OS LEIGOS NO DIREITO CANÔNICO

"As leis são como teias de aranhas, que prendem os pequenos insetos e são rasgadas pelos grandes". Solon

1 INTRODUÇÃO

Mergulhar na ciência do Direito é sempre novidade, principalmente quando a temática referida é o Direito Canônico. Nosso artigo não pretende abordar todo o assunto laical referente ao direito eclesial, nem tão pouco fazer um tratado que esmere a profundidade da problemática. Mas nos detenhamos em aprimorar os pontos principais que nos fazem compreender como se dá o Direito dos leigos, e até que ponto vai os limites da personalidade jurídica laical, já que nossa realidade trás desafios profundos a ciência do Direito, quando se refere à calamidade das pastorais nas mais de 80 mil comunidades espalhadas em todo o Brasil sem a presença de diáconos, presbíteros e bispos. Tal problema hodierno nos faz sair da inércia, buscando alternativas que melhore essa situação. Em vista disso, acreditamos na dinamicidade da ciência jurídica, pois, “o Direito não se dá por revolução, mas por evolução ”.

Além disso, sabemos que o assunto referido é polêmico e delicado, mas é justamente devido a esta lide que propusemos a busca de soluções que tenham validades e que sejam abertas, com o objetivo de expandir essa temática para que seja discutida em meios acadêmicos. E assim, que procuramos entender porque no decorrer da tradição não se desenvolveu alguma cultura voltada para a participação dos leigos em assuntos relacionados ao poder eclesial. É buscando a alteridade laical, que explicitaremos alguns cânones essências relatando a importância do leigo no exercício de poder da Igreja. Será oportuna para a nossa pesquisa a perspectiva segundo o canonista Antonio da Silva Pereira . Em vistas disso, que nosso trabalho serve de provocação para aqueles que dogmatizam a ciência jurídica e que não acreditam e sua evolução.

2 A POSSIBILIDADE DO PODER DOS LEIGOS NA IGREJA

O marco do novo Código de Direito Canônico de 1983 deu abertura imprescindível para o regime de poder dos leigos na Igreja. O (1983) cânone 129 § 2 diz que “In exercitio eiusdem potestatis, christifideles laici ad normam iuris cooperari possunt”. Esse novo paradigma normativo representa certa novidade que foi fruto de diversas discussões contemporâneas. Quem melhor traduziu essa polêmica em nosso contexto foi o canonista Antônio da Silva Pereira. Para esse autor existem quatro correntes que divergem entre si sobre a possibilidade do leigo exercer o poder dentro da Igreja.

A primeira corrente é formada pelos teólogos Manzanares, Hill, Ratzinger, Hume, Damizio e Pereira. Esses se justificam a partir “da origem de todo poder sacro na Igreja” (PEREIRA, 1987, p.773). Significa para esses autores que “só os clérigos são hábeis para o exercício do poder de regime” (PEREIRA, 1987, p.774). Ademais, Ratzinger e Hume são mais radicais a ponto de afirmarem que “a participação dos leigos no poder sacro é alheia ao Concílio” (1987, p.774). Pois os leigos não têm ordem sacra. É nesse sentido, “não se entende que os leigos possam ter parte no exercício de um poder que não possuem” (1987, p.774). É nessa perspectiva que afirma Damizio (apud PEREIRA, 1987 p.775) se referido ao poder de ordem sacra: “Para o poder de regime (...) são hábeis os que são dotados de ordem sacra, isto é, somente aos bispos, presbíteros e diáconos tem capacidade permanente, que brota da ordem sacra. As outras pessoas devem ser concedidas capacitação para poderem participar de alguma maneira no poder de regime”.

Por outro lado, aparece a segunda corrente que defendida por Krämer, Aymans e Schwendenwein que acreditam em uma unidade interna do poder espiritual da Igreja, de onde resultam dois elementos conexos: o poder de ordem e o de jurisdição. Nesse sentido embora os que receberam o sacramento da ordem que dá capacidade para possuir poder de regime na Igreja, existem também aqueles que receberam o sacramento do batismo que também tem a capacidade de cooperar com o regime ativo da Igreja. O grande dilema é que “ainda não foi validamente demonstrada que existe na Igreja poder que possa ser concedido aos leigos” (PEREIRA, 1987, P. 777).

Já a terceira corrente é figurada por Ghrlanda e Dalla Torre, esses autores afirmam que a origem do poder de regime dos leigos está na missão, ou seja, nos cargos previstos pelo direito, conferir ofícios que comportam o poder de regime.

A ultima matriz de pensamento é defendida por Arrieta que sustenta claramente que os leigos podem exercer o poder da Igreja em determinados casos, e, portanto ser sujeitos desse poder na medida em que para (PEREIRA, 1987, p.779) “cumprir com as funções anexas ao oficio basta que ponham em exercício os múnus sacramentais recebidos no batismo”.

Em vistas dessas perspectivas expostas, será possível uma “autentica participação” do leigo no poder da Igreja ou apenas uma minúscula cooperação dos leigos no poder de decisão da igreja. A resposta, buscaremos dá a partir do Código, no entanto não deixaremos esquecer experiências históricas que de certa forma legitimaram um Direito fechado em si mesmo que não deu espaço para aqueles que estão a margem de todo e qualquer projeto jurídico.

O (1983) cânone 207 no final do § 1 [...] ceteri autem et laici nuncupantur. Essa máxima normativa limita na instituição divina o sentido laical, uma vez que há um reconhecimento do leigo, mas com exclusão. Por mais que, logo em seguida, no cânone 208, dê uma abertura para o principio de igualdade entre todos os fiéis ou seja, inter christifideles omnes. Em cima dessa temática, que existe uma falta de razoabilidade entre o (1983) cânone 207 e o famoso cânone já exposto 129, deve haver certa ponderação. Mas quem decide sempre é o Romano Pontífice e sua Corte de Cardeais.

Pode parecer ceticismo, mas o novo Código quando se incorpora a realidade da América Latina já nasceu atrasado, pois quem exerce o “múnus reger” nas enumeras comunidades espalhadas pelos rincões de nossa sofrida América são os leigos e não os clérigos, haja visto, que o Código de 1917 era bastante reducionista quando se relacionava aos leigos. A própria nota explicativa do (1983) cânone 224 expressa: “Uma das queixas contra o código de 1917 era a pouca atenção que dedicava aos leigos, consagrando-lhes apenas um cânon (o 682), pois outros que se encontravam na parte III do livro II falavam das associações dos fiéis, ou seja, incluindo também os clérigos. Agora, além dos cânones do titulo I, comuns a todos os fiéis, se enumeram obrigações e direitos daqueles que constituem a imensa maioria da Igreja; os leigos”.

O teólogo José Comblin preocupado com essa perspectiva, acredita que a monopolização do poder pelos clérigos é fruto de um processo cultural, que tem seu fundamento em um sociedade colonial. Assim sendo, está na hora de quebrar com esse paradigma de ordem estrutural. Nesse sentido, o teólogo da enxada (COMBLIN, 2002, p.407) afirma:

“[...] a relação entre clero e povo precisa ser definida em forma de direitos [...] é preciso enunciar os direitos dos leigos em todos os níveis. Não há comunhão sem definição de direitos. A leitura de vários documentos dá impressão de que o conceito de comunhão estaria justamente para dispensar o conceito de direito. A comunhão seria a harmonia espontânea e os bons sentimentos no relacionamento, de tal modo que se mantenha a ficção de que não há dominador nem dominado e de que todos são irmãos. Ora, todos são irmãos apenas se todos têm os mesmos direitos”.

É nesse sentido que durante uma entrevista logo após a eleição de Ratzinger a Bento XVI em 2005 o teólogo da libertação, Leonardo Boff criticava de forma radical que a Igreja Católica se “tornou uma multinacional da fé com um único Código e um único Catecismo que dita s regras para todo igreja universal não sendo fiel as particularidades, principalmente aos leigos que sempre são colocados as margens ”.

Dando continuidade a nossa leitura canônica, o (1983) cânone 225 é bastante significativo na qual revela a “índole secular”, a missão do leigo no mundo, que seja individualmente, quer sejam reunidos em associações. Nesse sentido o leigo anima as ordens temporais, “dando testemunho de Cristo, especialmente na gestão dessas realidades e no exercício das atividades saecularibus”.

Muito importante é o (1983) cânone 228 que expressa no § 1 que “os leigos que forem idôneos estão habilitados a ser assumidos pelos pastores sagrados para ofícios eclesiásticos e para encargos que podem desempenhar segundo as prescrições do direito”. Já no § 2 “[...] estão habilitados a prestar auxilio aos pastores da igreja como peritos ou conselheiros, mesmo nos conselhos, de acordo com o direito”.

Se referindo aos (1983) cânone 230 § 3 e ao cânone 766 sobre a participação ativa do leigo, quer seja em alguns ofícios ou na pregação. O leigo é colocado em um segundo plano, a perspectiva exclusivista clerical é forte, pois o leigo deve agir “onde necessidade o exigir ou na falta de ministros”. Assim sendo, o leigo é considerado como aquele que “tapa buraco”. É necessário rever tal perspectiva já que todos os fiéis são iguais e o “múnus reger” passa por todos os cristãos. O leigo é o cristão que vive no mundo é sua missão é no mundo, ou seja, “ad extra”.

3 CONSIDERACOES FINAIS

Apesar do avanço qualitativo do Codex iuris Canonici de 1983 acerca da participação do leigo na Igreja. Observamos que é preciso resignificar canonicamente o exercício do poder do leigo na Igreja, pois ainda não há claridade da sua autêntica participação, muitas vezes acontecem controvérsias como aquelas mencionadas por Pereira.

Ademais, acreditamos que a Igreja com o novo código passou a dialogar com a sociedade contemporânea. Mas por outro lado, a Igreja se fecha ao não dá clarividência sobre o verdadeiro papel do leigo no regime de poder eclesial.

Contra essa matriz, o cânone por excelência que revitaliza o sentido do poder laical é o 129. No entanto, o direito deve evoluir não de forma tímida, mas dando passos largos, com uma maior participação, ou seja, capacidade jurídica cristã de todos aqueles que receberam a mesma dignidade desde o batismo. Assim sendo, devem haver mais instancias jurídicas para garantir ou educar aqueles que não conhecem seus direitos na Igreja. Como diz Comblin, atualmente nem os poucos direitos concedidos pelo código prevêem uma instancia para garantir a sua aplicação.

REFERÊNCIAS:

COMBLIN, José. O povo de Deus. São Paulo: Paulus, 2002.

DOCUMENTO DA CNBB 62. Missão e ministérios dos cristãos leigos e leigas. 10 ed. São Paulo: Paulinas. 2004.

HORTAL, Jesus. Código de direito canônico. Tradução oficial da CNBB, Notas e comentários aos cuidados de, São Paulo: Loyola, 1983.

JORNAL DA BAND. Entrevista com Leonardo Boff. Rede bandeirante de televisão. Maio. 2005.

PEREIRA, Antonio da silva. Participação dos leigos nas decisões da igreja á luz do Código de Direito Canônico .in: Revista eclesiástica brasileira. Rio de janeiro, v. 47, n. 188, p. 771-802, dez.1987.

TEORIA GERAL DO DIREITO CANÔNICO. 2 de junho de 2008. Aula proferida pelo professor doutor Raimundo Gomes Meireles na disciplina Direito Canônico. Instituto de Ensino Superiores do Maranhão.

Marcio dos Santos Rabelo
Enviado por Marcio dos Santos Rabelo em 02/08/2010
Código do texto: T2415017
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