Propriedade superficiária e hipoteca

O presente artigo analisa a possibilidade de um imóvel gravado com direito real de superfície comportar duas hipotecas, ambas de 1º grau, sendo uma delas constituída pelo proprietário sobre os seus direitos e a outra constituída pelo superficiário sobre os seus direitos.

O direito de superfície é definido no art. 1.369 do Código Civil como o direito de plantar ou construir em seu terreno que é concedido pelo proprietário do mesmo, por tempo determinado, mediante escritura pública a ser registrada na serventia imobiliária. Trata-se de um direito real sobre coisa alheia, cuja concessão é feita pelo proprietário a título gratuito ou oneroso, a teor do art. 1.370 do Código Civil.

Com a constituição do direito de superfície pelo registro da escritura, passam a coexistir dois direitos simultâneos, o do proprietário concedente e o do superficiário, que podem ser alienados separadamente. A transmissibilidade do direito de superfície é assegurada pelo art. 1.372 do Código Civil.

Em relação à hipoteca da propriedade superficiária, a mesma passou a ser admitida pela edição da Lei nº 11.481/2007, que inseriu um inciso X ao art. 1.473 do Código Civil, tornando-se a mesma hipotecável. Tal possibilidade de hipotecar a propriedade superficiária é compatível com a possibilidade de sua alienação, pois, como afirma Carvalho Santos (in Código Civil Brasileiro interpretado principalmente do ponto de vista prático, 14 ed., v. 10, p.287) ao comentar o art. 810 da revogada codificação civil de 1916, “a hipoteca é começo de alienação, pelo que só pode hipotecar quem pode alienar.”

Sendo possível a alienação em separado tanto da propriedade quanto do direito real de superfície, sem a necessidade de anuência do outro, torna-se perfeitamente cabível que cada um dos dois direitos seja hipotecado isoladamente.

Dessa forma, poderão conviver duas hipotecas de 1º grau, uma incidindo sobre a propriedade do imóvel, e outra sobre a propriedade superficiária.

O ônus constituído sobre a propriedade do imóvel não atingirá a construção ou plantação objeto do direito de superfície, mas apenas o domínio do imóvel. Já a hipoteca instituída sobre a superfície atingirá apenas a construção ou plantação, em nada afetando o direito de propriedade.

No que toca ao registro de imóveis e o princípio da inscrição, não se aplica, na hipótese, o princípio da inscrição excludente, em que apenas o direito registrado em primeiro lugar é admitido, excluindo os demais que não têm precedência.

Tal decorre do fato de não há qualquer conflito entre o direito de superfície e a hipoteca, já que foram expressamente autorizados pela lei tanto a alienabilidade de ambos os direitos (propriedade e superfície) em separado quanto a constituição de gravame sobre ambos, ou sobre apenas um deles, sem atingir o outro.

Ao mesmo tempo, não se aplica o princípio da inscrição gradual entre as hipotecas constituídas, respectivamente, sobre a propriedade e o direito de superfície, pois cada uma delas atinge partes diferentes do direito real maior, que foi desmembrado em duas parcelas: uma a propriedade e a outra, a superfície.

O princípio da inscrição gradual será aplicado, todavia, no confronto entre superfície e hipoteca, de modo a verificar a extensão desta última.

Assim, se o direito de superfície é instituído e, em seguida, institui-se hipoteca sobre a propriedade, aplica-se o princípio da inscrição gradual, de modo que a hipoteca não incidirá sobre a superfície e o que nela foi plantado ou construído, pois neste caso o direito de superfície é mais antigo.

O inverso ocorrerá se a hipoteca foi instituída antes da propriedade superficiária, pois a mesma terá prioridade em relação à propriedade superficiária, em caso de eventual alienação forçada do imóvel.

Evidentemente, em caso de execução de uma das dívidas garantidas pelas hipotecas, seja a que recai sobre a propriedade, seja a que recai sobre o direito de superfície, deverá ser concedido o direito de preferência a que se refere o art. 1.373 do Código Civil, de modo a possibilitar-se que se consolide a propriedade.