PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA: APLICABILIDADE AOS CRIMES DE BAGATELA.

Considerando que o Estado tem o dever de entregar à sociedade a devida prestação jurisdicional, está ele vinculado aos princípios constitucionais – de valores fundamentais – sendo, estes, na visão de CANOTILHO, de duas ordens: político-constitucionais e jurídico-constitucionais. Aqueles norteiam as decisões políticas, estes a ordem jurídica.

Rosângela Sloomp, ensina que: “Os Direitos Fundamentais, portanto, estariam consagrados objetivamente em ‘princípios constitucionais especiais’, que seriam a ‘densificação’ (CANOTILHO) ou ‘concretização’ (embora ainda em nível extremamente abstrato) daquele ‘princípio fundamental geral’ de respeito à dignidade humana”.

Há, também, princípios fora da órbita constitucional que, uma vez constatado sua ocorrência, sua aplicação se torna um imperativo, não deixando margem para qualquer decisão alternativa. Um princípio não trás consigo as determinantes de sua aplicabilidade, porém, se presente no caso concreto, deve ser aplicado.

Dentre esses princípios está o Princípio da Insignificância: Princípio ordenador e geral do direito penal que, por não estar previsto expressamente no direito pátrio, funciona como princípio auxiliar na determinação da tipicidade.

O fato de o princípio da insignificância não estar expressamente previsto em nosso ordenamento jurídico-positivo, não quer dizer que possa o magistrado deixar de reconhece-lo quando o mesmo se fizer presente no caso sub judice; pois, quando a lei for omissa o juiz deve decidir de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito (LICC, artigo 4º, com redação dada pela Lei 12.376/2010).

A norma balizadora da aplicabilidade do princípio da insignificância é a pequena reprovabilidade do ato ilícito cometido, ou seja, a ofensa ao bem tutelado é tão pequena que se torna desnecessária a intervenção estatal, visando a aplicação da lei penal. A insignificância da ofensa do bem jurídico tutelado afasta a tipicidade, não justificando a incidência do direito penal.

Edílson Mougenot Bonfim e Fernando Capez sobre o referido princípio: “Na verdade, o princípio da bagatela ou da insignificância (...) não tem previsão legal no direito brasileiro (...), sendo considerado, contudo, princípio auxiliar de determinação da tipicidade, sob a ótica da objetividade jurídica. Funda-se no brocardo civil mínima non curat praetor e na conveniência da política criminal. Se a finalidade do tipo penal é tutelar um bem jurídico quando a lesão, de tão insignificante, torna-se imperceptível, não será possível proceder a seu enquadramento típico, por absoluta falta de correspondência entre o fato narrado na lei e o comportamento iníquo e realizado. É que, no tipo, somente estão descritos os comportamentos capazes de ofender o interesse tutelado pela norma. Por essa razão, os danos de nenhuma monta devem ser considerados atípicos. A tipicidade penal está a reclamar ofensa de certa gravidade exercida sobre os bens jurídicos, pois nem sempre ofensa mínima a um bem ou interesse juridicamente protegido é capaz de se incluir no requerimento reclamado pela tipicidade penal, o qual exige ofensa de alguma magnitude a esse mesmo bem jurídico”.

Para a consideração da tipicidade penal é necessário que se faça presente uma maior gravidade da ofensa, uma maior lesão do bem juridicamente tutelado.

MIRABETE afirma que, sendo o crime uma ofensa a um interesse dirigido a um bem jurídico relevante, preocupa-se a doutrina em estabelecer um princípio para excluir do direito penal certas lesões insignificantes.

O Princípio da Insignificância é a relativa tolerância da comunidade devido à escassa gravidade da conduta.

A doutrina ensina que uma conduta insignificante vem a ser aquela que o delito em si, uma vez consumado, não fere, de forma grave, o bem juridicamente protegido pela lei penal, tornando-se, desse modo, atípicos. Neste norte, temos que uma vez praticado o ilícito, sem maior ofensa ao bem em si, deve o princípio da insignificância ser aplicado ao caso concreto, não se justificando a aplicação da lei penal. A aplicação do princípio da insignificância permite a absolvição do réu, eis que ausente ofensa a valores sociais de maior relevância.

Maria da Graça Carvalho Mottin, assim se manifestou no julgamento recurso de apelação nº. 70002927697, da Câmara Especial Criminal do TJRS:

(...) Com efeito, o princípio da insignificância permite se desconsidere a tipicidade material de fato que, embora típico formalmente, por sua reduzida expressividade, constitua ação de bagatela, a ponto de não alcançar maior significado, diante do juízo de reprovação penal.

(...).

Sobre o tema, o eminente Desembargador José Antônio Paganella Boschi leciona que ‘os fatos bagatelares, em razão da aceitação social ou da absoluta insignificância do resultado, agora situados em universo ainda mais restrito que o dos fatos infracionais de menor potencial ofensivo, pelo reverso, não são considerados como materialmente antijurídicos, e portanto escapam dos domínios da tipicidade formal’.

A aplicação do princípio da insignificância, ou também conhecido como princípio da bagatela, autoriza o magistrado a deixar de aplicar a lei penal ao caso concreto, ante a ausência de ofensa ao sentimento de justiça ou a qualquer valor socialmente protegido pela legislação. Assim, o crime de bagatela trás consigo, em seu próprio núcleo formador de seu conceito, a inexistência de ofensa que justifique a aplicação da lei penal para imputar ao réu uma sentença penal condenatória.

É por meio do princípio da insignificância, aplicado aos chamados crimes de bagatela, que se exige que a ofensa traga consigo o poder de lesionar de modo grave o ordenamento social ou jurídico devidamente estabelecido.