviação, permitindo a indenização plena apenas quando os passageiros sofressem danos decorrentes de dolo ou culpa grave.

Paulo Freitas (2003) lembra que a Convenção foi alterada pela Convenção de Roma, 1933 e 1952 e pelo protocolo de Haia, 1955. Nestas alterações tratou-se principalmente dos limites indenizatórios, sempre em discussão. Com o Protocolo de Haia o limite indenizatório chegou a dobrar, mas isso não foi satisfatório para a maioria dos signatários.

4.1.2 – Código Brasileiro de Aeronáutica

O Código Brasileiro de Aeronáutica, Lei 7565/86, veio para regular os transportes domésticos, que é aquele, como consta no artigo 215, que tenha os pontos de partida e de destino dentro do território nacional.

Não há controvérsia sobre sua vigência no que se refere à regulamentação do transporte aéreo doméstico, apenas no que se refere à limitação das indenizações, tema deste trabalho, em que se choca com o CDC.

Relevante o artigo 222 que define o contrato de transporte aéreo como o que obriga o empresário a transportar passageiro, bagagem, carga ou encomenda postal, por meio de aeronave, mediante pagamento. Ainda o artigo 260 que dá o dever de indenizar nos casos de perda ou avaria da bagagem e fixa para a indenização o teto de 150 OTN’s.

A indenização é limitada ao valor correspondente a três OTN’s por quilo, salvo declaração especial de valor, com pagamento de taxa suplementar de acordo com o artigo 262. O artigo 264 que traz excludentes deste dever de indenizar, como no caso de atraso causado por determinação expressa de autoridade aeronáutica do vôo, ou por fato cujos efeitos não era possível prever, evitar ou impedir, considerado como força maior, e ainda, quanto à perda, destruição ou avaria, estas resultarem exclusivamente de natureza ou vício próprio da mercadoria. Os limites deixam de valer se for provado que o dano resultou de dolo ou culpa grave do transportador ou de seus prepostos, traz o artigo 248.

Noronha (2002) entende que o CBA procurou acompanhar a Convenção de Varsóvia, modificada pelo Protocolo de Haia de 1955, regendo-se por princípios semelhantes.

4.1.3 - Código De Defesa Do Consumidor

O Código de Defesa do Consumidor, a Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990, surgiu para tratar das relações de consumo e para atender a comando expresso da Constituição Federal de 1988.

As Companhias de Transporte Aéreo estão enquadradas no artigo 3º do CDC, ou seja, dentro do conceito de Fornecedor, mais especificamente como prestadoras de serviços . Para Débora Aligieri (2007) os contratos de transporte aéreo constituem clara relação de consumo já que possuem todos os elementos desta, como citado.

Segundo Pires (2004), no Código de Defesa do Consumidor, existem duas órbitas de proteção. A primeira garante a incolumidade físico-psíquica, protegendo a saúde e segurança contra os chamados acidentes de consumo, enquanto que a segunda protege a incolumidade econômica contra os referidos incidentes de consumo.

A responsabilidade civil dos prestadores de serviços no CDC, como visto, é objetiva, ou seja, independentemente da existência de culpa, conforme expressa disposição do Artigo 12 e Artigo 14 . No artigo 6º inciso VI o CDC assegura a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos, efetivando o preceito constitucional da reparação do direito moral garantido no artigo 5º, anteriormente citado, conforme lembra Eduardo Arruda Alvim e Flávio Cheim Jorge (Em Carlos Lopes, 2001). Não é difícil verificar a relação de consumo existente, pois se tem de um lado um consumidor, a prestação de um serviço mediante remuneração (concessão de serviço essencial) e no outro extremo o fornecedor empresa aérea.

Ainda assim o CDC não exclui outros direitos decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário desde que, é claro, este não contrarie os princípios constitucionais e do próprio CDC e ainda trazendo maior benefício ao consumidor, conforme o artigo 7º .

Estes direitos garantidos pela Constituição Federal e explicitados no CDC não podem ser suprimidos do consumidor, ainda que o contrato assim o estabeleça, invocando garantias tarifadas baseadas na Convenção de Varsóvia, pois é vedado ao fornecedor suprimir direitos do consumidor e são nulas quaisquer cláusulas que tentem fazê-lo, conforme estabelecido no artigo 51 . Para Alberto do Amaral Jr, em Carlos Lopes (2001) serão nulas quaisquer cláusulas limitativas de responsabilidade do transportador referentes à perda ou avaria dos bens transportados.

Fábio Ulhoa Coelho (em Paulo Feuz, 2003) entende que o âmbito de incidência do direito do consumidor vai ser definido pala mera existência de uma relação de consumo, onde esta existir, aí se aplicará esta legislação, aplicando-se as demais subsidiariamente. Feuz complementa que no ramo do turismo aplicar-se-ão subsidiariamente as disposições do CBA, da Convenção de Varsóvia, entre outras.

A Convenção de Varsóvia deverá subordinar-se à Constituição Federal, lei com função social, superior hierarquicamente às demais. Havendo contradição entre aquela e o CDC, este prevalecerá, porque a Constituição Federal garante a promoção da defesa do consumidor pelo Estado (Aligieri, 2007). Deste conflito trataremos a seguir.

4.2 - Possível conflito entre a Convenção e o Código de Defesa do Consumidor.

A discussão entre um possível conflito de normas decorre tão somente da dupla legislação sobre responsabilidade civil da prestação de serviços. De um lado a norma espacial do transporte aéreo, tanto a Convenção de Varsóvia como o Código Brasileiro de Aeronáutica, que propões, dentre as demais normalizações da aviação civil, a regra da responsabilização tarifada, como exposto anteriormente. De outro lado o CDC que é geral para o transporte civil, mas especial no que se refere às relações de consumo e que permite uma indenização ilimitada. Qual a norma a aplicar quando se trata de uma relação de consumo no transporte aéreo? Utiliza-se a lei específica da aviação civil ou a lei específica do consumo?

Obviamente tal discussão importa muito e muitos gostariam que a indenização continuasse tarifada. No entanto não é o que parece correto, haja vista que a evolução da reparação civil tem caminhado no sentido de cada vez mais se recuperar todo o dano, aquentando, inclusive, para a reparação do dano moral, muitas vezes imensurável, mas certamente digna de reparação.

Desta forma o entendimento geral tem caminhado no sentido de que a contratação remunerada do serviço de transporte aéreo é uma relação de consumo não dando margens a aplicação de outro ordenamento além do CDC. O Direito do Consumidor é disciplina especial em razão do sujeito a ser tutelado, o consumidor vulnerável.

Para que haja um verdadeiro conflito deveríamos ter duas normas tratando dos mesmos assuntos, de formas diversas e validamente existentes ao mesmo tempo. Dois ramos do direito conflitam ainda quando a área de atuação de um se insere totalmente na do outro. Entre estes dois ramos são especiais, mas em áreas diferentes.

De modo geral utilizam-se três critérios para se averiguar qual a norma aplicável em casos de leis validas e conflitantes: A hierarquia das normas, a idade das normas e a especialidade das normas. Luiz Camargo Pinto de Carvalho, em Schwartz (2006), afirma que, por força do princípio da continuidade das leis da lei de Introdução ao Código Civil, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue. A lei posterior revoga a anterior mediante três hipóteses: quando expressamente o declare; quando seja com ela incompatível ou quando a regule inteiramente em relação á matéria tratada na lei anterior.

Na seqüência cronológica de promulgação temos o seguinte: Convenção de Varsóvia, 1929; Introdução da Convenção no Brasil, através do Decreto 20.604, 1931; Protocolo de Haia altera a Convenção, 1955; Introdução das alterações estabelecidas na Convenção de Haia, através do Decreto 56.463, 1965; Código Brasileiro de Aeronáutica, Lei 7565 de 1986; Constituição Federal, 1988; Lei 8.078/90 Código de Proteção e Defesa do Consumidor, 1990; Protocolo de Kuala Lumpur altera a Convenção de Varsóvia, 1995.

Imaginar que a Convenção é lei especial e prevalece perante CDC não prospera, já que este também é lei especial, pois regula universalmente toda e qualquer relação de consumo. O CDC foi editado com o fim de proteger o consumidor que em nada era beneficiado pela Convenção de Varsóvia ou o Código Brasileiro de Aeronáutica (Santos, 2008).

Na Convenção de Varsóvia limita o valor da indenização em caso de dano no transporte de pessoas em 250 mil francos poincaré . Já o CDC e a Constituição Federal garantem a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais, morais, individuais e coletivos sem limitação de valores (Schwartz, 2006). Paulo Freitas (2003) lembra que ainda que tal moeda inexista, ela foi adotada como referência a atualização e conversão das indenizações. Estas, limitadas pelo Código de Varsóvia eram limitadas, ainda que o limite pudesse ser corrigido.

Fernando Noronha (2002) pondera que dois ramos de direito só estão numa situação de direito comum para direito especial quando o âmbito do segundo se insere totalmente dentro do âmbito do primeiro. Apenas alguns elementos novos devem se inserir. Para ele só se poderia falar em um direito especial quando, ele não existindo, tudo o que regula caísse na esfera do direito geral. Não é o que ocorre com o direito do consumidor e com o direito da responsabilidade civil do transportador aéreo. São dois direitos especiais, conclui.

Como verificado o conflito ocorre quanto à responsabilidade do transportador. Este conflito se dá entre duas leis especiais o CDC e o CBA, os quais tratam de maneira diferente a mesma matéria. O CDC conflitará com o CBA quando se tratando estritamente de uma relação de consumo. Nas demais situações, que não relação de consumo, o predomínio de aplicação é do CBA que continua em vigor.

Para o CDC e a Convenção de Varsóvia segue o mesmo raciocínio. A Convenção foi incorporada como Lei Ordinária não podendo contrariar os preceitos constitucionais, e ficando subordinada a constituição. Santos (2008) lembra que é aí que se estabelece realmente o conflito de normas, pois enquanto a Convenção limita a responsabilidade do transportador em valor fixo, a Constituição Federal e o Código do Consumidor garantem a efetiva reparação de danos patrimoniais e morais. Entende ainda que tanto para o CDC como para a Constituição Federal, o consumidor é livre para pedir indenização no valor que achar compatível com o dano sofrido. Ambas as legislações proíbem expressamente cláusulas que atenuem a responsabilidade do fornecedor de serviços de transporte aéreo.

Assim, em casos de conflito entre o CDC e a Convenção de Varsóvia, ou o CDC e o CBA prevalece o CDC, já que este é um mandamento constitucional, como visto anteriormente, é uma lei especial subjetiva, é uma lei posterior hierarquicamente superior e ainda é uma lei de função social e de ordem pública. Para Débora Aligieri (2007) o CDC garante a proteção do consumidor contra práticas ou cláusulas abusivas no fornecimento de serviços e a efetiva reparação dos danos patrimoniais e morais, como direitos básicos e limitar a reparação de acordo com o peso da mala seria uma afronta ao CDC e a constituição.

Este entendimento encontra opositores, como Fernando Noronha (2002) que não concorda que todas as leis, anteriores ou posteriores ao CDC, devam se subordinar a ele. O fato de suas normas serem de ordem pública e interesse social não pode levar a confundir normas de ordem pública com a ordem pública. Também Luis de Carvalho (Em Paulo Guimarães, 2007) entende que o CDC não revogou de forma expressa o CBA e também não tratou a totalidade da matéria ali disposta, assim a CBA deve ser a lei escolhida em questões de aviação civil.

Fernando Noronha (2002) entende, por fim, que se é questionável o entendimento que pretende excluir a aplicação do CBA e da Convenção de Varsóvia no âmbito das relações de consumo, muito mais questionável é uma corrente que vai ainda além dela, pretendendo dar a reparação integral de todos e quaisquer danos verificados no transporte aéreo, ainda que louváveis sejam os propósitos.

José Gabriel Almeida (Em Paulo Freitas 2003) entende que o CDC não se aplica ao transporte aéreo. Se o Brasil é signatário dos Tratados internacionais, deve respeitá-los. Mesmo é o entendimento de Ricardo Alvarenga (Em Paulo Freitas, 2003) para quem a Convenção de Varsóvia é a bíblia do transporte aéreo e não foi de forma alguma revogada pelo CDC e é predominante sobre a lei interna.

Alberto do Amaral Jr (Em Santos, 2008) entende que esta afronta ao CDC não prospera, pois são nulas as cláusulas limitativas de responsabilidade do transportador referentes à perda ou avaria da coisa transportada, dada a invalidade das cláusulas limitativas de responsabilidade nos contratos de transporte aéreo.

Para Pedro (2006) a responsabilização civil baseada no CDC é ainda mais favorável ao consumidor, pois ainda permite a inversão do ônus da prova além da citada responsabilidade é objetiva e reparação ilimitada, adotando-se o principio da reparação efetiva e integral. No entanto este é um dos poucos autores que não entende aplicável a legislação consumerista, pois isso afrontaria os tratados firmados pelo país. Para ele só existem três caminhos a seguir: denunciar a convenção de Varsóvia; propor a revisão dos valores entabulados na Convenção de Varsóvia ou obedecer aos termos que esta traz. Segundo o autor qualquer outro caminho conduziria à ilegalidade e ao desrespeito mútuo entre os Estados contratantes. Ele lembra, no entanto, que o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal têm aplicado severas indenizações a empresas de transporte aéreo, nos casos de extravio ou dano a bagagem sobre a natureza jurídica de dano moral. O que não fere, em seu entendimento, as normas de direito aeronáutico, uma vez que tanto o CBA quanto a Convenção de Varsóvia são omissas quanto à hipótese de indenização por danos morais ou à imagem (Fábio Pedro, 2006).

Pedro entende que apenas se aplicaria o CDC, supletivamente, nas operações anteriores ao embarque e posteriores ao desembarque. Ficando o ocorrido durante o transporte propriamente dito sujeito ao CBA e a Convenção de Varsóvia. Convém relembrar que esta é uma das poucas vozes que se opõem à aplicação do CDC ao caso em estudo.

A maioria dos autores entende que estão derrogadas as normas do CBA e da Convenção de Varsóvia que limitam o valor da indenização a ser pago pelas companhias aéreas em caso de extravio de bagagem (Guimarães, 2007). Não se permite, ainda, que o contrato de transporte tenha cláusula de não indenizar, este é um direito irrevogável do passageiro. A cláusula de “não indenizar”, lembra Arnaldo Rizzardo (2007) constitui um ajuste feito entre as partes envolvidas em uma relação contratual, mas é vedada pelo CDC para os contratos de consumo, pois as obrigações decorrentes de lei não são passiveis de renuncia por qualquer das partes.

Santos (2008) traz a voz geral nas palavras de Antônio Herman V. Benjamim que entende que a Convenção, o CDC e o CBA convivem harmoniosamente, permanecendo aqueles dois primeiros em vigor, exceto em relação a alguns de seus dispositivos, onde o conflito é evidente. Para ele o Isso quer dizer que o CDC não revogou integralmente a Convenção de Varsóvia nem o CBA, a não ser onde evidente o conflito.

Francisco Rezek, em Santos (2008) diz que apesar de os tratados e convenções serem atos internacionais de grande importância, suas normas não podem ser sobrepostas à Constituição Federal. Também deve haver o controle de constitucionalidade em relação aos tratados. Estes devem se submeter à ordem interna para poderem ter acolhida no ordenamento nacional, ainda que alegue-se a Convenção deveria preponderar sobre a legislação interna, isto não é correto.

Paulo Guimarães (2007) entende que prevalece sim o CDC às demais legislações, e não apenas nas questões de direito material, mas também no direito processual. André Cavalcanti (2002) entende que no caso do conflito em estudo deve prevalecer a lei mais nova, CDC, por representar a última vontade do legislador, ainda que o descumprimento da Convenção possa acarretar outras conseqüências.

Atualmente a jurisprudência vem seguindo esta tendência, de outorgar mais importância às normas do CDC do que ao disposto nas convenções das quais o Brasil é signatário, renunciando às normas que internacionalmente se comprometeu a atender (Schwartz – 2006).

4.3 - Qual norma se aplica?

Como visto o conflito das normas existe e está localizado principalmente na questão da responsabilidade civil. Inicialmente deve-se observar, lembra Santos (2008) que o CDC é norma de ordem pública e interesse social , sendo que a autonomia da vontade foi deixada num plano secundário, sua incidência é cogente, não podendo ser afastada pela vontade das partes.

Para Schwartz (2006) qualquer caso de extravio de mercadoria em transporte aéreo causado pela negligência da empresa transportadora deve gerar indenização pelo valor real da mercadoria. Não cabe a aplicação da regra da indenização tarifada prevista na Convenção de Varsóvia, mas sim a do CDC. Santos complementa que nem o CDC nem a própria defesa do consumidor, erigida à altura do princípio geral da atividade econômica, não podem ser relegados a um plano inferior ao da Convenção de Varsóvia (2008).

Eduardo Arruda Alvim e Flávio Cheim Jorge em Santos (2008) entendem que só se decide efetivamente na análise do caso concreto. A aplicação do CDC poderá ocorrer perfeitamente sempre que houver uma clara relação de consumo, pura e simples, como é o caso do consumidor que sofre danos em sua bagagem. Caso em que a responsabilização do fornecedor não será limitada. A restituição deve ser no valor real da mercadoria, completa Santos.

Atualmente tanto a Convenção de Varsóvia, bem como do Código Brasileiro de Aeronáutica, tem sido colocados de lado nas decisões de nossos magistrados, como veremos adiante, criando ampla jurisprudência que servirá para orientar nossa escolha, caso a argumentação até aqui exposta não seja convincente. Atualmente a jurisprudência vem seguindo a orientação de outorgar maior importância às normas da legislação consumerista do que ao disposto nas convenções (Schwartz, 2006). Perante o conflito entre a Convenção de Varsóvia e o CDC tem prevalecido o último, posto que é especial, hierarquicamente superior e posterior (Santos, 2008).

Felipe Braga Netto (2008) entende que as empresas de transporte aéreo como concessionárias de serviços públicos estão sujeitas a responsabilidade civil objetiva prevista na CF e ao CDC como fornecedor prestador de serviços. Para ele a aplicação do CDC deve ser conjugada como argumento de reforço, com o parágrafo único do artigo 927 do CC 2002 que imputa o dever de indenizar, independente de culpa, para aqueles cuja atividade implica em riscos para os direitos alheios.

Eduardo Arruda Alvim e Flávio Cheim Jorge em Carlos Lopes (2001) complementam que embora a Convenção de Varsóvia não tenha sido denunciada pelo Governo brasileiro, isso não garante que seus limites indenizatórios estejam válidos após a promulgação do CDC, pois são totalmente incompatíveis com seus princípios e com suas garantias constitucionais. André Cavalcanti (2002) não tem dúvidas ao afirmar que a limitação da responsabilidade do transportador aéreo, no termos do CBA e da Convenção de Varsóvia, colide frontalmente com os anseios da sociedade e dos legisladores, desta forma entende que o CDC é mais adequado e deve ser a legislação adotada, não só pela proporcionalidade dos montantes indenizatórios, mas mais ainda pela atual realidade social.

Para Silvio Venosa (2005) a CF não estabeleceu qualquer limite à responsabilização da administração e, como o transporte aéreo é concessão pública, estão sujeitas a esta não limitação. Neste sentido optar-se pela legislação mais benéfica ao consumidor faz sentido, neste caso o CDC. De toda forma o autor deixa a cargo a jurisprudência a decisão final, caso o legislador na se manifeste antes. Carlos Gonçalves (2005) é da mesma opinião, entendendo que se o Estado não tem limitação a sua responsabilidade que dirá suas concessões. Assim entende que a limitação já havia perdido eficácia com a promulgação da Constituição de 1988 e esta se confirmou com a promulgação do CDC.

Depreende-se disso que a legislação a ser adotada em qualquer caso de dano ou extravio de bagagem de transporte aéreo deverá ser tratado como falha na prestação de serviço e socorrida pelo CDC e todos os seus princípios.

CONTINUA na parte 2...