O ÔNUS DA PROVA E A AMPLA DEFESA.

Considerando que o Estado chamou para si a responsabilidade de fazer justiça, vedando assim, que se faça justiça pelas próprias mãos, cabe a ele, também, através do órgão competente, fazer a devida constituição da prova em face do acusado em matéria criminal.

Assim, cabe ao Ministério Público o encargo de provar, pelos meios admitidos no direito penal, a culpa ou o dolo do acusado.

Podemos conceituar o ônus da prova como sendo o encargo, o dever, a obrigação que o Ministério Público tem de constituir, no âmbito do processo criminal, a prova capaz de emprestar ao magistrado elementos suficientes para a prolação de uma sentença penal condenatória, pois, “cada pessoa possui uma inviolabilidade fundada na justiça que nem mesmo o bem-estar da sociedade como um todo pode ignorar. Por esta razão, a justiça nega que a perda da liberdade de alguns se justifique por um bem maior partilhado por outros” (RAWLS, Uma Teoria da Justiça. Martins Fontes, 2002, p. 4).

Sem provas concretas de que o acusado tenha, efetivamente, praticado o ato tido como criminoso descrito na peça acusatória (denúncia), não poderá advir ao processo criminal uma sentença que condene o acusado. Pois, sem provas, não há crime.

E diga-se, de passagem, que esta prova deve ser robusta, certeira, concreta, sem qualquer sombra de dúvida, pois na dúvida o magistrado também deve absolver o réu das acusações que lhe são feitas – é o principio do in dubio pro reo, isto é, na dúvida, decide-se em favor do réu, expressando, pois, o princípio da presunção de inocência - ei incumbit probatio qui dicit, non qui negat (Digesta Iustiniani, 22.3.2). Portanto, sempre que surgir qualquer fato capaz de gerar alguma dúvida quanto à culpabilidade do réu, o princípio da presunção de inocência deve ser aplicado de modo imperativo.

Vale lembrar, porém, que nestes casos a sentença é absolutória não por inocência, mas sim, por falta de provas suficientes à condenação, nos termos do artigo 386, VII, do Código de Processo Penal, com a redação que lhe deu a Lei 11.690/2008.

A prova é o que sustenta o processo penal. Podemos dizer que a prova é a mola propulsora do processo criminal. O termo prova se origina do latim “probatio”, que significa verificação, análise, exame, confirmação. Se uma afirmação após devidamente analisada ante o crivo do contraditório não puder ser confirmada, eis que deve restar refutada no processo criminal.

Temos, ainda, que o conceito não pode ser entendido de modo simplista sob risco de cometimento de erro grosseiro. Vale lembrar, que ao conceito de ônus da prova, se aplica o seguinte princípio ontológico: o ordinário se presume, o extraordinário se prova (MALATESTA, A Lógica das Provas em Matéria Criminal, 6ª edição, Bookseller, p. 137). O fato ordinário é aquele que se apresenta ao senso comum, do cotidiano, do dia-a-dia, da normalidade. O fato extraordinário, ao contrário, se apresenta mais afastado dos elementos da normalidade. São fatos que não acontecem comumente, isto é: “Em regra, no processo penal, o ônus da prova é da acusação, que apresenta a imputação em juízo através da denúncia ou da queixa-crime. Entretanto, o réu pode chamar a si o interesse de produzir prova, o que ocorre quando alega, em seu benefício, algum fato que propiciará a exclusão da ilicitude ou da culpabilidade, embora nunca o faça de maneira absoluta. Imagine-se que afirme ter matado a vítima, embora o tenha feito em legítima defesa. É preciso provar a ocorrência da excludente, não sendo atribuição da acusação fazê-lo, até porque terá esta menos recursos para isso, pois o fato e suas circunstâncias concernem diretamente ao acusado, vale dizer, não foram investigados previamente pelo órgão acusatório” (Manual de Processo Penal e Execução Penal, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 363).

Sobre o ônus probante, Fernando da Costa Tourinho Filho ensina: “A regra concernente ao onus probandi, ao encargo de provar, é regida pelo princípio actori incumbit probatio, vale dizer, deve incumbir-se da prova o autor da tese levantada. Se o Acusador afirma que Mévio furtou, o ônus da prova lhe cabe, mesmo porque, enquanto não definitivamente condenado, o réu é presumidamente inocente. Se este alega que a pretensa res furtiva era sua, compete-lhe a prova. (...) Se o réu invoca um álibi, o ônus da prova é seu. Se argúi legítima defesa, estado de necessidade, etc., o ônus probandi é inteiramente seu (...) Se alegar e não provar, a decepção também será sua" (Código de Processo Penal Comentado. v. 1, 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 356).

Em contrapartida ao ônus da prova, temos o direito à ampla defesa, com todos os recursos a ela inerentes, nos termos do artigo 5º, LV, da Constituição Federal (CF/88: artigo 5o., inciso LV: "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes"). Todo acusado tem o direito a apresentar sua defesa em igualdade de condições com a acusação. E para se defender o acusado pode usar todos os meios admitidos em direito, por mais especiais que sejam, e o direito de defesa deve ser amplo, o mais abrangente possível. O acusado tem o direito de conhecer integralmente a acusação que lhe é feita; de apresentar toda a matéria de defesa contra esta acusação; de acompanhar a prova produzida e produzir contra-prova; ser defendido por um advogado; e ainda, recorrer de toda e qualquer decisão que lhe seja desfavorável.

Assim, no âmbito do processo criminal, eis que temos duas vias, a acusação com o ônus da prova, e o acusado com o direito à ampla defesa. Do encontro das duas vias nasce o livre convencimento do magistrado que, ao sentenciar, condenará o acusado se contra ele as provas forem concretas; por outro lado, tem a obrigação de absolvê-lo se a acusação não provar sua culpabilidade ou se sobre ela restar alguma dúvida.