A POSIÇÃO ORIGINAL E O VÉU DA IGNORÂNCIA.

O filósofo John Rawls, já falecido, em sua obra Uma Teoria de Justiça, de 1971, nos propõe um exercício, no mínimo, interessante, qual seja, pensar uma sociedade em seu estado natural, isto é, formada por homens despidos de consciência quanto aos fatores que os colocam em disputa. No dizer do próprio Rawls “a idéia da posição original é estabelecer um processo eqüitativo, de modo que quaisquer princípios aceitos sejam justos”.

O autor propõe, em sua teoria, que se procure anular qualquer interferência específica que coloquem os homens em disputa entre si, seja por posição social, por poder econômico, por liderança ou por qualquer outro motivo que possa fazer com que os homens tendam “a explorar as circunstâncias naturais e sociais em seu próprio benefício”.

Assim idealizada a sociedade, eis que os homens não possuem conhecimentos de “certos tipos de fatos particulares”.

Nenhum homem conhece seu lugar na sociedade, também não sabe a qual classe social ele pertence, não conhecem seus dotes físicos, nem suas habilidades específicas, nem sua inteligência, nem sua força. “Também ninguém conhece sua concepção do bem, as particularidades de seu plano de vida racional, e nem mesmo os traços característicos de sua psicologia, como por exemplo sua aversão ao risco ou sua tendência ao otimismo ou ao pessimismo”. Nesta situação, o autor diz que “as partes se situam atrás de um véu de ignorância”, haja vista, que, na posição original, os homens não possuem elementos que os coloquem em posição de vantagem em relação aos demais, desse modo, acredita o autor, por não saberem “como as várias alternativas irão afetar o seu caso particular”, elas seriam, então, por ausência de conhecimento de qualquer fato singular que os colocariam em sobreposição em relação aos demais integrantes do grupo, “obrigadas a avaliar os princípios unicamente com base nas considerações gerais” (nesta passagem o autor nos remete à doutrina kantiana do imperativo categórico).

Em continuação, o autor estabelece que as pessoas não conhecem nem mesmo as circunstâncias particulares de sua própria sociedade, “ou seja, elas não conhecem a posição econômica e política dessa sociedade, ou o nível de civilização ou cultura que ela foi capaz de atingir”.

Nesta concepção, as pessoas conhecem apenas um único fato em particular, qual seja, “que a sociedade está sujeita às circunstâncias da justiça” e, assim, ficam sujeitas a toda e qualquer conseqüência decorrente deste fato. Porém, o autor admite que “elas conhecem os fatos genéricos sobre a sociedade humana”, isto é, elas possuem condições de se determinar conhecendo as relações políticas, bem como os princípios que regem a teoria econômica. Conhecem ainda, a organização social e as leis que regem a psicologia humana. Rawls permite, ainda, em sua teoria, que as pessoas conheçam “fatos genéricos que afetem a escolha dos princípios de justiça”, de modo a permitir a instauração de um sistema de cooperação onde os homens tenderiam a se determinar de acordo com a justiça, buscando, desse modo, o bem comum. A noção de justiça assim elaborada encontraria, então, sua própria sustentação, nos dizeres do autor.

Na ausência de qualquer fator preponderante, principalmente os particulares que poderiam colocar uma pessoa em posição de vantagem sobre os demais membros da sociedade, segundo o pensamento proposto, as pessoas tenderiam a agir em cooperação de esforços, buscando assim, agir de acordo com os princípios da justiça, alcançando desta maneira o bem comum, sem interferência de qualquer fator particular ou arbitrário que as tentasse a se desviar deste objetivo em proveito próprio.