O Advogado, a Cobrança de Honorários e o Código de Defesa do Consumidor

Tido como intocável em tempos passados, face ao seu caráter não mercadológico, e por se realizar intuitu personae, o contrato de honorários estipulado entre cliente e seu advogado vem recebendo da Justiça, em determinadas situações, revisões, com base no Código de Defesa do Consumidor. Já são inúmeros os julgados, havendo, inclusive, decisão do STJ, que, ou em Ações Revisional de Contrato ou em julgamento de Embargos ajuizados em Ação de Execução de Honorários Advocatícios, vêm aplicando os artigos 4º, inciso III (dentre outras, aduz, sobre a boa-fé e equilíbrio nas relações de consumo) e artigo 51, inciso IV (estipula serem nulas as cláusulas contratuais que sejam “iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada”) ambos do CDC, com o fito de rever os honorários cobrados pelo advogado de seu cliente.

Como é sabido, o advogado possui lei específica, a Lei 8.096/94 regra a profissão do advogado de forma detalhada, havendo, até mesmo, em seu artigo 22, regramento para a cobrança de honorários. Algumas características da profissão do advogado, como, a necessidade de manter sua independência em qualquer circunstância e a vedação à captação de causas ou à utilização de agenciador (artigos 31, § 1° e 34, III e IV da Lei n° 8.906⁄94), evidenciam natureza incompatível com a atividade de consumo. Nesta linha, o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 14, §4º, excluiu o advogado – e também outros profissionais liberais – da responsabilização objetiva que é, na verdade, o grande bastião do digesto consumerista.

Ao determinar que “a responsabilidade dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa”, o CDC, no entendimento de muitos - os quais também ponderam o fato de ser a Lei 8.096/94 específica e anterior quando comparada a Lei 8.078/90 -, afastou o advogado de todo o seu regramento.

De se ressaltar, que os contratos de serviços advocatícios em geral não são de adesão. O contrato do profissional do direito com seu cliente, normalmente decorre de negociação, momento em que são estipuladas suas cláusulas, tendo como sustentáculo a relação de confiança entre o cliente e o profissional.

Por outro lado, há entendimentos no sentido de que o advogado foi excluído apenas e tão somente da responsabilização objetiva prevista no Capítulo IV, Seção III, do CDC, sendo as demais previsões legais do Código aplicáveis. Através deste entendimento é possível rever contrato de honorários, assim como considerar alguma atitude do advogado como prática abusiva, nos termos do artigo 39 do CDC. Nesse sentido é a lição do Professor Sergio Cavalieri:

"Conforme já ressaltado, os profissionais liberais, como prestadores de serviços que são, não estão fora da disciplina do Código do Consumidor. A única exceção que se lhes abriu foi quanto à responsabilidade objetiva. E se foi preciso estabelecer essa exceção é porque estão subordinados aos demais princípios do Código do Consumidor – informação, transparência, boa-fé, inversão do ônus da prova etc." (in Programa de Responsabilidade Civil. 4 ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 491).

É com supedâneo neste entendimento que inúmeros contratos de honorários advocatícios vêm sendo judicialmente revistos, havendo a redução dos valores dos honorários contratados.

Da análise não apenas do conceito de fornecedor contido no artigo 3º do CDC, como também das características históricas e legais da profissão, se pode depreender, no meu entender, que a atividade do advogado não se inclui naquelas fornecidas no mercado de consumo, sendo, portanto, impassível da aplicação do CDC.

Os contratos de honorários, em caso extremos, onde há velada má-fé, ou exagero ao se estipular valores (embora tal conceito seja relativo), podem sim ser revistos, mas com base em nossa lei civil ordinária, que proporciona bons argumentos para tanto; ou então, com alicerce na própria Lei 8.096/94, onde, também, há subsídios para se questionar os atos do advogado e, por conseqüência, embasar requerimento de revisão contratual.

De se ressaltar, ainda, que há corrente no sentido de que a responsabilidade subjetiva não se estende aos serviços profissionais prestados por pessoas jurídicas, como é o caso da sociedade de advogados, hipótese em que a responsabilidade seria objetiva, se aplicando, assim, as disposições do artigo 14 "caput" do CDC, ressalvado a possibilidade da sociedade de advogados exercer o direito de regresso em face do profissional culpado. Aqui, entendo que este posicionamento apenas se justificaria no caso de ser o contrato desta pessoa jurídica de adesão, com a impossibilidade do cliente de questionar as cláusulas constantes.

Por fim, tranqüilizo os colegas advogados afirmando, em que pese a existência de alguns entendimentos divergentes, que o entendimento majoritário do STJ é no sentido de considerar que a atividade do advogado não se compatibiliza com as atividades prestadas no mercado de consumo, não sofrendo, portanto, a incidência do Código de Defesa do Consumidor.

Paulo Ricardo Chenquer

richenquer@terra.com.br

Advogado, pós-graduado em Direito das Relações

de Consumo pela PUC-SP