Os Direitos Humanos e a era das revoluções

Os direitos humanos estão marcados por lutas e revoluções que aconteceram ao longo dos séculos para que os homens se sentissem livres e iguais, e que dessa forma, concretizando o seu desejo, assim o fossem. Sempre lembrando que antes, muito antes, os homens não eram tratados como seres humanos. O prestigio e vida abundante estava sempre nas mãos da minoria. Miséria e descaso sempre foram para os menos favorecidos. Para falarmos a verdade, descartáveis. Eram descartáveis não porque assim nasciam, mas pela ganância da minoria que estava no poder. Como afirma Bobbio, os homens nascem livres e detentores de direitos; E essa é uma condição natural. “Luta-se ainda por estes direitos porque após as grandes transformações sociais não se chegou a uma situação garantida definitivamente, como sonhou o otimismo iluminista”, reflete o nobre filósofo, alertando que as ameaças não vêm somente do Estado, como no passado, mas também da sociedade de massas e da sociedade industrial. Mas se refletirmos nessas palavras vemos que elas estão cobertas de razão.

Hannah Arendt costumava dizer que “o homem pode perder todos os chamados direitos do homem sem perder a sua qualidade essencial de homem, sua dignidade humana”. E é verdade. Porque foi privado de alguns de seus direitos não significa dizer que não deva ser considerado como pessoa humana e que tenha dignidade. Das lutas em prol dos direitos nascem indagações. Estes direitos compõem-se de normas e é a expressão da vontade do povo? Houve coação? Essa coação faz parte da essência do direito? A lei é justa ou injusta quando tenta suprimir de alguma forma algum direito?

De acordo com Hannah Arendt:

O problema dos destituídos de Estado como sendo também destituídos de direitos já havia começado com a Revolução Francesa, na medida em que esta vinculou de forma forte os direitos do homem com a soberania nacional. Mesmo um instrumento precário, como os Tratados das Minorias, eram mecanismos de assimilação das minorias que estivessem presentes em apenas um Estado e que, portanto, eram consideradas assimiláveis. (2004, p. 302-306).

Toda a investigação a cerca dos direitos humanos tem a sua base de investigação no totalitarismo e autoritarismo. A maioria dos filósofos sempre foram contra qualquer tipo de domínio do homem por parte do Estado dominador que lhes tirassem a condição de seres humanos e detentores de direitos naturais, inerentes e adquiridos ao nascer. Pode-se perceber, que a vida, durante o século XX, tornou-se descartável, e os povos, descartáveis por excelência, foram confrontados com os campos de concentração e de extermínio. A morte produzida pelo totalitarismo nos adverte sempre que a redução da condição humana a apenas um de seus aspectos tem o potencial de ameaçar a vida na face da terra. E prossegue Arendt:

Os Estados-nações sempre haviam representado o domínio da lei, e nele se baseavam, em contraste com o domínio da burocracia administrativa e do despotismo – ambos arbitrários. De modo que, ao se romper o precário equilíbrio entre a nação e o Estado, entre o interesse nacional e as instituições legais, ocorreu com espantosa rapidez a desintegração dessa forma de governo e de organização espontânea de povos. E a desintegração, por mais curioso que pareça, começou precisamente no momento em que o direito à autodeterminação era reconhecido em toda a Europa, e quando a convicção fundamental da supremacia da nação sobre todas as instituições legais e “abstratas” do Estado tornava-se universalmente aceita. (Arendt, 2004a, p. 309)

De maneira geral, sim, pois a partir daí o homem começa a se enxergar como ser humano que possui não apenas deveres para com o Estado, mas também direitos que devem ser assegurados e respeitados por esse mesmo Estado que dita as ordens; ou o que é certo e o que é errado. É comum falarmos em “meus direitos, seus direitos, nossos direitos”, mas muitas vezes o cidadão que faz jus a estes mesmos direitos não se encontram inseridos no contexto social enquanto seres humanos, e pouco sabem do contexto histórico que norteiam os direitos humanos, ou pra quem preferir, direitos fundamentais do homem.

Mas de fato, o que seriam os direitos fundamentais? Por incrível que pareça, é uma definição difícil. Não é ela tarefa simples.

Para alguns filósofos, como Bobbio, os direitos do homem nascem como direitos naturais e universais. Também pensam da mesma forma alguns juristas, que asseguram, assim como o nobre filósofo, que os direitos humanos equivalem a direitos naturais, ligados diretamente, ou melhor, aqueles que são inerentes ao ser humano. Mas como todo pensamento diverge, e cada cabeça é um mundo, encontramos ainda aqueles filósofos que preferem tratar os direitos humanos como sinônimo de direitos fundamentais, ou como um conjunto normativo que tem como objetivo primário resguardar os direitos dos cidadãos de cada Estado. De acordo com José Afonso da Silva, Os Direitos naturais, direitos humanos, direitos do homem, direitos individuais, direitos públicos subjetivos, direitos fundamentais, liberdades fundamentais, liberdades públicas, são todas expressões utilizadas para designar uma mesma categoria jurídica, que varia no tempo e no espaço, mas que começa como direitos naturais, universais e imutáveis, e depois, ao longo dos anos, sofre mudança apenas no nome.

Para todos os efeitos, os Direitos Humanos são um conjunto de leis, prerrogativas e vantagens que devem ser reconhecidos pelo Estado como sendo essência pura pelo ser humano para que este possa ter uma vida digna, justa e igualitária, ou seja, não ser inferior ou superior aos outros seres humanos porque difere na raça, na cor, no sexo ou etnia, ou ainda por ser de diferente religião, etc. Como disse Bobbio, os Direitos Humanos são importantes para que o homem possa viver em sociedade uns com os outros. Em todo caso, são importantes para que haja manutenção da ordem e da paz. Esses direitos são ainda regras pelas quais não só o Estado deve respeitar e obedecer, mas todos os cidadãos que a eles pertencem.

A ERA DAS REVOLUÇÕES NO PRIMEIRO MOMENTO HISTÓRICO

Vale salientar que em algumas sociedades antigas nem todos os homens nasciam livres e iguais. Podemos citar como exemplo, a Grécia. Ser livre e igual era algo que estava diretamente ligado à política. Depois na Idade Média, e também com o advento da propriedade privada o homem passou a criar mecanismos de defesa contra os abusos frequentes do Estado dominador e contra a sua opressão. É nesse contexto histórico, do homem tentando se enxergar como ser humano que se parte em busca de tais direitos. E coletivamente, a base de muitas lutas e muito sangue, vão construindo as bases e alicerces desses direitos que surgiram através das inúmeras revoluções, umas mais importantes e significativas, que outras.

Para Bobbio:

“Do ponto de vista teórico, sempre defendi – e continuo a defender, fortalecido por novos argumentos - que os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstancias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas”. (1992, p. 5)

É bem verdade que a história dos direitos humanos é nova, embora muito antes já houvesse mecanismos de defesas usados pelos homens para tentar salvaguardar seus “poucos direitos”. Frise-se que antigamente os homens tinham mais deveres para com o Estado do que direitos. Vale salientar mais uma vez, que foi com a propriedade privada que nasce a proteção dos direitos fundamentais, pois o homem ansioso por liberdade e direitos iguais para todos lutou para que seus direitos fossem assegurados, respeitados e efetivados. E como consequência de tantas lutas e de tanto sangue derramado em prol da liberdade e igualdade e que surgem as primeiras preocupações com os Direitos Humanos fundamentais.

Foi ainda na Idade Média que surgiram os antecedentes mais diretos referentes as declarações de direitos, com a contribuição da teoria do direito natural. Entre elas a famosa Magna Carta de 1225 que surgiu após os abusos cometidos pelo Rei João da Inglaterra ao violar um grande número de leis e costumes pelos quais aquele país havia sido governado por muitos anos. Temos ainda como símbolo da luta do homem em busca dos seus direitos outros documentos como o Hábeas Corpus Amendment Act (1679) e o Bill of Rights (1689), a Declaração de Independência dos Estados unidos da América (1776), a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), a Convenção de Genebra (1864), a Constituição Mexicana (1917), a Constituição de Welmar (1919), a famosa Carta das Nações Unidas (1945), e finalmente a mais aceita entre todas as nações a Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948).

Como podemos perceber os direitos humanos são direitos que ao longo dos anos foram sendo aperfeiçoados por homens que lutaram para que isso pudesse acontecer. Ainda de acordo com Bobbio:

[...] “o homem é um animal político que nasce num grupo social, a família, e aperfeiçoa sua própria natureza naquele grupo social maior, auto-suficiente por si mesmo, que é a polis; e, ao mesmo tempo, era necessário que se considerasse o individuo em si mesmo, fora de qualquer vínculo social e político, num estado, como o estado de natureza”. (1992, p. 117)

A ERA DAS REVOLUÇÕES - A DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DO HOMEM E DO CIDADÃO (1789), E A DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS (1948)

Não restam dúvidas que as revoluções ocorridas ao longo dos séculos por homens desejosos foram importantes para que os direitos humanos se consolidassem. Explica-nos RABENHORST, que:

Para que os direitos não sejam apenas frases escritas em um pedaço de papel, mas se convertam em obrigações plenamente realizadas, faz-se necessária a existência de dois grandes instrumentos. Em primeiro lugar, os instrumentos jurídicos, que são as leis, no sentido mais amplo da palavra (Declarações, Tratados, Pactos, Convenções, Constituições etc.), e as instituições responsáveis por sua aplicação. Em seguida, os instrumentos extra-jurídicos resultantes do poder social, isto é, da nossa própria capacidade de organização e de reivindicação (movimentos sociais, associações de moradores, partidos políticos, sindicatos etc.).

Como podemos perceber é algo que se tornou importante não apenas filosoficamente, mas juridicamente. Também é comum sempre que falamos de revoluções que foram necessárias para a criação dos direitos humanos, lembrarmo-nos de como e quando começou a história constitucional e consequentemente a efetivação desses direitos. Vale salientar, como já foi dito antes, que todas as revoluções foram importantes, mas a Declaração dos direitos Homem e do Cidadão, ocorrida na França em 1978, e A Declaração Universal dos Direitos Humanos, que data de 1948, foram, sem sombra de dúvidas as mais importantes e as que de fato fizeram o Estado dominador se convencer que a luta por esses direitos, de ter uma vida digna, de ser igual perante a lei, de ser livre em quanto ser humano e defender seus pensamentos, era coisa séria e que veio pra ficar. Se liberdade e igualdade nos direitos de todos os homens, era o lema principal, não podiam deixar de reivindicar perante o Estado os seus direitos naturais e imprescritíveis, como citados acima a liberdade, a propriedade, a segurança, e ainda a resistência à opressão. E nesse contexto, tem-se toda associação política legitimada. É bem verdade, que para que tudo pudesse acontecer, que para existirem os direitos humanos, de fato e no papel, ou seja, juridicamente falando (porque para Bobbio os direitos humanos são inerentes ao ser humano, nascem com ele, são direitos naturais), houve antes de tudo, revoluções passadas que foram dando força aos objetivos revolucionários dos grandes homens que sonharam e realizaram.

Depois das duas Grandes Guerras Mundiais que vitimaram milhares de pessoas, inclusive, judeus, o mundo viveu um momento conturbado e muitas nações vítimas da ganancia e autoritarismo de Hitler e Mussolini, viram seus direitos jogados no lixo. Diante de toda essa barbárie ocorrida durante o período de guerras, em 1948 pela Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas, nasce a Declaração Universal dos Direitos do Homem, e a partir daí, fica claro que os direitos humanos deveriam ser respeitados e assegurados a todo e qualquer cidadão, independentemente de cor, raça, sexo ou credo.

De acordo com o grande filósofo, Bobbio, a Declaração Universal dos Direitos Humanos não foi apenas uma conscientização, foi antes de tudo, e em bom tempo, uma inspiração e orientação para o crescimento da sociedade internacional, tão somente, com o principal objetivo de torna-la num Estado, e fazer também com que os seres humanos fossem iguais e livres. Que fossem aceitos e vistos como seres humanos detentores não só de deveres perante o Estado, mas também de direitos que lhe asseguram um modo digno de viver; E pode-se afirmar, a partir desse instante, que pela primeira vez, princípios fundamentais sistemáticos da conduta humana foram livremente aceitos pela maioria dos habitantes do planeta. Porque assim devia ser. (1992)

Ainda segundo Bobbio, o constitucionalismo tem, na Declaração Universal dos direitos Humanos, “um dos seus momentos centrais de desenvolvimento e conquista que consagra as vitórias do cidadão sobre o poder”. Dessa forma, é impossível não enxergar nas revoluções, principalmente na declaração dos direitos do homem e do cidadão (1789), e na declaração universal dos direitos humanos (1948), um momento decisivo e importante na história dos direitos humanos para que a partir dessas lutas fossem efetivados direitos inerentes a todo e qualquer ser humano.

No entanto, deve-se levar em consideração que mesmo sendo tão importante e representando o que representa, a declaração dos direitos colocou vários problemas em questão, diga-se de passagem, problemas estes que são a um tempo políticos e conceituais; Ou seja, antes de tudo, a relação entre a declaração e a Constituição, entre a enunciação de grandes princípios de direito natural, evidentes à razão, e à concreta organização do poder por meio do direito positivo, que impõe aos órgãos do Estado ordens e proibições precisas: na realidade, ou estes direitos ficam como meros princípios abstratos (mas os direitos podem ser tutelados só no âmbito do ordenamento estatal para se tornarem direitos juridicamente exigíveis), ou são princípios ideológicos que servem para subverter o ordenamento constitucional.

Este tema foi controverso e acabou criando um conflito nos fins do século XVIII onde se chocaram, de um lado, o racionalismo jus naturalista e, de outro, o utilitarismo e o historicismo, ambos hostis à temática dos direitos do homem. Era perfeitamente possível o conflito entre aquilo que chamavam de “os abstratos direitos e os concretos direitos do cidadão” e, portanto, um contraste sobre o valor das duas cartas. Portanto, mesmo que inicialmente, tanto na América quanto lá na França, a declaração estivesse contida em documento separado, a Constituição Federal dos Estados Unidos alterou esta tendência, na medida em que hoje os direitos dos cidadãos estão todos dispostos e numerados no texto constitucional para que todos os cidadãos tenham seus direitos garantidos, sejam eles quais forem.

Em certa ocasião o jurista Ari Herculano de Souza disse em seu livro, Os Direitos Humanos, que “a lei existe para o homem e não o homem para a lei. É isso que caracteriza uma lei justa. Agir de acordo com a lei é agir legalmente. Mas não basta apenas agir de modo legal para que haja uma sociedade justa, é preciso também que se aja de modo moral”. Dessa forma, percebemos que sem um conjunto de regras justas a serem observadas para a preservação da harmonia no convívio social, torna-se quase impossível um relacionamento equânime em sociedade e o respeito aos direitos humanos e fundamentais de todos aqueles que nascem livres e iguais perante a lei.

Referências

BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Tradução: Carlos Nelson Coutinho. Editora Campus. Rio de Janeiro, 1992.

LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos - um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p. 150.

RABENHORST, Eduardo R. O que são os direitos humanos?

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo 15 ed. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 179

Ruth Oliveira
Enviado por Ruth Oliveira em 07/01/2013
Reeditado em 07/01/2013
Código do texto: T4071881
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