O ESTUPRO

José Ribeiro de Oliveira

O Direito é uma ciência que deve primar pela efetivação da Justiça. E nesse diapasão, não pode ser o centro das decisões, mas instrumento na mão e na mente do homem, para que tais decisões sejam justas, pois a Justiça não existe para dar direito a ninguém, mas para fazer valor um direito que já se tem.

É dever do Juiz fazer Justiça, não simplesmente de aplicar a lei. Antes da lei, e servindo de fundamentação e suporte à sua aplicação estão, a ciência do Direito, suas teorias, os princípios, os costumes, a analogia e a experiência da vida, tudo isso colocando a lei como mero parâmetro nas decisões judiciais.

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O ESTUPRO

Doralice era adolescente de 13 anos de idade, filha de família modesta e residente em Montes Claros, povoado com pouco mais de 400 habitantes, distrito do Município Tadeu Moreira, no Estado do Amazonas. O povoado dista mais de cem quilômetros da sede municipal, e mil e duzentos quilômetros da capital do Estado.

Às margens do Rio Crapoá, num desmatado há muito tempo servido de parada obrigatória para descanso de navegadores e caçadores, sem acesso por rodovias, ergueu-se uma pequena colônia de pescadores e lavradores, que deu origem ao povoado.

O meio de transporte mais rápido para a cidade é a canoa ou um pequeno barco, construídos de forma rústica pelos próprios moradores. A sobrevivência no local só é oissível pela abundância de peixes e farta espécie de animais selvagens.

Os moradores do povoado, fundado há mais de cinquênta anos, se acostumaram com a vida pacata no local, distante dos problemas das cidades grandes. Tal escolha os torna quase isolados do mundo, e especialmente carentes dos serviços públicos como, educação, saúde, luz elétrica, transporte etc.

No âmbito da Justiça e Segurança Pública, não há queixa dos moradores. O convívio os ensinou da necessidade de respeito mútuo, de solidariedade e fraternidade, e embora não haja a presença de autoridades públicas na comunidade, parece não fazer falta. Alguns se vangloriam de não vê-las nem mesmo na época de campanhas eleitorais. Sorte deles!

No povoado não existe um só televisor. Alguns moradores possuem aparelho de rádio, entretanto, a recepção somente com alguns truques, e em locais mais elevados se consegue captar. Assim, a comunicação entre Montes Claros e a cidade ainda é efetivada pelas águas do Rio Crapoá, com as raras visitas que fazem os seus moradores à sede municipal ou por meio de notícias trazidas por parentes, visitantes, aventureiros, caçadores ou pesquisadores que chegam ou passam pelo povoado.

Doralice é filha de Deodato, lavrador e pescador, um dos mais humildes moradores daquele recanto, todavia, respeitado pelo caráter e elevado espírito religioso. É filho de Argemiro Dantas, um dos pescadores que fundaram aquela comunidade. Casado com Aruan, de descendência indígena e filha daquela localidade, teve com esta seis filhos, sendo Doralice a única mulher e a mais velha da prole.

A vida simples do lugarejo deu origem aos costumes que tocam a vida dos moradores sem mudança da rotina. As atividades do dia a dia e os comportamentos daquelas famílias são coisas comuns e quase tudo compartilhado na comunidade, de maneira que a harmonia é estabelecida por força da própria convivência.

Os conflitos na comunidade, de rara incidência, são resolvidos pelo exercício da ponderação e do bom senso. Aliás, o senso de Justiça que reina na comunidade é de invejar a sociedade moderna.

Talvez por força da necessidade ou por inspiração divina, a comunidade possui o seu Conselho de Administração Comunitária-C.A.C. formado por um grupo de moradores mais experientes e sensatos, com alguma instrução, eleitos para dirimir dúvidas, resolver alguns conflitos locais e se manifestarem sobre as orientações de interesse comum. Não seria igual ao pretor romano, mas se assemelha na sua função. O pretor romano era o magistrado investido de poderes para administrar Justiça.

Conta-se na localidade, que o único homicídio lá ocorrido foi praticado há mais de 40 anos, ainda na formação do povoado, por um caçador que ali aparecera, e conduzindo algumas garrafas de cachaça, embriagara-se quando bebia com um morador local, atritou-se com este e o matou a facadas. Dizem ainda, que o episódio sequer foi registrado pela polícia, tendo solução por um conselho de moradores que, após apreciação do caso, aplicou ao criminoso a seguinte medida: pedir perdão aos familiares, trabalhar na comunidade para sustentar os dez filhos menores deixados pelo falecido, até que completassem a maioridade, mantendo todas as despesas da casa; comparecer aos cultos religiosos todos os domingos e proibição de ingerir bebida alcoólica durante todo o período. Segundo os comentários, a medida foi cumprida na íntegra e, após a sua extinção, o criminoso já tinha um comportamento tão integrado à comunidade que foi por todos perdoado.

Embora só tivesse 13 anos de idade, Doralice já era considerada uma menina moça e, como quase todas as outras da sua idade naquela comunidade, já namorava e isto não era segredo para os seus pais. Estudava numa escolinha local criada pelos próprios moradores, cujo conteúdo programático era copiado das escolas tradicionais e adaptado ao potencial docente do povoado.

Estava vivendo a primeira experiência de amor há cerca de um ano e meio, com João Pedro, de 28 anos de idade, nascido e criado na comunidade, cuja atividade profissional era a de lavrador. Ainda não tinham assumido compromisso de noivado nem casamento, mas era de todos conhecido o romance do casal, que tinha a aprovação de ambas as famílias.

O namorico era nutrido de afetos recíprocos, mas com intimidades muito restritas em razão do modus vivendi, dos costumes, da cultura e do severo respeito ao nome da família, valores que se ressaltam nas comunidades desse formato. Entretanto, a diferença de idade entre o casal se colocava, por vezes, desigual nas palpitações, vontades e desejos que fomentavam aquela ardente paixão. Para Doralice, a força do amor era um sentimento novo que lhe fervia o coração. Para João Pedro, um novo amor, que conduzia sob a batuta das experiências vividas, fortalecido não só por isso, mas também pela meiguice e imaturidade de Doralice, que sem conhecer caminhos, se deixava conduzir, agarrada tão somente na confiança, ante o domínio dos instintos de quem ama.

Na véspera de completar 14 anos de idade, Doralice manifestou a vontade de fazer uma festa para comemorar o seu aniversário e oficializar o namoro junto aos seus pais, que embora sabendo do relacionamento, não foram comunicados de forma solene como era o costume local.

João Pedro concordou com o desejo da namorada e começaram a tratar dos preparativos para a comemoração. Ela nascera no dia 13 de maio, ao raiar do sol, e por seu gosto, a festa deveria começaar no dia 12 de maio e se estender até o amanhecer do dia 13, ou seja, até o raiar do sol do dia seguinte. Sem oposição, assim foi decidido que aconteceria.

E de forma simples e bastante humilde, porém com muito carinho e dedicação, foram perpetrados todos os esforços, não só do casal, mas de todas as famílias e amigos, para marcar aquele acontecimento na vida dos dois e trazer alegria para a comunidade.

No dia da festa, nenhum dos moradores da comunidade desconhecia que Doralice estava fazendo aniversário e que iria comemorar aquela data, no Clube Social, o local dos eventos sociais de Montes Claros.

Simbólicos presentes foram arrecadados para fazer a alegria da aniversariante e até algumas bebidas foram compradas pelo seu namorado para mover a animação dos convidados.

O dia da festa amenizou a ansiedade de algumas semanas de espera. Nestas festas, emoção mesmo é só para o aniversariante. Os outros são meros protagonistas, que de tudo tira proveito. Mas como comemorar sem essas pessoas? Então, que sejam todos convidadas.

No início da noite, amigos e parentes já se aglomeravam ao redor do Clube Social, onde era esperada a aniversariante, para dar início ao evento festivo. João Pedro foi um dos primeiros a chegar. Vestia uma calça de linho branco, bem passada e com vínculo afinado do cós à bainha; camisa azul, de mangas compridas e abotoadas ao punho, igualmente impecável; calçava um sapato de cor preta, já com muitos passos dados, que lhe emprestara o irmão mais novo. Trazia nas mãos um pacote embrulhado em papel de presente, que fazia questão de ostentar. Antes, já estivera no local fazendo algumas adaptações para a festa, momento em que deixara também a bebida que seria consumida pelos convidados.

Já por volta das 19 horas, Doralice chegou ao local, acompanhada de algumas amigas e parentes. Ornamentava-lhe um vestido de chita, em tom na cor branca e listas na cor rosa, em diagonal, com ângulos opostos entre a saia e a blusa, com uma fita na cor de destaque, amarrada à cintura, iludindo tratar-se de duas peças. Era meio demodê, mas no seu corpo escultural se fez belo.

Ao entrar no recinto, soltou o olhar curioso à procura do namorado e não o encontrou. João Pedro se estava no depósito, nos fundos do estabelecimento, onde deixara a bebida e outros apetrechos para a festa. Doralice, impaciente por não tê-lo visto ao chegar, indagou sobre o namorado, quando amigos lhe informaram que João Pedro se encontrava numa dependência nos fundos do Clube.

Inquieta e ansiosa para ser notada pelo seu amado, Doralice se dirige ao depósito e surpreende o namorado com um abraço pelas costas. Carinhosamente se ilude que o mantém sob o seu domínio e em seguida beija-lhe a nuca.

Inopinadamente, e de maneira um pouco brusca, João Pedro rodopia por entre os braços de Doralice e abraça-lhe com o mesmo fervor, assumindo completamente o comando dos instintos, quando ouviu chamarem pelo nome de sua namorada, no centro do salão.

Os ânimos foram contidos, e refeitos os desalinhos, retornaram para o salão. Primeiro ela, e alguns minutos depois, ele, com as mãos ocupadas de bebidas e presentes, para ornamentação de uma mesa posta ao final do salão.

Foi tudo muito rápido, nada aconteceu além de beijos e abraços, mas o local e as circunstâncias foram por demais estimuladoras e traidoras do bom senso e da prudência.

Quase nenhuma palavra foi dita, mas a imaginação ficou repleta de indagações trazidas pelas sensações sentidas.

Ao se encontrarem no salão, alguns minutos depois, não conseguiam falar, tamanha era a palpitação, que por pouco não fazia saltar o coração boca a fora, ante a emoção do minúsculo instante anterior.

Mas tudo voltou à normalidade e pouco a pouco foram chegando os convidados e a festa acontecendo no ritmo dos que nela se inseriam.

Chegaram os pais de Doralice, seus familiares e amigos convidados; os familiares e convidados de João Pedro, e, como em toda a festa de interior, quem faz a festa é quem chega, quem chegou foi entrando e em pouco tempo, todos comemoravam, da sua forma, aquele momento.

No salão havia pouco mais de cem pessoas, sendo que nem todas tinham sido convidadas, muitos se apresentaram tão somente por tomarem conhecimento do evento.

A animação não tinha critério algum, a única música que não poderia faltar era Parabéns pra você.

O som era extraído de uma vitrola de pilha que fora adaptada para funcionar a bateria, mas com ajuda da boa vontade e a animação dos presentes, tornava o ambiente semelhante a qualquer outra festa.

Havia um lampião em cada canto do salão, e um bem maior pendurado na cumeeira, numa breve semelhança com a própria música que animava a festa, a Sala de Reboco, na voz de Luiz Gonzaga.

Sob os olhares dos convidados e dos familiares, Doralice e João Pedro não deixavam a desejar, ora dançavam animadamente no meio do salão, ora conversavam com alguns convidados, e tudo acontecendo conforme haviam pensado.

A bebida que movia a alegria dos presentes, além das batidas caseiras e licores da mesma origem, era a cachaça. Velhas e conhecidas embalagens de conteúdos iguais e meio duvidosos. Todavia, com enorme capacidade de provocar embriaguez.

No interior, enquanto houver sanfoneiro tocando, lampião aceso, cachaça rolando, caboclo em pé e mulher ao redor, a festa continua.

Na festa de Doralice, não tinha sanfoneiro, mas tinha a sua música e os outros componentes todos para amanhecer o dia como fora planejado.

Doralice nunca havia experimentado qualquer tipo de bebida, ao contrário de seu namorado. Nesse dia, bebericou algumas doses de licores e batidas, mas nada que lhe afetasse tanto assim. E apesar da presença da bebida, os comportamentos não se exaltaram, até mesmo em razão das relações familiares e de amizade que, de certa forma, circundavam todos os presentes.

Para quem se diverte, a hora não tem paciência, mas para os que não se mexem, ela é extremamente vagarosa. Assim, alguns familiares não conseguiram esperar pelos raios do sol, como era trato do casal, e foram embora ao longo da madrugada, como fizeram os pais de Doralice e vários outros, após a oficialização do noivado, os parabéns pra você e a partilha da torta tradicional.

Os galos já anunciavam o novo dia quando Doralice dissera a João Pedro que precisava descansar um pouco para que pudesse romper o dia. Olhando para o salão e percebendo que os que ainda estavam presentes não perdiam o ritmo da dança, João Pedro teve a brilhante idéia de sugerir que Doralice fosse descansar no depósito, onde estiveram antes. Ela, que já estava abatida pelo passar das horas, pouco pensou no que antes ocorrera naquele local e para lá se dirigiu.

Era um pequeno quarto de aproximadamente 12m², onde havia uma mesa, umas caixas de papelão, desfeitas e outras bugigangas. O peso das horas derrubou Doralice sobre a mesa, e do jeito que caíra adormecera.

O acesso ao local era restrito aos responsáveis pelo evento, no caso, o próprio João Pedro, com quem ficara a chave daquela dependência.

João Pedro permaneceu em meio aos convidados até o amanhecer do dia. Conversa e dançava com os amigos, descontraidamente, quando os primeiros raios do sol o fez lembrar que Doralice dormia no depósito do estabelecimento.

Desvencilhando dos convidados, João foi até ao depósito para ver como estava sua namorada.

Após abrir a porta, João Pedro deparou-se com sua amada debruçada sobre a mesa, e já tendo se virado por um breve sono, o vestido se desalinhara, deixando a descoberto as curvas íntimas da bela menina, que naquele instante, despojada como em sua própria cama, era consumida pelos olhares desejosos de seu namorado, como nunca vira antes.

João Pedro não resistiu e passou a beijar Doralice. Beijou-a por todo o corpo, mas de Doralice, somente a respiração se alterava, enquanto parecia dormia em sono supremo e de total alheiamento ao que se passava. A seguir, beijou-lhe na boca, mas o sono não lhe permitiu reciprocidade. Impaciente, sussurrou ao ouvido de Doralice e esta não lhe correspondeu. Teve consciência de que ela estava sob um sono de total desapego ao mundo, e passou a acariciá-la. Instigado pela situação e intrigado pela inércia de Doralice, resolveu despi-la, ao mesmo tempo em que acariciava o seu corpo. Em dado momento, Doralice se mexe e, por impulso, abraça seu namorado, mas ainda sonolenta, nada fala.

João Pedro continua acariciando sua namorada e esta chama pelo seu nome. João Pedro entende este gesto como uma resposta positiva às suas caricias e despe completamente sua amada. A seguir, debruça-se sobe ela e tenta manter relações sexuais com Doralice, certa do seu consentimento. Inicia os atos preambulares do coito e recebe um abraço de sua amada, gesto que o estimula a continuar com o seu ato. Repentinamente, Doralice se contrai e grita. João Pedro se assusta, para com o ato e procura acalmar Doralice, que desesperada continua gritando e acaba atraindo para o local alguns dos convidados. João Pedro tenta explicar o que ocorrera, mas não tem ouvidos para suas justificativas e acaba sendo preso pelos próprios convidados.

Doralice, desesperada e sangrando é levada para casa, sendo convocada uma enfermeira prática para atendê-la.

João Pedro é conduzido para a casa de parentes da sua namorada, com segurança, para que no dia seguinte fosse apresentado aos Conselheiros.

Dada a circunstância inusitada da incidência, os Conselheiros, ao apreciarem o caso no dia seguinte, sugeriram a apresentação de João a uma autoridade constituída, na sede Municipal.

Assim decidido, o caso foi levado à presença da Autoridade Policial de Tadeu Moreira, para conhecimento e providências mais adequadas.

Após ouvir os condutores e testemunhas sobre o que ocorrera, interrogar o conduzido e inteirar-se do episódio, o Delegado formalizou o procedimento investigatório e representou ao Juiz da Comarca, acerca da prisão preventiva de João Pedro.

O Promotor de Justiça foi consultado e concordou com a medida cautelar, no que o juiz também acatou e decretou.

O inquérito policial foi concluído no prazo legal, sendo João Pedro indiciado nas penas do Art. 217-A, do Código Penal, considerando-se que o crime fora praticado contra pessoa menor de 14 anos de idade, considerada pela lei como estupro de vulnerável.

Ouvida no inquisitório Doralice declarou que consentiu o ato sexual praticado pelo seu namorado. Alegara ter gritado somente pelas dores provocadas por aquela ato, tendo em vista que era virgem.

Submetida a exame de corpo de delito (exame de conjunção carnal), ficou constatado que não houve rompimento do hímen, apenas início da penetração, com ejaculação.

João Pedro, interrogado no inquérito policial, declarou que durante o fato estava um pouco embriagado, mas tinha consciência do que estava fazendo. Disse que o ato foi consentido e que assumiu total responsabilidade pelas consequências, uma vez que é sua pretensão casar-se com Doralice, com quem namorava há quase dois anos.

O Ministério Público, recebendo o procedimento investigatório, entendeu concluso o trabalho da Autoridade Policial e, considerando as provas objetivas e subjetivas inerentes ao fato, denunciou João Pedro por crime de estupro, na modalidade prevista no Art. 213, § 1º, do Código Penal, ou seja, estupro de pessoa menor de 18 anos e maior de 14 anos.

Durante a instrução criminal, Doralice foi submetida a exame de gravidez e o resultado foi positivo.

O Advogado de João Pedro peticionou ao juiz pedindo a revogação da prisão preventiva, bem como a sua absolvição, alegando a inexistência do crime imputado ao seu cliente, vez que houve o consentimento de Doralice, com quem o acusado já se preparava para casar.

A Justiça manteve a prisão de João Pedro até o julgamento, quando o Juiz o condenou às penas do Art. 217-A (estupro de vulnerável), a oito anos de reclusão, aumentando a pena em mais 4 anos, em face do acrescendo previsto no Art. 234-A, III, aplicado quando do estupro resulta gravidez, totalizando 12 anos de reclusão.

Após a condenação, Doralice declarou que iria abortar o filho, pois não queria suportar a gravidez e crescimento do filho sem a presença do pai, encarcerado como criminoso.

No recurso de apelação impetrado pela defesa, o principal argumento é a própria ambigüidade da lei, que não prevê tipificação para a hipótese, considerando-se a idade de Doralice ao tempo da ocorrência do fato.

DISCUSSÕES JURÍDICAS:

A Lei Penal, com a reforma recente trazida pela Lei nº 12.015/2009, modificou sensivelmente o capítulo dos crimes contra os costumes, a partir da conotação dada pelo novo tratamento do capítulo, agora classificado como crimes contra a dignidade sexual.

No art. 213, além da unificação dos delitos de estupro e de atentado violento ao pudor (214), trocou a expressão “mulher”, por “alguém”, permitindo, a partir de então, que tal delito possa ser praticado contra qualquer pessoa. Também não mais exige que haja a conjunção carnal, bastando qualquer ato libidinoso para caracterizar a conduta de estupro.

Questão importante a ser observada é a forma qualificada do estupro, Art. 213 § 1º, que pune mais gravosamente o estupro de que resulta lesão corporal grave ou se a vítima é menor de 18 e maior de 14 anos. A lei usou a expressão maior de 14 anos, significando dizer que, neste caso, para ser considerada maior de 14 anos, deve ter, pelo menos, mais um dia de vida além dos 14 anos.

Outra hipótese que merece interpretação é o Art. 217-A, estupro de vulnerável, quando a lei estabelece, para a sua caracterização, que a vítima seja menor de 14 anos, significando dizer que se trata de pessoa que não completou 14 anos ainda.

Ora, poderemos ter caso em que a pessoa possa ser vítima do estupro justamente no momento em que completa os 14 anos de idade. Esta vítima, entretanto, não estaria inserida nem numa hipótese e nem noutra da dita lei.

É evidente a lacuna da lei com relação à qualificadora do Art. 213 § 1º. Na engenharia jurídica que a interpretação pode permitir, não deve o aplicador da lei, suprindo a função legislativa, entender que se o fato for praticado quando a vítima completa os 14 anos de idade, incorrerá na qualificadora. Esta análise é prejudicial ao infrator, o que viola o espírito do direito Penal, que não pode ser interpretado para prejudicar o réu.

ASPECTOS POLÍTICOS E SOCIAIS:

ANEXOS:

1. Discussões jurídicas:

1.1. A Lei Penal, com a reforma recente trazida pela Lei nº 12.015/2009, modificou sensivelmente o capítulo dos crimes contra os costumes, a partir da conotação dada pelo novo tratamento do capítulo, agora classificado como crimes contra a dignidade sexual.

No art. 213, além da unificação dos delitos de estupro e de atentado violento ao pudor (214), trocou a expressão “mulher”, por “alguém”, permitindo, a partir de então, que tal delito possa ser praticado contra qualquer pessoa. Também não mais exige que haja a conjunção carnal, bastando qualquer ato libidinoso para caracterizar a conduta de estupro.

Questão importante a ser observada é a forma qualificada do estupro, Art. 213 § 1º, que pune mais gravosamente o estupro de que resulta lesão corporal grave ou se a vítima é menor de 18 e maior de 14 anos. A lei usou a expressão maior de 14 anos, significando dizer que, neste caso, para ser considerada maior de 14 anos, deve ter, pelo menos, mais um dia de vida além dos 14 anos.

Outra hipótese que merece interpretação é o Art. 217-A, estupro de vulnerável, quando a lei estabelece, para a sua caracterização, que a vítima seja menor de 14 anos, significando dizer que se trata de pessoa que não completou 14 anos ainda.

Ora, poderemos ter caso em que a pessoa possa ser vítima do estupro justamente no momento em que completa os 14 anos de idade. Esta vítima, entretanto, não estaria inserida nem numa hipótese e nem noutra da dita lei.

É evidente a lacuna da lei com relação à qualificadora do Art. 213 § 1º. Na engenharia jurídica que a interpretação pode permitir, não deve o aplicador da lei, suprindo a função legislativa, entender que se o fato for praticado quando a vítima completa os 14 anos de idade, incorrerá na qualificadora. Esta análise é prejudicial ao infrator, o que viola o espírito do direito Penal, que não pode ser interpretado para prejudicar o réu.

1.2. O direito de abortamento e o direito à vida.

O Direito Civil brasileiro só reconhece a personalidade civil da pessoa humana quando nasce com vida, entretanto, assegura os direitos do nascituro desde a concepção (Art. 2º do C. Civil).

Se a lei assegura algum direito ao nascituro, desde a sua concepção, é exato que assegura, prioritariamente, a sua própria vida intra-uterina,

O Art. 226 da Constituição da República, cujo texto contempla todos os direitos fundamentais da própria Carta Magna, estabelece que é dever da família, da sociedade e do Estado, assegurar à criança ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, dentre outros, o direito à vida.

É certo que se refere à criança, ao adolescente e ao jovem. Mas será que tal direito não se estende à pessoa ainda em formação no ventre materno? Não é também um vida em processo de desenvolvimento?

Quando a própria lei cria restrições à vida uterina, como no caso da norma permissiva para o abortamento previsto no art. 128,II, do Código Penal, para as hipóteses de gravidez resultante de estupro, não está havendo uma violação do direito à vida? Direito este que a própria Constituição e as leis infraconstitucionais asseguram?

Este indivíduo em formação ainda no ventre da mãe, independente das circunstancias que o geraram, está também protegido pelo ordenamento jurídico. Assim sendo, trata-se de um ser que necessita de uma tutela legal para toda e qualquer hipótese que lhe seja pertinente, inclusive naquelas previstas na lei como exceção.

Para tanto, e na hipótese em comento, o chamado abortamento sentimental, não pode ficar a mercê exclusivamente da gestante, sendo necessária a nomeação de um curador para a defesa do produto da concepção.

2. ASPECTOS POLÍTICOS E SOCIAIS:

Sem querer ferir a sensibilidade dos legalistas e nem desprezar a utilidade da lei, me lanço a pensar, no caso in exame, sobre o interesse social e político que não deve ser deslembrado para aplicar-lhe solução.

Em que pese a tenra idade da vítima, no contexto dos fatos, suas circunstâncias, resultados e conseqüências, a resposta da lei seria a melhor para a hipótese, vez que o futuro do casal já estava traçado pelas relações convencionais?

Outra conseqüência trazida pela lei é a permissão de abortamento, caso o fato seja considerado crime e a gestante faça essa opção. Seria justo esse resultado?

A hipótese de casamento do agressor com a vítima, previsto anteriormente no art. 107, VII, do Código Penal, promovia a extinção da punibilidade se o ofensor se casasse com a ofendida, consentindo esta, e o crime não tivesse sido praticado com violência presumida. Tal previsão foi revogada pela Lei 11.106/2005. Ora, a lei revogada permitia a extinção da punibilidade nos crimes praticados com violência real.

Como sabemos, na imensidão deste País chamado Brasil, os costumes e a cultura nas comunidades mais simples, impulsionam os jovens ao casamento em plena fase da puberdade. Além disso, já não é mais tabu as relações sexuais antes do casamento.

Imaginemos um casal de namorados que promova o relacionamento em noivado, sendo ela de 13 anos e 11 meses de idade e ele já adulto. Na véspera do casamento, envolvidos pelos impulsos do amor, tenham relações sexuais, quando ainda não completou os 14 anos. Como ficará a situação perante a lei? E como ficará a situação do casal, caso a lei vigente seja aplicada?

Para a Lei Penal vigente, o menor de 14 anos não pode ter relações sexuais, sob pena de caracterizar estupro, art. 217, cuja pena é de oito a quinze anos de reclusão (estupro de vulnerável).

Queremos criar uma sociedade que tenha essa consciência e esse preparo de formação, vez que a imaturidade de uma adolescente poderá fazer com que o fardo de uma gravidez precoce lhe traga sérias conseqüências. Entretanto, o legislador não pode fazer olho vesgo para a questão. E dessa forma, deveria ter previsto uma alternativa legal para, na hipótese em que a experiência sexual se realiza por consentimento das partes (como no caso em comento), e entre os protagonistas exista a viabilidade de um reparo pelo casamento, e mais ainda, sendo esta a escolha prévia e consciente do casal, operar uma solução social mais adequada.

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Este livro foi escrito para servir de luz ao acadêmico de Direito, a fazê-lo entender que as leis constituem apenas um parâmetro na solução dos conflitos sociais. Que, sendo o crime um fato social, eleito para ser tratado sob a ordem do Direito Repressivo, mesmo assim não o afasta da origem social, do comportamento humano, que os contornos da ordem jurídica não esgota e nem pretende esgotar, deixando para o exegeta do Direito, a sublime atividade de interpretar a lei, sob a ótica do próprio espírito da regra normativa, em sintonia com o tronco do ordenamento jurídico, as realidades sociais e políticas do seu tempo, sem desprezo às regras comuns de controle social estabelecidos pela Ética e pela Moral, vez que a luz do direito está na sabedoria de quem o aplica.

LEIA ESTE CASO COM O OLHAR SOCIAL, POLÍTICO E JURÍDICO. AO FINAL, COMENTE E DÊ SUA OPINIÃO.

Professor José Ribeiro de Oliveira
Enviado por Professor José Ribeiro de Oliveira em 28/02/2012
Reeditado em 11/05/2012
Código do texto: T3526149
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