O ERRO MÉDICO, O CDC E A JURISPRUDÊNCIA.

Matéria tratada diuturna e incansavelmente pela doutrina e jurisprudência, o erro médico ainda suscita em nossos juristas um sem número de questões, as quais se originam dos mais diversos prismas de análise propiciados pelo indigitado tema. O presente trabalho tem o fito de produzir breve análise sobre as hesitações e contradições existentes em nossa jurisprudência em relação à responsabilização de médicos e nosocômios em situações em que se verifica a existência de erro médico.

O erro médico é fato jurídico causador das mais variadas conseqüências aos pacientes, implicando ordinariamente em danos materiais e morais (puro e oriundo de dano estético) às pessoas tomadoras do serviço defeituoso.

Indubitável que toda a doutrina clássica da responsabilidade civil empresta valioso supedâneo jurídico para as situações em que ocorre o chamado erro médico, todavia, não resta dúvida, também, que é o Código de Defesa do Consumidor que, atualmente, é o digesto específico e especial para dirimir testilhas originadas de danos à integridade físico-psíquica de paciente vítimada por um desacerto na intervenção médica.

Nos termos do artigo 14 do CDC, o erro médico é enquadrado como hipótese de serviço defeituoso, sendo, portanto, face a todo o arcabouço jurídico montado pela lei consumerista, a responsabilidade, do causador do dano, objetiva e solidária; à vítima bastará a prova do fato, do dano e o nexo causal entre eles.

Imperioso salientar, contudo, que em relação ao profissional liberal, no caso o médico, o CDC reservou exceção à regra da responsabilização objetiva, ou seja, há clara menção no §4º, do artigo 14, que “a responsabilidade dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa”.

Inequívoco neste ponto o fito do legislador ao excepcionar o profissional liberal das regras e conseqüências da responsabilidade objetiva prevista, contudo, de se questionar de que forma se relacionam as responsabilidades de médicos, nosocômios e planos de saúde quando da ocorrência de erro médico.

O tema que, inicialmente, parece navegar em águas nada revoltas é dos mais contraditórios dentro da jurisprudência, havendo divergências inimagináveis em nossos tribunais, ocorrendo, inclusive, como no TJ/RS, decisões divergentes dentro de uma mesma Câmara.

A questão a se propor é se pode o nosocômio (e plano de saúde) aproveitar-se da necessidade da aferição de culpa do profissional liberal médico para eximir-se de qualquer responsabilidade em casos em que há danos, a paciente, ocasionados por erro médico? Há a necessidade da prova da culpa do profissional liberal médico, para a responsabilização do fornecedor – hospital? De se salientar que para a verificação e simplificação de tais respostas partiremos do pressuposto que há vínculo – seja ele qual for – entre o médico e o hospital.

A análise jurisprudencial nos mostra que há juízes que entendem que deve haver aplicação restrita dos artigos do CDC, ou seja, a responsabilidade para os participantes da cadeia de fornecedores é objetiva e solidária, nos termos do artigo 14 do CDC, independentemente da atuação culposa ou não de seus prepostos – médicos.

Para referida corrente não cabe investigar acerca da culpa dos prepostos do hospital, mas se o serviço prestado pelo nosocômio foi defeituoso ou não. Nesse passo, a configuração dos elementos nexo causal e dano geram o dever de indenizar, sendo as eximentes de responsabilidade possíveis para o caso, a inexistência de defeito no serviço e a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro, com supedâneo no art.14, §3º, I e II. Bom salientar quanto ao inciso I há hipótese de quebra do nexo causal, já quanto ao inciso II, há hipótese de genuína excludente de responsabilidade objetiva.

Corrente diversa, defendida por insignes juristas, entende, de forma oposta, ou seja, para os mencionados a responsabilização solidária do hospital ocorre, apenas, quando se consegue provar que seu preposto agiu culposamente. Aqui a responsabilidade do nosocômio (e plano de saúde, se o caso) persistirá, tão somente, se restar comprovada a culpa (em sentido lato) do profissional liberal médico.

A diversificação de entendimentos é gritante, demonstrando o quão vacilante é a jurisprudência pátria, para não dizer confusa, quando se põe a analisar a matéria aqui tratada. Há interpretações diversas, variando de caso a caso, difícil até mesmo encontrar uma tendência, ou pensamento uniforme.

Imperioso salientar, entrementes, que a doutrina, de forma massiva, mas não unânime, entende que há a responsabilidade objetiva do hospital, independentemente de haver ou não culpa de seu preposto; consideram que interpretação diversa feriria mortalmente todo o arcabouço e a principiologia consumerista.

Neste diapasão, a doutrina entende que no caso de eventual ação de regresso do hospital em face do médico, a análise da culpa deverá nortear os debates, pois, a relação do consumidor com o fornecedor/hospital é sempre a mesma, independendo de que tenha havido um defeito do serviço por culpa.

Não há dúvida que o tema é palpitante, havendo inclusive inúmeras variações que podem alterar os pensamentos defendidos. Há debate intenso na doutrina, com divergência de opiniões, quanto a alteração da responsabilidade do médico, dependendo ser sua atuação de meio, de resultado, com obrigação de garantia, ou obrigação de segurança, se a operação é ou não eletiva. Ainda, as opiniões e julgados se mostram ainda mais divergentes se considerarmos hipóteses em que o médico causador do dano não é preposto do hospital eleito para a intervenção clínica.

Em minha opinião, o artigo 14 do CDC, deixa claro ser objetiva e solidária a responsabilidade do fornecedor. Define, também situações as quais o serviço pode ser considerado defeituoso. Da análise do indigitado artigo, assim como as eximentes existentes em seu §3º, podemos concluir que a responsabilidade do hospital em caso de defeito do serviço, ocasionados por seus prepostos – nos termos do artigo 34 do CDC – é objetiva e solidária, independendo se houve ou não culpa de seus vinculados. A responsabilidade do médico diante de um fato danoso é subjetiva, entrementes, não aproveita tal fato a pessoa jurídica. Ao paciente/consumidor bastará a prova do evento danoso e do nexo causal.

Nexo causal, entendo que é na apreciação deste ponto que está contido o erro daqueles que condicionam a responsabilização objetiva do hospital à aferição de culpa do profissional liberal (nos termos do CDC, não é o caso de se apurar a culpa ou não culpa do profissional, mas sim se o evento danoso foi ocasionado pela conduta do vinculado); equívoco que, na maioria das vezes, é ocasionado por uma claudicante descrição das ações dos prepostos dos nosocômios. Na descrição do dano, do fato que ocasionou o dano deve haver um elo, uma linha factual entre os fatos narrados e o evento danoso capaz de comprovar as ações equivocadas dos profissionais envolvidos.

Desta forma, não basta, em caso de litígio judicial, ajuizamento da Ação apenas em face do hospital, sem a inclusão dos médicos no pólo passivo da lide, e imputação ao fornecedor da responsabilidade objetiva. Necessário é demonstrar o nexo, corroborar que as condutas lesivas partiram dos prepostos do fornecedor.

PAULO RICARDO CHENQUER

richenquer@terra.com.br

Advogado

Pós-Graduando em Direito das Relações de Consumo na PUC-SP