Eleições Unificadas: a minimização da democracia

Giovani Clark é Doutor em Direito Econômico, Professor da UFMG PUC Minas e Diretor-Presidente da Fundação Brasileira de Direito Econômico (FBDE)

Viviane França é Pesquisadora Junior da Fundação Brasileira de Direito Econômico (FBDE)

O sistema eleitoral brasileiro sofreu inúmeras transformações ao longo da história. As elites econômicas e políticas sempre se perpetuaram no aparelho estatal, inclusive nos tempos atuais, encenando disputas eleitorais entre elas, mas sempre usufruindo do Estado independentemente dos vencedores. No Brasil não temos nem mesmo alternância de elites no poder.

Os poderosos em nossa Nação se utilizam de vários mecanismos lícitos ou ilícitos para continuarem nas estruturas do Estado. Um desses mecanismos é a transmissão de parcela dos cargos eletivos do país para os membros das mesmas famílias, através dos tempos, por intermédio das eleições. Tal procedimento é clamado por nós de Dinastia Eleitoral.

Inicialmente, tivemos o voto censitário instituído pela nossa primeira Constituição, a de 1824, onde o direito ao voto era exclusivo aos indivíduos possuidores de renda, digo, de determinada condição econômica. Contudo este tipo de voto só foi extinto pela Constituição brasileira de 1891, durando assim todo o nosso período imperial.

Após duas longas ditaduras, a de Vargas (1930 a 1945) e a Militar (1964 a 1985), onde tivemos uma imensa interrupção da participação popular, temos atualmente uma Constituição (1988), efetivamente democrática, garantidora de direitos individuais e sociais para uma sociedade plural, complexa e antagônica. Adotamos o voto direto, secreto, universal e periódico nas eleições dos representantes populares nos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário (eleição dos Juizes de Paz - art. 98, II da CR/88).

A magnitude do voto direto, periódico e seus demais atributos (art. 14, Caput da CR/88) um dos pilares de nosso Estado Democrático de Direito, é evidenciada pela Carta Magna de 1988, configurando-o como cláusula pétrea da mesma (art. 60, parágrafo 4º, I), ou seja, o dito dispositivo jamais pode ser objeto de Emenda Constitucional tendente a sua abolição.

Ademais, a Constituição brasileira, reforçando a sua opção pela democracia participativa e pela cidadania ativa, prevê ainda instrumentos como: o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular (incisos do art. 14 da CR/88). Infelizmente sempre esquecidos pelos “donos do poder”, seja no plano local, estadual e nacional, a fim de manipular as decisões políticas e concentrar os gastos públicos em suas mãos.

Atualmente tramita no Congresso Nacional a proposta de Emenda Constitucional (PEC 211/95) para unificação das eleições, digo, os pleitos de presidente, governadores, prefeitos, senadores, deputados federais e estaduais e vereadores seriam realizados em um mesmo ano.

A principal justificativa para a calamitosa proposta é a economia de recursos públicos. Hoje, segundo os seus defensores, uma eleição gira em torno de 265 milhões de reais e com a unificação teríamos uma suposta economia dos gastos estatais.

A dita proposta fere as normas principiológicas da Constituição brasileira de 1988, principalmente a que estipula que o poder “emana do povo que o exerce por meio de representantes eleitos, ou diretamente, nos termos desta Constituição” (art. 1º parágrafo único da CR/88), bem como o já referido comando sobre o voto periódico.

Quem economiza com democracia e eleições periódicas gasta com demagogia, corrupção e manipulação do dinheiro público em prol das elites. Precisamos é radicalizar e amadurecer o nosso combalido processo democrático. Assim sendo, receitamos mais democracia. Somente através de uma cidadania ativa e de constantes participações populares, e não apenas nos pleitos eleitorais, é que iremos construir reais decisões sociais e coibir os gastos públicos indevidos.

Temos somente uma cidadania passiva, já que estamos limitados, em regra, a exercitar aquela nas eleições periódicas locais e gerais. Somos frequentemente afastados das grandes decisões nacionais, tais como: dos gigantescos impactos ambientais a serem causados por algumas obras, das vultosas renúncias tributárias estatais em prol de determinados setores; das estratégias públicas de combates às diversas formas de abuso do poder econômicos, etc.

As eleições municipais periódicas e isoladas é um dos pilares dos Estados nacionais plenamente democráticos. É o instante onde os munícipes refletem, debatem e reivindicam as suas necessidades cotidianas deixando parcialmente de lado a ilusão de uma sociedade global com soluções únicas para inúmeros problemas das cidades. Nelas podemos criam e recriam propostas e indicar caminhos. Todavia nos dias atuais os partidos políticos, os conglomerados econômicos e a grande mídia, em regra, bloqueiam qualquer proposta criativa limitadora de seus interesses.

A unificação das eleições é uma proposta retrógrada que deseja: 1) conceder estabilidade as elites no poder estatal em face às pressões populares nas eleições a cada dois anos; 2) inviabilizar debates aprofundados sobre os problemas nacionais, estaduais e municipais, passando-os para uma única eleição vazia de conteúdo; 3) reforçar a dinastia eleitoral. Em síntese, a tese da unificação das eleições significa a minimização da democracia.