USURPAÇÃO DE CPF, CADASTRO DE INADIMPLENTES, CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E TEMAS CORRELATOS.

Da leitura diária das páginas policiais dos jornais locais pude observar a ocorrência reiterada de situação que vem apavorando os mais desavisados, os quais procuram a polícia com o escopo de informar notícia crime, por estelionato, sem se atentar para o lado, vamos dizer, consumerista da questão.

. Melhor explicando, atualmente, as empresas de telefonia, em razão da extrema informalidade no momento da contratação de uma linha telefônica, vêm sofrendo com a atuação de meliantes, os quais, por meio de CPF´s de terceiros, requerem a instalação de linha telefônica em nome de outrem; por óbvio, posteriormente, não pagam as contas, havendo a cobrança e inscrição no cadastro de inadimplentes da pessoa que teve o CPF clonado ou furtado.

. Muitas são as vítimas, as notícias nos jornais de tais delitos ocorrem a rima. Pessoas que moram no Estado de São Paulo, por exemplo, ao efetuarem um compra condicionada a averiguação de crédito, descobrem que possuem restrição em seu nome, em razão de linha telefonia aberta, e não paga, em outro Estado brasileiro.

. A análise do fato descrito nos leva a lucubrarmos sobre algumas questões atinentes ao CDC, as empresas de telefonia ao inscrever os consumidores vítimas do evento danoso no cadastro de consumidores, incorrem em atitude vedada pela lei consumerista? Há relação de consumo entre a vítima e a empresa de telefonia? Bom salientar que as empresas muitas vezes até avisam o “consumidor” da inscrição, entrementes, o fazem no local indicado – residência - pelo meliante, sendo que nada pode fazer o consumidor-vítima que teve o CPF surrupiado.

. As respostas às perguntas produzidas parecem óbvias, todavia, necessário fazermos o exato enquadramento jurídico dos entes participantes e das questões relacionadas ao tema. Por primeiro, de se gizar que da análise do digesto consumerista, mormente em seus artigos 2º, Parágrafo Único e 17º, se extrai que a vítima das ações descritas, são, indubitavelmente, amparadas pelo CDC, sendo qualificada como consumidor equiparado. Quanto à empresa de telefonia, desnecessário qualquer comentário em relação ao seu enquadramento legal em relação ao CDC.

. Quanto à “negativação” deste consumidor, dito equiparado, de se ressaltar que aos fornecedores é dada a faculdade de inscrever, nos bancos e cadastros de consumidores, as informações necessárias quando estes não honrarem com seus compromissos nas relações consumeristas. Ocorre, entrementes, que para tanto devem atender a certas exigências legais, mormente àquelas contidas no artigo 43 do CDC.

. O parágrafo 1º do artigo supracitado é claro ao aduzir ser necessário que as informações passadas aos cadastros de consumidores devem ser “verdadeiras”. Ainda, o §2º do mesmo artigo expõe sobre a obrigatoriedade da comunicação ao consumidor da abertura do cadastro.

. Outro ponto a ser discutido, como dito alhures, é o enquadramento da situação narrada nas hipóteses previstas no CDC. A jurisprudência vem entendendo que a simples inscrição indevida do consumidor no cadastro de inadimplentes enseja reparação efetiva, nos termos do artigo 6º, inciso VI. Há no caso prejuízos presumidos ao consumidor, caracterizando hipótese de responsabilidade objetiva por lesão moral, dano à integridade psíquica do consumidor, quando não dano patrimonial; o que para alguns doutrinadores consumeristas, já caracteriza hipótese de fato do produto ou serviço.

. Ao se falar em danos decorrentes de fato do produto, existe a automática vinculação de proteção à – somente – incolumidade física do consumidor. A doutrina hodierna, entrementes, de forma a abranger o maior número de situações possíveis, nas quais poderia haver prejuízo ao consumidor, faz o uso do termo “direitos extrapatrimonias”, merecendo destaque dentre estes direitos: a vida, a saúde, a segurança, a liberdade, a intimidade, o segredo, a honra e o respeito.

. Neste diapasão, de se concluir que as empresas de telefonia seriam responsáveis pela indevida inscrição do consumidor no cadastro de inadimplentes, com supedâneo, dentre outros, no artigo 14 do CDC, sendo a responsabilidade objetiva. A mens legis do CDC é no sentido de considerar que é do fornecedor os riscos do negócio - e de possíveis fraudes -, havendo proeminência na responsabilização quando inclui, indevidamente, o nome do consumidor – via CPF – no cadastro de inadimplentes

. De se realçar, também, que no caso de ajuizamento de Ação Reparatória, para que haja a efetiva proteção do consumidor na hipótese em comento, imperiosa se mostra a inversão do ônus probatório, sendo responsabilidade das empresas de telefonia demonstrar que foi o consumidor lesado que efetivou as ligações não pagas e lançadas no cadastro de inadimplentes. Na verdade, sempre que o consumidor for hipossuficiente (quanto à vulnerabilidade já há presunção legal em uma das normas-objetivo do CDC, artigo 4º, inciso I, CDC) econômica, técnica ou intelectualmente, para desincumbi-se do ônus de provar os fatos constitutivos de seu direito ou sua alegação for verossímil, deve o magistrado inverter o ônus probatório.

. Em que pese toda a argumentação até aqui produzida pró-consumidor, a qual não possui qualquer pretensão de ser tida como escorreita, de se realçar que estudo jurisprudencial produzido para feitura do presente trabalho mostrou que há decisões em todos os sentidos - e montantes -; há inclusive, e não incomuns, decisões em que Magistrados, vamos dizer, socializam os prejuízos, ordenando, apenas, a retirada do nome do consumidor do cadastro de inadimplentes, eximindo as empresas de qualquer outra reparação pecuniária. Há decisões – incorretas no meu entender, face ao todo exposto - , também, que acolhem os argumentos das empresas de telefonia, afastando a responsabilização nos termos do inciso II, do §3º, do artigo 14, “culpa exclusiva de terceiro”.

. Na verdade, longe de tentar obter qualquer resposta definitiva para o tema preposto, o breve estudo teve o escopo de, tão somente, levantar algumas das muitas – e infindáveis - questões existentes relativas à responsabilidade objetiva, dano moral e fato do serviço, além de demonstrar que nosso digesto consumerista possui características, principiologia e “mens legis” próprias.

PAULO RICARDO CHENQUER

richenquer@terra.com.br

Pós-Graduado em Direito das Relações de Consumo na PUC-SP

Membro da Comissão de Direito do Consumidor da 33ª Subsecção da OAB-Jundiaí-SP