O FILHO DO MEU "INIMIGO"

Tenho observado ao longo dos anos no exercício constante da advocacia das famílias que dificilmente um relacionamento acaba sem que os laços de afetividade e respeito, que antes motivavam a união na busca pela felicidade em comum, permaneçam ilesos e íntegros.

Em regra geral, são dilacerados por uma reunião de dissabores, ou, no mais das vezes, um grave erro.

Enfim, no final, os protagonistas tornam-se verdadeiros inimigos. E seguem suas vidas em sentidos opostos, ou com no mínimo cem metros de distância. Trocam de lugares, bares e hábitos, até os amigos comuns precisam ser repartidos, como se também tivessem inseridos na lista dos bens amealhados durante a união.

Depois disso, ainda tem uma pena invisível a ser cumprida pelos “EXs”, maridos, companheiros, namorados, a partir de então. Nunca mais devem se encontrar. E quando inevitável por força do acaso será a melhor definição do que é constrangimento, e o surgimento de um buraco negro no chão é tudo o que desejam. É como se revivessem em segundos todas as causas que deram ensejo à dissolução, e precisassem disso apenas para relembrar e evitar a maior das dores que um ser humano pode experimentar, que é a dor do rompimento do laço afetivo, da destruição do vínculo entre duas pessoas, que é experimentada igual e somente quando há a perda natural pela morte, mesmo que não tivesse a relação sendo mais proveitosa e agradável, a ponto de comprometer a felicidade, ao menos na maior parte do tempo.

E assim a vida continua... alimentando o ódio, os sentimentos e pensamentos mórbidos um pelo outro. E o mais triste acontece quando daquela relação de amor, de carinho, paixão, tesão, ajuda, colaboração, cumplicidade, remanescem os filhos.

O que era motivo de grande alegria para ambos os parceiros, uma expressão concreta e viva do amor entre eles, capaz de ser a fusão do que haveria de melhor em cada um, o filho, passa, então, a ser o elo entre os inimigos, inafastável e tormentoso fardo a ser suportado. O filho vira o pombo-correio de insultos, e gradativamente a vida vai se deteriorando, a começar pelas emoções ruins que diariamente brotam dentro de cada uma daquelas pessoas que um dia se amaram.

Por mais que eu me esforce, não consigo entender, ou melhor, me convencer que esse seria o destino certo de todas as relações afetivas. Já ouvi histórias contemporâneas de que existam exemplos que excepcionam a regra, o que, contudo, só a confirma, a qual, no meu senso e talvez utópico desejo, deveria ser inversa.

É como se fosse o muro de Berlim, erguido entre eles no fim da relação para que um não veja mais o rosto do outro, em penitência pelo erro de um dia terem se conhecido, se aproximarem e permitido serem finitamente felizes.

Enquanto esse muro estiver em pé, continuarão arremessando pedras sobre ele, na esperança de que somente o outro sucumba e deixe de arremessar primeiro, como em uma brincadeira de crianças, apenas para que não dê o braço à torcer, em nome da vaidade e do ego.

Lamento profundamente em assistir isso todos os dias, embora ainda ganhe dinheiro com esse caos em razão do meu ofício tendo de orientar o mundo em outra direção, um a um que me consulta.

A cada dia me convenço de que sou uma onda pequena, apesar do desejo de ser gigante para que pudesse varrer do mundo em um só dia: a ira, a cólera, o mal, que penetrou e está arraigado no íntimo dos corações dos homens.

Por isso, fica aqui um pequeno conselho aos pais separados também dos filhos, se assim posso ousar fazê-lo: que comprem uma marreta e uma ponteira, e comecem a tirar os muros que os separam e façam as pazes com o suposto inimigo que vocês mesmos colocaram do outro lado. Garanto que, assim, viverão mais, e seus filhos poderão sobreviver às sequelas desse desastre inevitável que é o desamor decorrente do desfazimento dos laços afetivos, que nossa ignorância não permite erradicar da terra e da humanidade.

MÁRCIO GUSTAVO PEREIRA LIMA, com a inspiração da irmã Marcela Lúcia Pereira Lima, profunda conhecedora e estudiosa dedicada do tema Alienação Parental nas Famílias Pós-Modernas.

Márcio Gustavo Pereira Lima
Enviado por Márcio Gustavo Pereira Lima em 12/09/2013
Reeditado em 16/09/2013
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