A LEI É PARA TODOS!

O delegado não queria ficar na cidade, dessa forma, pouca atenção dava aos que o procuravam, o trabalho, ficava a cargo de Baracho encurtar as distâncias entre a população e a prestação de serviços da delegacia

Numa manhã, o delegado mandou Baracho a um local de encontro de cadáver em companhia de um médico da cidade.

Chegaram a uma estrada de terra perto da BR-262, não muito distante de Rio Casca, onde estava um rapaz morto no meio da rodovia tendo ao lado um garrafão contendo certa bebida alcoólica

O cadáver tinha marcas de ferimentos e bala e por material cortante, talvez foice, com parte de seus intestinos aparecendo e a panturrilha de uma das pernas quase toda decepada

Não havia a menor dúvida de que ele fora assassinado com, pelo menos, dois tipos de armas, de fogo e cortante ou corto contundente.

No mesmo momento da chegada, ficaram sabendo que a vítima era filho de um fazendeiro ali de perto e que, naquele dia, ocorreria o seu casamento, sendo assassinado quando estava levando um garrafão de bebidas para a sua casa. Era voz geral no local do crime que ele fora praticado por um pequeno agricultor, seu vizinho.

O médico foi incumbido de levar o corpo para o necrotério do hospital enquanto Baracho, sozinho, foi até a casa do suspeito, não o encontrando, intimou, verbalmente, os seus familiares para irem para a delegacia, até para a defesa deles caso houvesse alguma tentativa de vingança por parte dos familiares da vítima, sendo atendido.

Apresentou os familiares do suspeito a autoridade policial que ficou com eles em outras salas da delegacia, momentos depois, entregou ao Baracho, no cartório, um rapaz de uns vinte anos ou menos, dizendo que ele deveria prestar declarações por ter participado do crime, ajudando um irmão que estava ausente em local desconhecido.

Após a qualificação do rapaz, Baracho observou, sem nenhuma. dúvida, de que ele era inocente por não ter conseguido definir a posição da vítima, do local, objetos que lá estavam e outros detalhes, parando de fazer-lhe perguntas, procurou acalmá-lo e convencê-lo de que estava colocando a corda no próprio pescoço por um ato criminoso praticado pelo seu irmão, foi surpreendido com a informação de que assim estava fazendo com medo do delegado que dissera ser ele cúmplice do irmão.

O delegado se aproximou do rapaz e, ao ouvi-lo, deu-lhe uma tapa na nuca, ocasião em que Baracho levantou-se e disse ao seu superior:

Não é justo o que o senhor está fazendo, pelo menos devemos tentar capturar o principal suspeito para, só então, termos a convicção de outros envolvidos, este rapaz está no inicio da vida adulta e, o envolvendo, acabaremos com essa vida que se inicia!

O delegado não gostou e mandou Baracho ocupar a cadeira dizendo que ele mesmo ia ditar as declarações para o rapaz assinar, no que não foi atendido por Baracho que saiu do cartório incontinente, com o delegado dizendo-lhe aos gritos:

“Se você ultrapassar a porta, nunca mais trabalhará nesta delegacia.", sendo-lhe prontamente respondido:

Não sou seu empregado e sim do Estado!

Após o desentendimento, Baracho foi para casa, contudo, já arrependido pela insubordinação.

Momento depois ali chegou o delegado, pediu uma cachaça, sentou-se, fumou, colocou o toco do cigarro no copo já vazio, como sempre o fazia, tendo, a seguir, dito que colocara o rapaz temporariamente na cadeia. e no dia seguinte, sozinho, Baracho poderia tomar o depoimento dele.

As desculpas, de ambas as partes, foram aceitas e o delegado foi embora permanecendo amigo de Baracho.

No dia seguinte, bem cedo, o delegado, como quase sempre fazia, ausentou-se da cidade, ficando apenas Baracho e o carcereiro como policiais civis naquela repartição. As coisas corriam bem no tocante aos serviços por que a polícia militar dava cobertura, principalmente, pelos longos anos que Baracho trabalhara na PM.

Mandou, apesar da relutância do sargento, que o irmão do suspeito fosse libertado, intimando-o, por escrito, para comparecer dai uns dias a fim de prestar depoimentos ou, se fosse o caso, declarações.

A prisão muito irregular do irmão do suspeito acabou fazendo com que o criminoso resolvesse apresentar-se, o que fez através de um advogado de Ponte Nova, que, por telefone, combinou com Baracho a apresentação do suspeito com as armas usadas (revólver e uma pequena foice), ficando marcado para o mesmo dia a coleta das declarações e a liberação do suspeito, isso às 17:30 horas, tendo Baracho prometido ao advogado que não prenderia o assassino, por não ter sido apanhado em flagrante delito e a sua voluntária apresentação, tudo conforme manda a Lei.

Na hora aprazada, o advogado entrou no cartório, que ficava no segundo andar de um prédio que tinha no andar térreo um supermercado; meio nervoso, o causídico disse que estavam juntando pessoas na porta da delegacia, o que facilitou ainda mais a confissão total do assassino que, com medo das pessoas que vira chegando à porta, resolveu contar tudo sobre o crime.

Quando estava para acabar a tomada de suas declarações, um cabo do destacamento local chegou e disse que o sargento mandara dizer que era para entregar o preso a ele, no que Baracho lhe disse que assim não o faria por ter feito uma promessa ao advogado de liberá-lo após a colheita das suas declarações.

Pouco tempo depois, o sargento compareceu e pediu ao Baracho para atrasar a tomada de declarações porque o povo na porta estava revoltado e ele iria mandar pedir ao Delegado Regional em Ponte Nova para autorizar a prisão do criminoso em referência, no que foi acatado por Baracho.

Acabada a coleta das declarações, ficaram aguardando e ouvindo o barulho que as pessoas faziam na porta, no andar de baixo. Como Ponte Nova ficava perto, pouco tempo depois, o mesmo cabo voltou ao cartório e disse que o sargento mandara dizer que não ia mais intervir e que Baracho fizesse como queria, mas, que não lhe daria cobertura caso o povo tentasse linchar o criminoso, dizendo que manteria os seus policiais militares no quartel.

Curioso com o ocorrido, Baracho pediu ao cabo para lhe esclarecer o que ocorrera em Ponte Nova e ele respondeu que o delegado regional limitara-se a dizer:

“Diga ao sargento que Baracho sabe muito bem o que deve ser feito!”

Sem a ajuda da PM, Baracho desceu com o advogado e o criminoso, antes, avisando ao causídico que assim que ocorresse uma oportunidade, deveria entrar no seu automóvel com o seu cliente e sair “queimando pneus”, o resto ficaria por conta dele e do destino.

Estavam todos com medo, porém, alguma coisa tinha que ser feita, não poderiam ficar inertes naquele prédio, porque, a qualquer momento, alguém mais exaltado passaria pelo portão e invadiria a delegacia acompanhada da multidão... Uma multidão enfurecida tem o tino de uma criança de cinco anos.

Quando chegaram à porta e os mais exaltados se aproximavam, do meio da multidão ouviu-se um grito:

"A culpa é minha! porque atrasei em entregar o auto de corpo de delito da vítima para a policia!" era o médico que acompanhara Baracho no dia do encontro do cadáver da vítima.

Àquela intempestiva intervenção, distraiu a multidão e deu tempo ao advogado de entrar em seu carro com o assassino e partir dali em alta velocidade.

Baracho ficou só em frente à multidão.

Aproveitando a intervenção do médico, usou o que ele dissera para argumentar com os revoltados, acabando por cada um ir embora para a sua casa sem ter ocorrido nenhum confronto.

No dia seguinte, o delegado retomou e chamou Baracho dizendo que ele deveria ter colocado o homicida na cadeia até à sua chegada, informando que Baracho não tinha autorização para liberar ninguém.

Já chateado com o desgaste do acontecido, Baracho fez ver ao delegado que se não tinha autorização para liberar muito menos teria para prender uma pessoa que não fora pega em flagrante delito, e que se ele quisesse maiores esclarecimentos, telefonasse para o delegado regional, chefe de ambos, o qual já tinha sido colocado a par dos acontecimentos do dia anterior.

Meses depois, quando do julgamento e condenação do réu, a juíza que presidiu o Tribunal do Júri, falou ao público presente que a condenação do assassino só fora possível dada a atuação do Baracho conseguindo a confissão plena do autor, confissão essa confirmada no julgamento quando, normalmente, os acusados negam o que disseram na policia, entretanto, no presente caso, o réu fez questão de confirmar dizendo, inclusive, que só estava vivo graças a intervenção do escrivão.

(aa.)S.A.BARACHO.

conanbaracho@uol.com.br

(31) 3846-6567

Sebastião Antônio Baracho Baracho
Enviado por Sebastião Antônio Baracho Baracho em 29/04/2007
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