Origem do Direito Português

ORIGEM DO DIREITO PORTUGUÊS

O estudo da história do Direito Brasileiro deve necessariamente iniciar-se pela península ibérica e pelo direito português. Importa saber, em seguida, qual foi o direito imposto pela Metrópole à Colônia, bem como as transformações locais que esse direito lusitano sofreu no meio brasileiro.

A península ibérica, especificamente o território que se tornaria Portugal, foi habitada por vários povos antes dos romanos, celtas, iberos, cartagineses, fenícios gregos, entre outros, e os celtiberos, dentre estes destacando-se os lusitanos. Não havia unidade étnica ou política no território. Nessa fase primitiva, anterior à nacionalidade portuguesa, o direito possuía natureza consuetudinária, ligada à religião, embora haja referência a leis que não chegaram até o Brasil.

No início do século VIII da era cristã, os muçulmanos invadem a península ibérica e lá permanecem até o século XV, influenciando sobremaneira os costumes e a cultura da região.

Duraram vários séculos a luta para a expulsão dos mouros da região. O feudo, que se denominava Condado Portucalense, conseguiu formar um reino, com a dinastia de Borgonha e com o reconhecimento da Igreja, em 1139. Com esse reino independente, a luta pela chamada reconquista contra os árabes continuou e o território foi progressivamente sendo conquistado. O reinado de Dom Diniz (1279-1325) foi marcante para a formação da nação portuguesa, pois esse monarca unificou a língua em todo o território e o Português passou a ser utilizado nos documentos públicos, que antes eram redigidos em Latim.

Em Portugal, no século XV, começa-se a sentir profundamente a necessidade de uma legislação que harmonize e sistematize as diversas leis já existentes no Reino. É preciso determinar o domínio exato do direito canônico e do direito romano e, ao mesmo tempo, definir suas relações com o direito nacional.

Direito canônico - Definindo de uma forma muito simplista, o Direito Canônico é o Direito da Igreja, a gama de normas que regem, amparam, determinam direitos, deveres, ritos, formas, normas a serem seguidas para que a Igreja cresça organizadamente e cumpra a sua finalidade nesta terra que é a salvação de todas as almas.

Direito Romano - conjunto de princípios, preceitos e regras que formaram as relações jurídicas do povo romano nas diferentes épocas de sua história.

Ordenações

Ordenações: significa ordens, decisões, ou normas jurídicas avulsas ou as coletâneas que dos mesmos preceitos se elaboraram, ao longo da história do direito português.

No reinado de D. João I (1385-1433), diante das queixas formuladas na Corte em relação ao estado de confusão das leis, o corregedor João Mendes foi encarregado de proceder à desejada reforma. Se na Corte existia a incerteza em relação ao direito em vigor, a falta de precisão era ainda maior no interior do país.

Não estando esta tarefa terminada por ocasião da morte do rei D. João I, Dom Duarte “O Eloqüente”, que reinou de (1433 a 1438), decidiu prosseguir a obra iniciada por seu predecessor. A brevidade do reinado de D. Duarte não lhe permitiu acabar esse "difícil trabalho". Então, o recém nomeado príncipe regente, D Pedro, da continuidade a reforma jurídica. A nova legislação foi confiada ao doutor Rui Fernandes, famoso magistrado do Conselho Real. Rui Fernandes concluiu a obra em julho de 1446. Esse corpo legislativo é conhecido sob o nome de Ordenações Afonsinas, em homenagem ao rei Afonso V que, em 1446, havia alcançado sua maioridade.

Ordenações Afonsinas

Foi elaborada sob os reinados de D.João I, D. Duarte e Afonso V. Como o trabalho foi finalizado no reinado de Afonso V, recebeu o nome de Ordenações Afonsinas. São uma coletânea de leis promulgadas, como primeira compilação oficial do século XV, considerado também o primeiro código da Europa. Compunham-se de cinco livros, compreendendo organização judiciária, competências, relações da Igreja com o Estado, processo civil e comercial.

As Ordenações Afonsinas realizaram, de certa maneira, a sistematização que os tribunais portugueses desejavam, mas o modo de assegurar seu efetivo conhecimento em todo o país necessitava ainda ser compreendido.

Embora com cinco livros, as Ordenações estavam longe de constituir um sistema completo; no direito privado há institutos que são esquecidos e outros excepcionalmente lembrados. Estas Odernações não apresentam uma estrutura orgânica comparada à dos códigos modernos. No entanto, não ficaram em desvantagem comparadas com os outros códigos vigentes na época em outros países.

Essas ordenações ocupavam uma posição destacada na história do direito português: representaram o final da evolução legislativa que vinha desde D. Afonso III, e forneceram as bases das coletâneas seguintes.

As Ordenações Afonsinas constituem, assim, uma importante fonte para o conhecimento do direito anterior à sua publicação. Nem sempre os textos foram reproduzidos de uma forma exata e freqüentemente os compiladores atribuíram a um monarca leis elaboradas por outro.

Ordenações Manuelinas

Durante o reinado de D. Manuel (1495-1521) novamente, o problema da divulgação das Ordenações no Reino foi mais uma vez levantado. A solução se acelerou com a invenção da imprensa que, provavelmente, fez sua aparição em Portugal em 1487.

Mais de 50 anos se passaram depois da compilação das Ordenações Afonsinas. Muitas e novas leis foram decretadas nesse espaço de tempo, o que levou o rei Dom Manuel a pedir uma revisão dos textos legislativos. No prólogo do novo código, o monarca justifica a compilação fazendo observar "a confusão e repugnância de algumas leis, classificando-as de extravagantes, gerando muitas dúvidas e debates". Para remediar esses inconvenientes, Dom Manuel ordenou "reformar estas ordenações e fazer uma nova compilação, tirando tudo que era supérfluo, suprimindo os defeitos”.

Ele encarregou Rui Boto, o chanceler-mor do Reino, de efetuar este estudo. Em dezembro de 1512, saiu o Livro I do novo corpo legislativo. Em 1513, apareceu o Livro II e, mais tarde, entre março e dezembro de 1514, foi feita uma edição completa dos cinco livros que, em conjunto, foram chamados de Ordenações Manuelinas.

Somente em 1521 tal ordenação foi promulgada, assim, substituindo Ordenações Afonsinas. Essa ordenação compunha de 113 títulos e a inclusão de todas as leis extravagantes publicadas e não codificadas desde as ordenações passada.

Em 15 de março de 1521, o rei ordenou a proibição da circulação da antiga ordenação. Todo juiz que utilizasse a antiga legislação seria condenado a uma multa de 100 cruzados. Além disso, aquele que desobedecesse este decreto tornava-se um criminoso público, merecendo pelo menos um "degredo de dois anos no além-mar". A carta real impunha ainda a todos os Conselhos Municipais a aquisição de uma cópia das novas ordenações.

Apesar da enorme quantidade de leis compiladas nas Ordenações Manuelinas, um grande número de novos decretos foram editados e publicados após sua impressão. Em geral, conhecemos somente uma pequena parte da impressionante quantidade de regulamentos que, ao longo dos dias, multiplicaram-se infinitamente. Os juízes consultavam, portanto, além das Ordenações Manuelinas, todas estas leis Extravagantes que completavam a compilação de D. Manuel.

Leis Extravagantes: são as leis que tratam de matérias que foram objeto de compilação ou de codificação oficial, mas que não haviam sido incorporadas ao texto das Ordenações. Ainda que elas não fossem introduzidas nos textos das ordenações principais, estas leis eram consideradas como uma compilação oficial, tendo legítimo valor de fonte de direito.

Ao final do século XVI, o número elevado de leis que existia fora das Ordenações Manuelinas e da compilação das leis extravagantes de Duarte Nunes do Leão começava, novamente, a dificultar o trabalho dos juristas.

Ordenações Filipinas

Por decisão do rei Felipe I, uma nova compilação foi ordenada e, em 1595, precisamente aos 5 de junho, foi aprovada. O novo código, batizado de Ordenações Filipinas, não chegou, a princípio, a ser imposto, por não ser suficientemente completo para substituir as Manuelinas. Somente mais tarde, por novo decreto real de 11 de janeiro de 1603, elas entraram em vigor. Mais que uma jurisdição liberal, sua maior preocupação é de reunir num só texto as Ordenações Manuelinas, a compilação de Duarte Nunes do Leão e as novas leis que foram ordenadas depois das Extravagantes.

Mesmo proclamada a independência política do Brasil em 7 de setembro de 1822, por Dom Pedro I, o Código Filipino continuou em vigor, devido a uma Assembléia Constituinte, onde pelo art. 1º do decreto de 20 de outubro de 1823, foi revigorada a vigência das leis portuguesas, especialmente para o Livro Quinto das Ordenações Filipinas, "enquanto não se organizassem novos códigos ou não fossem revogados aqueles atos legislativos" em tudo que não contrariasse a soberania nacional e o regime brasileiro. Assim, o país herdava de Portugal as normas contidas nas ordenações.

Ordenações Filipinas regeram todo o reino português, inclusive no Brasil Colônia até 1830, com o advento do Código Criminal e posteriormente em 1832 com o Código de Processo Criminal do Império, sendo, portanto, o nosso primeiro Código Penal e Processual Penal e também o ordenamento jurídico criminal que mais tempo vigorou no Brasil, mais de dois séculos.

Trata-se de um reagrupamento das ordenações portuguesas precedentes e não de uma legislação castelhana como se poderia supor, dada à nacionalidade do novo rei e a situação política de Portugal.

O próprio Felipe II foi atento em não ferir as susceptibilidades dos novos súditos. Ele não quis tocar nem na estrutura nem no conteúdo das ordenações: provavelmente, uma política que o rei utilizou para mostrar seu respeito pelas instituições portuguesas.

Mesmo com a revolução de 1640, que pôs fim à dominação de Castela sobre Portugal, a validade das Ordenações Filipinas continuou por muito tempo e João IV (Duque Bragança), que sucedeu Felipe IV da Espanha, confirmou, de maneira geral, todas as leis que haviam sido promulgadas sob a dominação de Castela. Aos 29 de janeiro de 1643, João IV prescreveu “confirmar, promulgar e ordenar que dos ditos cinco livros das Ordenações sejam postos em prática e que se lhes obedeça, como se tivessem sido por mim mesmo feitos, ordenados, promulgados e estabelecidos”.

Código do Império (1830-1890)

A Constituição Imperial, outorgada poucos anos depois, em 25 de março de 1824, além de abolir imediatamente todas as penas cruéis pelo dispositivo dos direitos e garantias individuais, expressos no art. 179, XIX, "Desde já ficam abolidos os açoites, a tortura, a marca de ferro quente, e todas as demais penas cruéis", exigiu também no art. 179, XVIII, a elaboração de um Código Criminal, "Organizar-se-á quanto antes um Código Civil, e Criminal, fundado nas sólidas bases da Justiça, e equidade".

Tendo como elaboradores do projeto os parlamentares Bernardo Pereira de Vasconcelos e José Clemente Pereira, foi aprovado o Código Criminal do Império de 1830, sancionado pelo então imperador, através do decreto de 16 de dezembro, e o Código de Processo Criminal em 1832. Podemos afirmar, portanto, que juridicamente o Código Criminal de 1830, além de ser o primeiro código autônomo da América Latina e o primeiro código penal nacional, foi fruto de observância de comando da Constituição Imperial de 1824.

Otávio Lemos
Enviado por Otávio Lemos em 17/05/2011
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