MORTE DE PRESO: Responsabilidade Civil do Estado.

Caio Mário (Responsabilidade Civil de Acordo com a Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Forense, 1989, p. 16) define responsabilidade civil como sendo a sujeição de alguém a um dever ressarcitório:

“A responsabilidade civil consiste na efetivação da responsabilidade abstrata do dano em relação a um sujeito passivo da relação jurídica que se forma. Reparação e sujeito passivo compõem o binômio da responsabilidade civil que se enuncia como o princípio que subordina a reparação à sua incidência na pessoa do causador do dano.

Não importa se o fundamento é a culpa, ou se é independente desta. Em qualquer circunstância, onde houver a subordinação de um sujeito passivo à determinação de um dever de ressarcimento, aí estará a responsabilidade civil.”

A responsabilidade civil e com ela o dever de ressarcimento de danos, inclusive aqueles de caráter morais, efetivamente causados por agentes estatais – ou inadequação dos serviços públicos – decorre diretamente do art. 37, § 6º, da Constituição Federal. Vejamos:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

(…)

§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Sendo, pois, que tal dispositivo é autoaplicável, não sujeito intermediação legislativa ou administrativa para assegurar o correspondente direito subjetivo à indenização. Assim, ocorrendo o dano e estabelecido o nexo causal com a atuação da Administração, nasce a responsabilidade civil do Estado.

“O dano se constitui no prejuízo, no desequilíbrio patrimonial sofrido pela vítima. Este dano deve ser certo, especial, anormal e deve corresponder a uma situação protegida juridicamente. Certo é o dano efetivo e atual, podendo até ser futuro. O que lhe retira a capacidade de indenização é a eventualidade.

Dano especial é aquele que se refere a uma ou algumas vítimas, o prejuízo não é disseminado por toda a Sociedade.

A anormalidade do dano corresponde ao excesso, ultrapassa os inconvenientes suportáveis pela vida em Sociedade” in ROSA, Leilane Zavarizi Mendonça da. Reflexões acerca da responsabilidade extracontratual do Estado. Florianópolis, Dissertação de Mestrado, UFSC, 1996, p 14.

Celso A. B. de Mello (Curso de Direito Administrativo. 4ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, p. 430) preleciona:

“Entende-se por responsabilidade patrimonial extracontratual do Estado a obrigação que lhe incumbe de repor economicamente os danos lesivos à esfera juridicamente garantida de outrem e que lhe sejam imputáveis em decorrência de comportamentos unilaterais, lícitos ou ilícitos, comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos”.

Neste norte, ao preso sob a custódia estatal é assegurado, por força constitucional, o direito à integridade física, sendo, pois, dever do Estado de garantir a vida de seus detentos, mantendo, para isso, vigilância constante e eficiente.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(…)

XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;

Diferente não é o entendimento jurisprudencial.

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. INDENIZAÇÃO POR MORTE DE PRESO EM CADEIA PÚBLICA.DEVER DE VIGILÂNCIA DO ESTADO (ART. 5º, XLIX, CF/88).

INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. ART. 37, § 6º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CULPA E NEXO DE CAUSALIDADE COMPROVADOS. SÚMULA 07/STJ.

1. O dever de ressarcir danos, inclusive morais, efetivamente causados por ato dos agentes estatais ou pela inadequação dos serviços públicos decorre diretamente do art. 37 § 6º da Constituição, dispositivo auto-aplicável, não sujeito a intermediação legislativa ou administrativa para assegurar o correspondente direito subjetivo à indenização. Não cabe invocar, para afastar tal responsabilidade, o princípio da reserva do possível ou a insuficiência de recursos. Ocorrendo o dano e estabelecido o seu nexo causal com a atuação da Administração ou dos seus agentes, nasce a responsabilidade civil do Estado, caso em que os recursos financeiros para a satisfação do dever de indenizar, objeto da condenação, serão providos na forma do art. 100 da Constituição.

2. A aferição acerca da ocorrência do nexo causal entre o dano e a conduta do agente público demanda a análise do conjunto fático-probatório carreado aos autos, interditada em sede de recurso especial por força da Súmula 07/STJ. Precedentes desta Corte: RESP 756437/AP, desta relatoria, DJ de 19.09.2006; RESP 439506/RS, Relatora Ministra Denise Arruda, DJ de 01.06.2006 e RESP 278324/SC, Relator Ministro João Otávio de Noronha, DJ de 13.03.2006.

3. In casu, o Juiz Singular e Tribunal local, com ampla cognição fático-probatória, concluíram pela obrigação de indenizar do Estado, ao argumento de que o ordenamento constitucional vigente assegura ao preso a integridade física (CF,art. 5º, XLIX) sendo dever do Estado garantir a vida de seus detentos, mantendo, para isso, vigilância constante e eficiente.

4. Recurso especial desprovido.

(REsp 936.342/ES, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, Rel. p/ Acórdão Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 11/11/2008, DJe 20/05/2009).

O Supremo Tribunal Federal já decidiu “se o indivíduo estava sob a proteção do Estado, quando recolhido à prisão, daí resulta que a responsabilidade por sua morte, causada por outros presos, deve ser debitada ao Estado” (STF – 1ª T. j. 19.11.76 – RTJ 85/923).

“Assassinado o preso por colega de cela quando cumpria pena por homicídio qualificado responde o estado civilmente pelo evento danoso, independentemente da culpa do agente publico. Recurso improvido” (STJ - RESP 5711 / RJ – 1ª Turma - DJ:22/04/1991 – Rel. Min. Garcia Vieira).

“O detento, recluso em casa de detenção, sob custodia, impõe ao Estado o dever legal de vigilância para evitar que qualquer preso venha a sofrer danos pessoais. É incumbência que cabe aos agentes públicos evitar que as pessoas recolhidas às prisões sofram danos e resguardá-las contra agressões praticadas por terceiros”. Embargos infringentes acolhidos, por maioria. 24 fls. (embargos infringentes nº 70002352920, Terceiro Grupo de Câmaras Cíveis, Tribunal de Justiça do RS, relator: Des. Osvaldo Stefanello, julgado em 23/11/2001) (TJRS - EI Nº 70002352920 – Rel. para acórdão Desa. Ana Maria Nedel Scalzilli).

Sobre o assunto, indico o excelente trabalho de Heliomar Weirich, intitulado “RESPONSABILIDADE CIVIL POR MORTE DE PRESOS”, disponível em http://www.egov.ufsc.br.

Texto também disponível em www.gprudencio.blogspot.com