APRESENTAÇÃO.


                       A iniciação científica do aluno dentro da área do conhecimento jurídico se dá a partir do domínio de informações basilares, que são próprias a quem adentra aos temas do direito. A este primeiro momento do estudo, o modelo de ensino jurídico no Brasil chama de propedêutica jurídica, que embora seja definido como uma etapa de conhecimentos preliminares, a sua natureza epistemológica suplica a certa profundidade no discorrer do seu objeto de estudo, dentre os quais, as fontes do direito.
A presente monografia sobre fontes do direito, elaborada com base em informações doutrinárias e na experiência docente, se destina a pesquisa universitária, aos alunos dos cursos jurídicos, para fins de leitura complementar à sala de aula.


                     I. DEFINIÇÕES. 

                    De acordo com o ponto de vista de cada doutrina, a definição de fontes do direito varia de uma para outra.

                    Claude Du Pasquier - Reportou-se ao tema através de uma metáfora, ao dizer que, buscar a fonte do direito é como se alguém procurasse a nascente de um rio, a delimitar o exato ponto em que as águas surgem das profundezas da terra dando origem a um curso d’água natural, como seja o ponto de emergência, o lugar onde ele passa de invisível a visível, onde sobe do subsolo à superfície. Assim sendo, afirma que fonte de regra jurídica é o ponto pelo qual ela se sai das profundezas da vida social para aparecer à superfície do Direito.

                    Hans Kelsen - Em sua Teoria pura do direito,  solidificou o estudo do direito a mais expressiva referência no âmbito da dogmática jurídica e, assim, afirma que a única fonte do direito é a norma, já consolidada em seus aspectos formais e integrada ao direito positivo. Traduzindo-se o pensamento kelsiano, este ao se reportar a fonte do direito, irreleva qualquer fato social, moral ou político que tenha contribuído para o surgimento de uma regra. 

                    Miguel Reale (1) - O termo fonte do direito deve indicar somente os processos de produção da norma jurídica, vinculados a uma estrutura do poder, o qual, diante de fatos e valores, opta por dada solução normativa e pela garantia do seu cumprimento. Segundo Reale, a estrutura de poder é um requisito essencial ao conceito de fonte. A luz deste conceito, quatro são as fontes do direito: o processo legislativo, a jurisdição (poder judiciário), os usos e costumes jurídicos e o poder negocial. 

                    Del Vecchio - Dentro do positivismo jurídico, diz que a única fonte do direito é o próprio Estado, do qual as ordens são emanadas.

                    Sob o ponto de vista sociológico - Fontes do direito são as vertentes sociais e históricas de cada época, das quais fluem as normas jurídicas positivas. Fatores emergentes da própria realidade social, tais como os econômicos, religiosos, morais, políticos e naturais.


                    II. DIVISÕES:

                         Embora que o tema fontes do direito sempre esteja convergente a existência de uma norma, pelo o que se observa, existe controvérsia entre os doutrinadores, decorrente de mera dualidade de enfoques pelos quais o tema é tratado, daí a seguinte indagação:

                        - Estudar as fontes do direito seria ficar restrito apenas:
                         1. a gênese da norma?
                         2. a aplicação da norma?

                         Esta dualidade de posição justifica a divisão das fontes em materiais e formais.

                         FONTES MATERIAIS – São elementos que emergem da própria realidade social e dos valores que inspiram o comportamento a ser tutelado e que levam ao vislumbre de um direito. A título exemplificativo, as fontes materiais, dentre outras, podem ser:

                         Históricas – Quando o direito vai buscar fundamentos numa retrospectiva do comportamento social através dos tempos, vislumbrando a experiencia no que exista de positivo ou negativo e que possa influir, tanto na elaboração de uma norma, quanto na sua posterior aplicação. Assim, por exemplo, ocorre quando que se discute, dentre as várias formas de inclusão social do negro, aquela que versa sobre a estipulação de quotas para o favorecimento do seu ingresso nas universidades públicas, como uma reparação da sociedade brasileira à desvalia social em conseqüência ao modelo de colonização do Brasil e às consequencias a produção escravista.

                       Religiosas – Embora que já há muito tempo o direito tenha se despreendido do sincretismo, assim mesmo a ordem eclesial traz influência no comportamento. Tanto na produção da norma quanto na sua aplicação, o direito busca harmonizar-se a religião, assimilando desta, princípios. Exemplo bem difundido pela doutrina versa sobre o que ocorreu no direito, em face a indissolubilidade do casamento que a igreja mantém até hoje, no que isso influenciou no comportamento do legislador, quanto ao direito de família, obstando até 1977 a implantação da Lei do Divórcio no Brasil.

                        Econômicas – A ordem econômica do Estado tem como pressuposto a justiça social, que somente poderá ocorrer diante da tutela do poder para com o fator produção, daí a preocupação maior para com a distribuição de riquezas e do acesso aos bens e serviços. Exemplo desta participação do Estado, assim ocorre em relação às limitações da ordem, quanto a especulação em desfavor do consumo, que impõe a necessidade constante do agente público atuar como regulador no domínio privado, no sentido de elaborar normas para garantir a livre concorrência, e impedir, por exemplo, o cartel.

                       Naturais - As relações com o meio ambiente, em muitas vezes impõe a adoção de medidas normativas, não tão somente na tutela deste, mas também do bem estar do próprio homem. Assim sendo, fatos que independem da ação humana podem ocorrer e trazer consequencias jurídicas. Por exemplo, a incidência de doenças tropicais decorrentes da proliferação natural de mosquitos, que leva a saúde pública a adoção de normas, até mesmo a contragosto do povo, para o devido controle. Quem não lembra a ação de combate a febre amarela de Osvaldo Cruz no início do século passado, no Rio de Janeiro.

                         Políticas – Dentro da complexidade da política, mais precisamente no que diz respeito a estrutura do Estado, o pressuposto da harmonia e independencia de suas instituições em muitas vezes é colocada em risco. Particularizando-se o acinte aos freios e contrapesos, o domínio financeiro do Poder Executivo, como arrecadador da receita pública, sempre será temerário, no sentido da manipulação dos demais poderes, daí a inserção de normas disciplinadoras e limitadoras. Exemplo bem interessante, vinculado a esta realidade política, diz respeito a disciplina constitucional que levou a normatização no sentido de disciplinar os repasses duodecimais de recursos orçamentários para o livre funcionamento do legislativo e do judiciário, (ex vi Art.168 CF e a Lei de Responsabilidade Fiscal.

                         Morais – A normatividade social sempre será uma constante na vida do homem, pelo o que são inafastáveis as influencias que a ética exerce sobre o direito. Por conseguinte, dentre outras regras da moral, aquela que prega a repulsa à infidelidade, de certo que traz grande influencia às normas do direito de família, da mesma forma que outra que reprime a falta de pudor, repercute nas contravenções penais.


                         FONTES FORMAIS – Dizem respeito ao direito já devidamente corporificado, a indicar documentos ou formas não escritas, que revelam um direito vigente, possibilitando a sua aplicação a um caso concreto. A lei e o costume são fontes formais.

                         As fontes formais podem ser: estatais e não estatais.

                         Fontes formais estatais, são aquelas que decorrem do exercício do poder público, quando o Estado através das suas instituições faz afluir o direito, quer em sua gênese através da sua função de legislar, quer em sua aplicação, através da sua função jurisdicional.

                         Fontes formais não estatais, são aquelas que decorrente do convívio social, donde aflora o direito sem que isso tenha ocorrido por qualquer iniciativa do Estado. 

                         OUTRAS DIVISÕES DAS FONTES DO DIREITO.

                         Em sua obra, o jurista Daniel Coelho de Souza (2) faz a classificação das fontes do direito em imediatas e mediatas.

                         A fonte imediata é representada pela lei.

                          As fontes mediatas são a doutrina, jurisprudência, costume, fatos históricos, políticos etc...

                         Sobre fonte imediata, é interessante o que comenta Daniel Coelho de Souza, quando afirma: (...) O jurista não pode dirigir-se a um tratado teórico para responder a uma consulta, ou guiar-se de início pela jurisprudência. Seu primeiro dever é ir à lei para procurar a solução. Somente se não encontra solução nela, passa ao costume, depois a jurisprudência e, por último à doutrina (...)

                         Ainda, quanto as fontes do direito, o mestre destaca ainda as formas originária e derivada.

                         Originárias – quando de um movimento insurrecionista, há quebra da continuidade histórica do direito positivo, o poder revolucionário institui uma nova ordem.

                         Derivadas – são limitadas umas pelas outra, a Jurisprudência pela lei, a lei pela Constituição...


                    III. A JURISPRUDENCIA. 

                         3.1. DEFINIÇÃO.

                              Miguel Reale – Pela palavra jurisprudência (strictu sensu) devemos entender a forma de revelação do direito que se processa através do exercício da jurisdição, em virtude de uma sucessão harmônica de decisões dos tribunais.

                              Etimologia - De origem latina, júris (direito)+ prudentia (sabedoria).

                              Em resumo próprio ao estudo acadêmico, pode-se definir jurisprudência como o entendimento dos magistrados, exteriorizados em sentenças ou acórdãos, nos  quais manifestam, de forma harmônica, conhecimentos acerca do direito aplicado a um caso concreto, cujos fundamentos das decisões são colocados à disposição da comunidade jurídica através de publicações, servindo como base a pesquisa em contribuição ao saber jurídico.

                              O termo jurisprudência, segundo o magistério de Paulo Nader (3), sofreu uma variação semântica; o vocábulo foi empregado em Roma para designar a ciência do direito (conhecimento das coisas divinas e humanas, ciência do justo e do injusto). Hodiernamente ainda é aplicado, mas com pouca freqüência.


                         3.2. ESPECIES. 

                              Secundum legem– É a que se tem de mais pacífica, posto que se limita a julgar  in concrectu casu de acordo com a fiel expressão das regras definidas na ordem jurídica, quando as decisões judiciais refletem o verdadeiro sentido das normas vigentes, não se havendo confronto das ilações do interprete à construção vernacular do preceito.

                              Praeter legem – Em se tratando de aprimoramento da regra, a jurisprudência tem importante papel como heterointegradora do direito. Embora que o Art. 4º da LICC não tenha nominalmente inserido a jurisprudência para suprir as chamadas lacunas da lei,  a tabula rasa da interpretação mecanicista não lhe haverá de dar exclusão, pelo contrário, por uma questão técnica, racionalmente por ilação a mencionada norma de superdireito a ela se amplia. 

                              Destarte, a jurisprudência, nas antinomias, se apresenta como solução nas situações onde a regra é confusa ou omissa, e, até mesmo, como atualizadora do direito, agindo o magistrado como se estivesse, na imperfeição vernacular, em subsunção ao trabalho do legislador, criando uma norma, paralela ao texto da lei.

                              Segundo Miguel Reale, há oportunidades, entretanto, em que o trabalho jurisprudencial vai tão longe que, de certa forma, a lei adquire sentido bem diverso do originariamente querido. As palavras do eminente jurista brasileiro se dão em face a princípios da hermenêutica próprios ao exame das razões teleológicas da norma.

                              Acerca desta subsidiariedade da jurisprudência em suprir as lacunas da lei, exemplo bem interessante ocorre no que concerne a regra adjetiva pertinente a prisão em virtude de mandado. A disciplina do artigo 293 do Código de Processo Penal limita a ação do agente público, quando expressa que, durante a noite, na oposição do morador ou de pessoa a ser presa, o executor não poderá invadir a casa, devendo guarnecer as saídas e esperar que amanheça para se dar cumprimento ao mandado.

                              Inobstante decorrido quase meio século após a positivação do referido preceito, até hoje o legislador ainda não definiu, nos parâmetros do crepúsculo e da alvorada, a partir de qual momento se pode dizer já ser noite. Para isso seriam dois os critérios:

                              O primeiro, de ordem da geografia física, que permitiria se definir a noite quando, parca a luminosidade solar em decorrência aos movimentos da terra, a visibilidade do ambiente se tornasse bem difícil ou impossível;
          
                              O segundo, de ordem cronológica, quando a noite seria definida com a indicação de um período quantificado em horas, para o início e término.

                              Diante da omissão legislativa, o STF deu complemento a regra processual, optando pelo critério cronológico, firmando o entendimento de que o dia começa às 06:00 e termina às 18:00 hs, daí que, o tempo não contido neste período, seria o correspondente à noite, razão pela qual a pragmática forense limita o cumprimento do mandado de prisão até às 18:00 horas.

                              Pelo o que se vê a situação da norma em comento é bem própria a parêmia lex minus scripsum quan voluit, bem adequada ao estudo da hermenêutica; neste sentido a jurisprudência vem a inteirar uma norma, parca em sua expressão literal, daí que o complemento funciona como se regra fosse.

                              Contra legem – é aplicada em hipótese da lei anacrônica pela lentidão do legislador em acompanhar as mudanças da sociedade, o que levaria à inutilidade da regra em face aos valores atuais e ao conseqüente descaso social. Neste sentido expressa Paulo Nader (...) Tal situação decorre, muitas vezes, da má ou insuficiente legislação e da inércia do legislador, que permite a revolta dos fatos contra o direito(...) 

                              Ainda no que se torna extensivo ao tema, o jurista faz interessante abordagem sobre a lei injusta, pelo o que há de se concluir que, em tal hipótese, a jurisprudência surge como saneadora de conflitos, pela preponderância axiológica que deve existir em cada preceito. 

                              Segundo ele, a lei pode ser tida como injusta em três situações: as injustas por destinação, as casuais e as eventuais.

                              Em raciocínio ao que diz o grande mestre, as injustas por destinação, são aquelas que sob direcionismo do ocasio legis, nascem com o pecado original e levam consigo o selo da imoralidade. Neste caso o legislador tem consciência do erro, porém por interesses particularizados, irreleva as imperfeições e, assim mesmo, as coloca em vigência. 

                              Na outra situação, as injustas casuais, não surgem por força de imperfeição volitiva do legislador, mas sim em face de equívocos nas câmaras do legislativo, daí a regulamentação ter sido feita de forma infeliz, como uma falha na política jurídica, ao que ora se acrescenta a doutrina do mestre: que seja até mesmo em razão às aptidões intelectuais de alguns dos caminhoneiros do congresso, em não dominar os institutos e o sistema jurídico.

                              Por último, as injustas eventuais, estas também não decorrem da ma fé do legislador; nascem até mesmo sendo justas, ocorre que, quando da sua aplicabilidade, podem enveredar por interpretações dispares e tomar feições opostas ao seu sentido, de acordo com a particularidade de cada caso em si.

                              Embora que esta seja a realidade do direito positivo, ocorre que, ainda assim ao julgador existem técnicas próprias a solução de qualquer impasse. Neste sentido, Paulo Nader conclui da seguinte forma: (...) Entendemos que não cabe ao aplicador do direito, em princípio, abandonar os esquemas da lei, sob a alegação de seu caráter injusto. Alguns resultados positivos poderão ser alcançados mediante os trabalhos de interpretação do Direito objetivo. Uma lei injusta normalmente é um elemento estranho no organismo jurídico a estabelecer um conflito com outros princípios inseridos no ordenamento. Ora, como o aplicador do direito não opera com leis isoladas, mas as examina e as interpreta à luz do sistema jurídico a que pertencem, muitas vezes logra constatar uma antinomia de valores, princípios ou critérios, entre a lei injusta e o ordenamento jurídico. Como este não pode apresentar contradição interna, há de ser sempre uma única voz de comando, o conflito deverá ser resolvido e, neste caso, com prevalência da índole geral do sistema(...)


                         3.3. A JURISPRUDENCIA COMO FONTE DE PRODUÇÃO DA NORMA.

                              Como é sabido, em face ao princípio fundamental da tripartição de poderes  inserido na Carta Política da República, os tribunais não tem função legiferante, e, assim, jamais haver-se-á de conceber que seus arestos se equivalham ao imperativo de uma lei, daí perfunctório se dizer que, em sua acepção técnica, jurisprudência não é norma. Ocorre que a interpretação das cortes de justiça, pela sua natureza científica, pode servir de base ao legislador, tanto para a instituição do direito ainda não contemplado pela ordem, quanto ao aprimoramento desta.

                              Na sua tarefa heterointegradora, no sentido de dar complemente a lei em face a um caso concreto, como o objetivo de apenas aplicar o direito, porém, dada a repercussão de um julgado, a sociedade o toma como um grande avanço, daí ser obvio que a ressonância vá bem mais além da comunidade jurídica, criando consciência de valor nos membros do legislativo.

                              Na história do direito nacional, exemplos bem adequado existem, sobre o fato dos tribunais anteverem ao legislador, dentre os quais a questão da reparação civil pela ocorrência de um dano moral.

                              As chamadas lesões do íntimo não foram objeto de matéria normativa até ao advento da atual Constituição Federal, entretanto, inobstante a inércia do legislador, remonta a quase meio século a discussão sobre o tema, dentro dos tribunais. 

                              Segundo informações de Silvio Rodrigues (4), independentemente da falta de previsão legal, após grandes controvérsias, finalmente em 1970, o Supremo Tribunal Federal, em memorável voto do relator Min. Moacir Amaral Santos, por unanimidade, firmou entendimento no sentido de ser juridicamente possível alguém ser indenizado por lesões subjetivas, neste caso o foi em razão da tristeza sofrida pela perda de um ente familiar, independente de qualquer outro aspecto material.Tal a amplitude e complexidade do debate que, se tornou imprescindível uniformizar-se entendimentos, daí que se formulou a Sumula 491/STF, abrindo-se grande precedente para a indenização em outros casos dos danos de ordem psicológica.

                              Pela natureza do direito e pelas conseqüências de ordem pecuniária, irrefutáveis em seu plano axiológico, a vertente do óbvio o concretizou na produção substancial de uma regra e, por conseguinte, culminou na assimilação do direito pelo legislador. Em 1988, no bojo de tudo o que se discutiu na Assembléia Constituinte, o entendimento jurisprudencial de que cabe indenização ao dano moral, finalmente foi integrado a ordem jurídica e transformado em regra, ex vi art. 5º, V e X da Magna Carta.

                              O fato agora trazido a estudo, faz ressaltar o que observa Portalis, citado por Paulo Nader, ao dizer do jurista francês, que embora sob forte influencia napoleônica, afirmou que (...) é necessário que o legislador vigie a jurisprudência... mas também é necessário que tenha uma"(...) 

                              Por tudo o que se demonstra, no que se possa reportar sobre a já referida dualidade do enfoque sobre o estudo de fontes do direito, a que se reporta Daniel Coelho de Souza, a jurisprudência tanto serve para a aplicação da norma ao interpretar o direito, quanto pode ofertar luz ao legislador e, assim, contribuir para o aprimoramento da ordem, com a criação da norma pertinente aquela situação


                         3.4. A SOLUÇÃO PARA O CONFLITO JURISPRUDENCIAL.


                                        “Diante dos mesmos fatos e com base nos mesmos textos legais, pode o trabalho de coordenação normativa ser diferente. Pode um magistrado citar um texto legal em conexão com outros preceitos e chegar a conclusões diferentes das aceitas por outro juiz, inspirado em critérios diversos”.

                              Na expressão da epígrafe acima, do grande jurista brasileiro Miguel Reale, vem à baila aquilo que é teórico a dinâmica da social dialética hegeliana, sendo evidente que o direito como uma ciência social também passa pelas contradições. Na tarefa de julgar, a autoridade judiciária pode assimilar valores distintos aos de outro e, destarte, dar outro entendimento no desfecho da causa.

                              Embora que a questão a prima facie possa até denotar difícil solução, o que é próprio às controvérsias de ordem teórica, eis que a legislação processual, harmônica aos pressupostos próprios a atividade jurisdicional, apresenta fórmulas ao deslinde, em princípio, quando torna possível o reexame da causa, ao duplo grau de jurisdição, no direito da parte descontente, de recorrer no sentido da reforma da decisão, no que lhe foi desfavorável. 

                              Em se tratando de reapreciação de uma decisão singular, no modelo do judiciário nacional, hierarquicamente organizado em instâncias, alhures ao juízo retratativo das decisões interlocutórias, o reexame se fará, não mais na ordem monocrática, mas sim através de um colegiado (desembargadores ou ministros), que compõem a Corte de Justiça vinculada ao dissídio, cujo julgado, em forma de acórdão, poderá manter ou reformar a decisão recorrida.

                              Quando do reexame da causa em superior instância, ainda pode a análise da lide desdobrar-se nos moldes da social dialética, destarte, pode ocorrer divergência na aplicação da regra, como seja, uma seção, turma ou câmara pode julgar de forma diferente de outra, ou um integrante da corte pode divergir de outro, o que não perpetua a indefinição. No âmbito da organização de um Tribunal, em havendo discrepância de voto, as vias recursais ainda tornam possível o reexame do dissídio por um órgão superior, julgado conforme dispuser o seu regimento.

                              De bom proveito o que ensina Maria Helena Diniz (5) acerca do papel das cortes de justiça como estabelecedoras de possível uniformização das decisões judiciais, impulsionadas pelas vias recursais, quando a decisão de um juiz ou tribunal é submetida a outro tribunal de categoria superior, com competência para reformá-la ou anulá-la.

                              Na hipótese em que seja da competência das cortes superiores a reapreciação da contenda, em última instância, uma vez suscitados os incidentes decorrentes das contradições, estes serão objeto de uniformização de jurisprudência, quando, serão julgados, na forma regimental, culminando o decidido em sumulas,  aprovadas por maioria absoluta.

                              É de se ressaltar, portanto, que nem todas as decisões dos tribunais serão objeto de edição de súmulas, mas somente aquelas que, em procedimento próprio, seja suscitado pela parte o feito denominado de incidente de uniformização de jurisprudência. Ao dirimir as contradições entre suas turmas, seções ou câmaras, a decisão hierarquicamente superior será compendiada em súmula devidamente registrada e numerada, disponibilizada a comunidade jurídica através de repositórios oficiais e outros autorizados. 

                              Súmula, na acepção mais corrente que se lhe tem dado, consiste num enunciado sintético que contém a interpretação uniformizada do Tribunal sobre uma dada matéria. 

                              Inobstante que os tribunais apresentem mecanismos para a solução de conflitos, ao operador do direito é aconselhável que esteja atento a certas peculiaridades acerca dos julgados a fim de que a jurisprudência possa fluir de forma serena na sua função de melhor orientar para o mais célere convencimento de quem julga, daí que devem ser observadas certas peculiaridades e circunstâncias em que se deu o julgado, como sendo:

                              Hierarquia – Uma vez que a justiça nacional está estratificada em instâncias, é obvio que os julgados das cortes superiores devam prevalecer sobre as inferiores, do que extrai, por exemplo, que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, embora não vinculante, tenha mais força de convencimento do que outra manifestada por um tribunal estadual, abrindo-se precedente que, bem utilizado em sua fundamentação, pode melhor convencer em favor de uma tese de direito. 

                              Pacificidade – Tanto a discrepância de voto, quanto a divergência de uma seção, turma ou câmara para outra, quando do julgamento do recurso, ou de uma tribunal para outro, significa que ainda não se consolidou o entendimento acerca do direito, daí que se diz não ser pacífica a jurisprudência, por conseguinte, susceptível do contraditório o que pode levar à delonga na contenda e a prolixidade em teses e antíteses. Destarte, a melhor jurisprudencia é aquela na qual o julgado se dá de forma unânime.

                              Atualidade - A natureza daquilo que é mais recente sempre conduz a idéia progressista e de aprimoramento. A leitura dos periódicos onde são publicados os arestos, é tarefa contínua do profissional do direito. Atualmente a modernidade facilitou pelos meios eletrônicos o acesso a essas informações e se aferir aquilo que seja de mais recente. É temerário o uso de julgados de muitos anos atrás, sob o risco de serem contestados, replicados ou contra-arrazoados como vetustos.


                         3.5. A MUTABILIDADE DA JURISPRUDENCIA.

                                   Em inteligência ao que observou Augusto Conte em sua generalidade decrescente, citado por Maria Helena Diniz, em não sendo a sociologia uma ciência essencialmente normativa, naturalmente que veio a permitir autonomia do direito como área do conhecimento, naquele critério que Conte chamou de complexidade crescente, como seja, a sociologia não teria mais como comportar dentro de si o incomensurável arcabouço teórico do direito, em face a normatividade social. Por conseguinte, que o operador do direito, embora com autonomia em seu objeto cognoscível, possui roots profundas vinculadas ao comportamento social, no que concerne ao que possa estar afeto a normatividade. Assim, em sendo uma das características dos grupos sociais a mutabilidade, eis que o direito também se vincula a este pressuposto da sociedade, daí que não só preceitos jurídicos se modificam, mas também o raciocínio sobre a regra, ao munus de assimilar outros valores da sociedade. 

                              Ao discorrer sobre o tema Função prática da sociologia para o legislador, Recásens Siches (6) traz preleção bem interessante a esta mutabilidade que é própria à sociedade quando assim expressa: (...) conquanto os valores jurídicos sejam objetos com validade apriorística, para por em prática as exigências normativas que defluem desses valores, é preciso fazê-lo, em, sobre e como uma matéria social que seja essencialmente histórica, como é a vida humana, que é variada nos diversos lugares e modificada nos transcurso do tempo; e, portanto, há fontes de historicidade para os ideais jurídicos – creio que há nada menos que cinco fontes de historicidade. Uma dessas fontes consiste precisamente no fato da variedade de matérias sociais e a diversificação e modificação destas no processo histórico e as conseqüências e alterações que experimenta a vida humana. Outra fonte de variedade e de modificação consiste no fato das particulares necessidades concretas em cada situação e momento histórico (...) 

                              Ainda, nesta contextualização, é interessante, mencionar-se o magistério de Paulo Dourado Gusmão (7), quando assim expressa: (...) Como a jurisprudência decorre da interpretação de um direito positivo por parte dos juízes, que, como homens, podem ser dotados de pontos de vista, saber, crenças, ideologias e valores diferentes, pode ocorrer que, com a modificação das épocas ou dos juízes, se modifique também a jurisprudência e, como conseqüência, o direito positivo que dela decorre(...) 

                              Importante no estudo desta fonte do direito é o que manifesta o multicitado jurista Miguel Reale, quando assim observa: (...) O juiz é autônomo na interpretação e aplicação da lei, não sendo obrigado a respeitar, em suas sentenças, o que os tribunais inferiores ou superiores hajam consagrado como sendo direito. Nem tampouco os advogados devem exercer a sua profissão com os olhos postos exclusivamente no que os tribunais decidem. Há advogados, cuja sabedoria consiste em fazer fichas de decisões dos tribunais, para seguirem “pari passu”e passivamente, tudo aquilo que no foro se dite ou se declare como sendo Direito. Muitas vezes, entretanto, a grandeza de um advogado consiste exatamente em descobrir uma falha na jurisprudência tradicional, abrindo caminhos novos na interpretação e aplicação do direito. O verdadeiro advogado é aquele que, convencido do valor jurídico de uma tese, leva-a a debate perante o pretório e a sustenta contra a torrente das sentenças e dos acórdãos, procurando fazer prevalecer o seu ponto de vista, pela clareza do raciocínio e a dedicação à causa que aceitou. É nesse momento que se revela advogado por excelência, que se transforma em jurisconsulto (...)

                              Embora consolidada através de reiteradas decisões dos Tribunais ou devidamente sumulada, em sempre se concebendo o direito na dinâmica social da dialética, ainda assim a jurisprudência não haverá de ser tida como um dogma, portanto, poderá ser objeto de questionamento.

                              Com vista ao que manifesta Miguel Reale, extensiva ao papel do advogado como elemento essencial a administração da justiça, é bom que não se perca de vista o exemplo trazido neste texto sobre o debate acerca do histórico reconhecimento jurídico do dano moral. Naturalmente que não se deu sponte própria, como seja, pela iniciativa dos tribunais, até mesmo em razão ao princípio da inércia que é próprio a função jurisdicional, como seja a autoridade judicante somente manifesta juízo quando provocada através de um pedido, que é próprio ao postulante da causa.

                              Diante das primeiras decisões judiciais, que nos idos da experiência judicial, rechaçavam os danos psicológicos e somente admitiam os danos materiais a ensejar uma indenização, a exemplo da perda de um membro ou função que trouxesse limitações na capacidade laboral da vítima ou, diverso, que lhe provocasse uma perda ou diminuição em seu patrimônio, há de se indagar: Como ficaria o aprimoramento do direito se, o postulante aquela época, contrariado em sua antítese pela decisão adversa, auto-desmerecesse os seus argumentos, esmorecesse e desertasse do dissídio? 


                         3.6. A SUMULA VINCULANTE.

                              Uma vez sabido que a súmula seja um instrumento de uniformização de jurisprudência, quando estiver a ocorrer divergências de julgados no âmbito do judiciário, o termo vinculante se apresenta como um imperativo no sentido de que nenhuma decisão a posteriori a edição da súmula, possa divergir do seu enunciado. 

                              A súmula, assim, bem ao modelo anglo-saxônico, passa a ser de efeito vinculante, uma inovação processual divergente do modelo tradicional que possui apenas o caráter de orientação, destarte, o efeito obrigaria os demais órgãos do Judiciário a seguirem determinada interpretação emitida pelo Supremo Tribunal Federal.

                              Através da EC 045/04, que modificou o Art. 103 da Constituição Federal, o Supremo Tribunal Federal foi autorizado a aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. A referida emenda constitucional foi devidamente regulamentada pela Lei nº11.417/06

                              O tema súmula vinculante ganhou ênfase em razão da crise em que passa ao abarrotado judiciário nacional, com milhares de recursos junto as cortes superiores, situação que se multiplica a cada dia; muitos deles seriam repetitivos e de vetustos argumentos, destarte, superados pelos tribunais.

                              Diante deste quadro caótico, exsurge a súmula vinculante, nem tanto preocupada com o mecanicismo que importara ao juízo singular, mas sim como o resultado de um lobby das cortes superiores junto ao poder central, em face a repercussão política do fato. Ao se tratar, na realidade, do afogamento do judiciário com mais ênfase no STF, justamente este sediado em Brasília, não deve ter sido difícil articular junto ao congresso para inserir emenda à Magna Carta no sentido de adotar fórmulas a restringir o constitucional direito ao recurso, que também implica em restrição do acesso do cidadão ao judiciário.

                              Numa metáfora bem sugestiva, como se estivesse em um circuito automobilístico, a solução não seria a de que fossem inseridas melhores peças na emperrada máquina ou que se abastecesse com combustível super aditivado, para que, potente e veloz, ganhasse grande desenvoltura, mas sim, que se conservasse como está, apenas que não mais se permitisse, que aqueles que dela imprescindivelmente precisam, continuassem a trazer à sua carroceria, cargas e mais cargas, cujo peso a sua estrutura já há bastante tempo não mais comporta.

                              Se, o que desagrada é fato do irrestrito direito de acesso do cidadão ao judiciário, trazendo consigo alguma iniciativa para o reexame de alguma decisão que lhe foi desfavorável e que, o prestador jurisdicional considere isso como se as porteiras estivessem, assim, abertas ad infinitum às vultosas ações e recursos, como se indesejável sobrecarga fosse, a solução não seria outra senão prover eficiência e potencia à maquina, como seja: combater o reduzido número de magistrados, dos agentes e órgãos auxiliares da justiça e, ainda, o evidente desaparelhamento do poder judiciário, estes, sim, que juntos, culminam na demora da prestação jurisdicional.

                              Além desses problemas da ordem dos recursos humanos, de espaço físico e tecnologia, outros existem a serem corrigidos, como seja, o próprio modus operandi da judicância nacional, que enseja mudanças com a reforma na legislação, sem que para isso seja necessária a imposição de óbice ao irrestrito acesso do cidadão ao judiciário.

                              A mudança na lei permitiria, neste hipotético circuito, o aplainamento das vias onde a máquina iria passar, a exemplo da implantação de procedimentos prévios a encetar a fase postulatória, tais como a prévia triagem dos pedidos no sentido da composição entre as partes independente do valor da causa, com a criação de grupos de conciliadores e, ainda, designação de juízo arbitral; concessão de prerrogativas aos procuradores da Fazenda Pública para transacionarem a dívida pública em juízo; do Ministério Público para desistir da Ação Penal em face ao princípio da insignificância, etc... etc... etc...

                              Ainda é oportuno ao tema morosidade na prestação jurisdicional, a questão do controle externo do judiciário, em face ao corporativismo de seus membros, que não admitem fiscalização e cobranças das instituições que o impulsionam. Atente-se que na realidade, os prazos somente valem para os advogados; estes sim, se não obedecerem, dependendo de cada situação, terão suas postulações obstadas pelos efeitos legais da inércia, com repercussões deônticas e reparatórias em favor do cliente. É comum, por exemplo, o magistrado encerrar uma instrução e, ao lhe ser concluso o processo, extrapolar ao decêndio e passar meses e até anos para a prolatação de sentença, sem que isso implique em qualquer nulidade, ou sanção administrativa a este. 

                              A discussão sobre a adoção da sumula vinculante ganha corpo em sentido contrário na opinião dos juristas, recebendo sérias censuras.

                              Dentre as matérias veiculadas pela imprensa nacional é bem oportuna a que mencionou o Ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, que se posicionou radicalmente contra a súmula vinculante, durante audiência pública sobre a reforma do Judiciário na Comissão de Constituição e Justiça do Senado. Thomaz Bastos defendeu ainda o controle externo do Judiciário e apresentou aos senadores outros pontos da reforma prioritários ao governo.

                              O ministro afirmou que a súmula vinculante  (...) é um remédio aparentemente milagroso, ao qual se atribui o condão de limpar a pauta dos tribunais e acabar com a morosidade (da Justiça)" mas que tem "tantos efeitos colaterais que acredito ser uma temeridade a sua implantação"(...). Para Thomaz Bastos, a medida engessaria a primeira instância da Justiça e esterilizaria o judiciário. A súmula vinculante é um mecanismo pelo qual os juízes são obrigados a seguir o entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) que não tardará a surgirem mudanças para se tornar extensivo aos demais tribunais superiores.

                              Alhures, aos comentários do ministro, o direito tende ao mecanicismo bem ao sabor dos exegetas. Acima de tudo, a sumula vinculante coloca em risco a dialética que é própria a ciência jurídica, no sentido das contradições que são próprias as pessoas quando em contenda, onde não pode existir cerceamento e mordaças. Acima de tudo, é clássica a realidade de que, se o direito se aprimorou até o estagio atual, isso se deu em razão ao debate, próprio aos pensadores do direito, no modelo criado pela filosofia, irmã do direito, o que lembra fóruns interessantes como o Ateneu de Aristóteles e a Academia de Platão, em cujos ambientes se ampliaram conhecimentos.


                  IV. A DOUTRINA.

                        4.1. DEFINIÇÃO.

                              Maria Helena Diniz – A doutrina decorre da atividade científico-jurídica, isto é, dos estudos científicos realizados pelos juristas, na análise e sistematização das normas jurídicas, na elaboração das definições dos conceitos jurídicos, na interpretação das leis, facilitando e orientando a tarefa de aplicar o direito, e na apreciação da justiça ou conveniência dos dispositivos legais, adequando-os aos fins que o direito deve perseguir, emitindo juízos de valor sobre o conteúdo da ordem jurídica, apontando as necessidades e oportunidades das reformas jurídicas. 

                              Paulo Nader – A doutrina ou direito científico, compõe-se de estudos e teorias, desenvolvidos pelos juristas, com o objetivo de sistematizar e interpretar as normas vigentes e de conceber novos institutos jurídicos, reclamados pelo momento histórico. É a communis opinio doctorum.

                              Savigny– Chamou de direito científico ou direito dos juristas.

                              Carcia Maynez – É o estudo de caráter científico que os juristas realizam a respeito do direito, seja com o objetivo meramente especulativo de conhecimento e sistematização, seja com o escopo pratico de interpretar as normas jurídicas para a sua exata aplicação.

                              Etimologia – Vem do latim doceo (ensinar) 

                              Como o presente estudo se destina a comunidade acadêmica, numa versão mais perfunctória, a doutrina é representada pela literatura jurídica produzida pelas elucudações dos juristas, que em suas obras fazem direcionadas de forma especial ao estudo dos institutos e pressupostas jurídicos, sempre articulados a dogmática jurídica e, assim, escrevem de forma brilhante, de cujos tratados, compêndios e obras, se produzem no sentido do enriquecimento do saber, tanto daqueles que operam o direito (advogados, promotores e magistrados) quanto aqueles laboram com o processo legislativo.


                         4.2. A DOUTRINA PODE DESIGNAR TAMBÉM PRINCÍPIOS. 

                              Ex. Doutrina de Monroe (América para os americanos) - Doutrina de Tobar (Não se reconhece o Estado surgido de golpe e que não houve legitimação do poder pelo povo). 


                         4.3. ORIGENS.

                              Surge na Roma antiga, quando o Imperador Augusto concedeu a uma classe de intelectuais, que tinham o jus publice respondendi, a tarefa de responder as questões jurídicas, cujos pareceres se tornavam incontestes.

                              Conforme escreve A. Machado Paupério: (8)  (...) Na época de maior esplendor do direito romano, a opinião dos juristas foi a fonte mais importante do direito. Valia sobretudo a opinião de cinco juristas: Caio, Papiniano, Paulo, Ulpiano e Modestino. Em caso de critérios diferentes, prevalecia a opinião da maioria, mas se nem todos se haviam pronunciado sobre o caso e havia empate, prevalecia o parecer de Papiniano, na ausência do qual, podia o juiz seguir a doutrina que lhe parecia mais justa (...).

                              Com o codicismo, oficialmente a doutrina veio a perder a sua obrigatoriedade, sendo substituída por textos, quando entra em cena o legislador.

                              Outro exemplo citado pelo jurista, acerca da doutrina com força de obrigatoriedade, ocorre no direito espanhol dos Séculos XIV e XV, nas chamadas pragmáticas de Madri, quando as opiniões de alguns jurisconsultos eram prestigiadas pelo Estado, no sentido de fiel observância.


                    4.4. ESPECIES. 

                              Segundo Paulo Dourado de Gusmão, a exemplo do que se faz quando do estudo da jurisprudência, como fonte do direito, o termo secundum legem, praeter legens e contra legem também se presta ao estudo da doutrina, em relação a dogmática.

                              Secundum legem– Se decorre da fiel interpretação por parte do jurista, de um texto legal, sem manifestar contradições ao que expressa o seu conteúdo, de cunho esclarecedor daquilo a que se propõe na norma.

                              Praeter legem – Quando as obras dos juristas ofertam luz ao operador do direito no sentido de solucionar quando da regra confusa ou omissa.

                              Contra legem– A doutrina tem eficácia para os legisladores, indicando, tanto reformas a serem introduzidas ao direito positivo, quanto mudanças na interpretação do direito. 


                    4.5. A INFLUENCIA DA DOUTRINA NA LEGISLAÇÃO E NA JURISPRUDENCIA.

                         Em nossa época, embora que a doutrina não mais tenha essa natureza vinculante da época do imperador Augusto, em que os doutrinadores já não mais declaram o direito, porém, a sua influência é irrefutável, tanto para a lei, quanto para a jurisprudência.

                         Miguel Reale embora não admitindo ser a doutrina uma fonte do direito, por não se originar da estrutura do poder, até mesmo se reportando aos jurisconsultos de Roma como o tribunal dos mortos, reconhece a importância do seu papel junto ao aprimoramento do direito, consoante expressa em sua obra: (...) O fato de não ser fonte do direito não priva, todavia, a doutrina do seu papel relevantíssimo no desenrolar da experiência jurídica. Na realidade, a sua função é de outra natureza, como se depreende do confronto entre o que é produzido pelas fontes e o que é revelado pela doutrina (...)

                         Observa Orlando Gomes, exerce a doutrina, influência pelo ensino ministrado nas faculdades de direito, pois são os juristas que formam os magistrados e advogados, preparando-os para o exercício dessas profissões pelo reconhecimento dos conceitos e teorias indispensáveis à compreensão do ordenamento jurídico.

                         No que concerne a contribuição dos doutrinadores para a tarefa de legislar, no Brasil, Clovis Beviláqua, autor de inúmeras obras de direito foi o grande idealizador do anterior Código Civil, de cujo projeto o foi de sua lavra, na íntegra.

                         A missão do doutrinador, além de inspirar a criação da norma, também se presta ao seu aprimoramento, sempre em função ao sentido axiológico nela implícita.

                         É bem memorável o trabalho dos grandes pensadores do direito nacional em relação aquela particularidade do Direito de Família, que em outros tempos, não muito distantes, se reportava a filiação, no tocante ao que se dizia filiação ilegítima, onde até a própria doutrina, em razão ao momento histórico que se vivia, dava a alguns, a denominação teratológica de espúrios.

                         Foram muitas as críticas  nos trabalhos dos juristas, para a mudança nas regras que então não permitiam o reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento. Absurdo até, se acreditar que alguém viesse ao mundo já concebido sob uma mácula de bastardo, sem que tivesse contribuído de qualquer forma para a cópula de seus pais e para a sua concepção, muitas vezes indesejada.

                         Diante das luzes desses cientistas do direito, finalmente vislumbrou-se o justum, quando o constituinte, ao elaborar regras básicas sobre os direitos da família, colocou fim a discriminação, com a Magna Carta ex vi Art. 226, §6º, equiparando todos os filhos, havidos ou não da relação de casamento ou por adoção, estendendo igualdade de direito a todos.

                         Importante ainda neste cotejo, da doutrina com as outras fontes do direito, o que esta representa para a formulação da jurisprudência. É comum os magistrados fundamentarem suas decisões fazendo colações aos doutrinadores do direito nacional, ao dar solução aos problemas que lhe são apresentados. 

                         Conclusivamente, ainda no que pertine a dualidade do enfoque sobre o estudo de fontes do direito, a doutrina tanto serve para a aplicação da norma ao interpretar o direito, quanto pode ofertar luz ao legislador e, assim, contribuir para o aprimoramento da ordem, com a criação ou alteração da norma pertinente aquela situação


                    V. O COSTUME.

                         5.1. DEFINIÇÃO.

                              Maria Helena Diniz– É uma norma que deriva da longa prática uniforme ou da geral e constante repetição de dado comportamento sob a convicção de que corresponda a uma necessidade jurídica.

                              Ulpiano - O tácito consenso do povo, inveterado por longo tempo.

                              Paulo Nader – Um conjunto de normas de conduta social, criadas espontaneamente pelo povo, através do uso reiterado, uniforme e que gera a certeza de obrigatoriedade, reconhecidas e impostas pelo Estado.

                              O costume que deve ser objeto do estudo do direito é o costume jurídico, como seja, aquele capaz de gerar direitos e obrigações. O costume sem esta essência, é o costume apenas de convivência social, sem nenhuma repercussão no mundo jurídico.

                              Em versão mais didática e simplificada pode-se resumir a definição do costume como normas de direito que surgem por motivos práticos da sociedade, quando, na ausência da norma legal específica a determinada situação, a necessidade de disciplina leva o povo a criar regras não escritas que, assimiladas de forma geral e por grande período de tempo, ganham caráter de efetividade e passam a merecer o respeito daqueles que a utilizam, o que conduz a serem prestigiadas e observadas pelo Estado.


                         5.2. ESPECIES.

                               O costume, a exemplo da jurisprudência e da doutrina, também pode ser secundum legem, praeter legem e contra legem, porém com certas peculiaridades, em razão do seu caráter normativo.

                              Secundum legem – Em um primeiro sentido é o costume que se consagra no meio social sem discrepância a ordem, em seus aspectos éticos e axiológicos, daí que muitas vezes passa ao domínio escrito, transubstanciando-se em lei.

                              Em outro sentido, é o costume que, conservando a sua forma não escrita, é reconhecido pelo legislador como preceito íntegro, daí que a lei recomenda que seja observado. No nosso direito, por exemplo, o art. 1297, § 1º do Novel Código Civil recomenda seja meação de despesas com cercas, tapumes, etc..., de acordo com o costume local.

                              Praeter legem – É o costume que se reveste de caráter supletivo da norma de acordo com o Art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil, suprindo a lei nos casos omissos. Exemplo dessa pratica diz respeito ao cheque pós-datado, que se constatado ter sido emitido como garantia de divida, trazendo no verso a expressão  bom para o dia tal, o fato da insuficiência de fundos, se apresentado antes da data convencionada, não constitui o ilícito penal do estelionato.

                              Contra legem – É a espécie de costume que se concretiza em contrário a expressão da lei. Nele se apresentam os casos do consuetudo abrogatório, que implicitamente é revogatório do preceito a que se contrapõe e o desuetudo , que consiste a não aplicação da lei em virtude do desuso, quando a realidade é mais forte que o preceito legal, o que a torna, no dizer jurídico, a regra da lei como uma letra morta.

                         Diante desta peculiaridade, há de se indagar: pode o costume revogar uma lei?

                         Pela implicância técnica que circunscreve o tema, levando-se em conta a norma legal, pelo seu lado formal e de que somente uma lei pode revogar outra lei, a resposta seria não. Ocorre que, em muitas vezes, como a sociedade impõe desvalor, irreleva a norma e não mais utiliza, é como revogada estivesse, sendo óbvia a sua conseqüente exclusão da ordem, não pelo costume, mas, no despertar do legislador, pelos termos expressos de uma outra lei.

                         Ainda circunscrito ao tema vem outra indagação: pode a lei revogar o costume?

                         Neste caso haverá de preponderar o direito escrito, como sendo, na situação puramente hipotética de uma lei vir a dispor ao contrário da norma consuetudinária, a supremacia política da organização social na pessoa do Estado, através do seu poder, haverá de prevalecer sobre a tradição.


                    5.3. ELEMENTOS.

                         Consuetudo – É o lado pratico da regra do costume pelo seu real uso pela sociedade, conservando-o em sua vivicitude, eficaz, a reger situações. 

                         Opinio juris et necessitatis – É a convicção de que a norma é necessária, imprescindível às relações, daí o desejo de que seja mantida em sua eficácia.

                         Uniformidade – É necessário o consenso geral do povo, sem insurgências ao comando da regra costumeira e à sua necessidade.

                         Diuturnidade – Verifica-se o costume pelo longo período de tempo em que ele se faz presente no opinio popular, período razoavelmente longo, a se aferir pelo bom senso. A Lei da Boa Razão fixava o período mínimo de 100 anos.

                         Ainda com relação ao costume, embora que este também seja uma regra de conduta, o que lhe dá uma feição identica a regra imposta pela lei, ocorre que existem diferenças básicas entre o costume e a lei, que merecem observância:

                         1.O costume é uma regra não escrita, enquanto que a lei sempre será uma regra escrita.

                         2. No costume não se pode definir a data exata em que este surgiu, dada a sua natureza não escrita, o que obsta qualquer registro histórico, com precisão neste sentido, enquanto que a lei, difundida em forma de documento, possui cláusula de vigência, na qual o legislador expressa a data exata em que passará a vigorar, daí ser fácil de saber em que dia surgiu.

                         3. O costume nasce independente da vontade do Estado, enquanto que a lei somente existirá se o Estado assim a formalizar, através de seu poder próprio.

                         4. A regra do costume, em muitas situações é cosmopolita, como sendo, tem a sua origem em um determinado país e imigra a outro, assimilada e utilizada na íntegra, enquanto que, a regra da lei, somente será aplicada naquele país que a criou. 

                         O costume tanto serve para a aplicação da norma a subsidiar nos termos da LICC, quanto pode influenciar o legislador e, assim, contribuir para o aprimoramento da ordem, com a criação da norma pertinente aquela situação.



BIBLIOGRAFIA.

1. Reale, Miguel – Lições Preliminares de Direito – Ed. Saraiva – 19ª Edição.

2. Souza, Daniel Coelho – Introdução à Ciência do Direito – Ed. Saraiva – 4ª Edição.

3. Nader, Paulo – Introdução ao estudo do Direito – Ed. Forensi – 18ª Edição.

4. Rodrigues, Silvio – Direito Civil – Vol. 4 – Responsabilidade Civil – Ed. Saraiva.

5. Diniz, Maria Helena – Compêndio de Introdução à Ciência do Direito – Ed. Saraiva – 6ª Edição.

6. Sichens, Recasens – Tratado de Sociologia – Vol 1 – Ed. Globo – 1ª Edição.

7. Gusmão, Paulo Dourado de – Introdução ao Estudo do Direito – Ed. Forensi - 15ª Edição.

8. Paupério, A. Machado - Introdução ao Estudo do Direito – Ed. Forensi – 3ª Edição.