Fiança: outorga uxória e outorga marital

* Prof. Dr. Arnaldo de Souza Ribeiro

Primeiro foi necessário civilizar o homem em relação ao próprio homem. Agora é necessário civilizar o homem em relação a natureza e aos animais.

Victor-Marie Hugo. Novelista, poeta, dramaturgo, ensaísta, artista, estadista e ativista pelos direitos humanos. Entre suas obras destacam-se: Les Misérables e Notre-Dame de Paris. Nasceu em Besançon, no dia 26 de fevereiro de 1802 e faleceu em Paris, no dia 22 de maio de 1885.

A fiança ou garantia fidejussória é um contrato acessório no qual os fiadores se responsabilizam pelo adimplemento das obrigações assumidas pelos afiançados. Para sua validade, faz-se necessário que se observe o estado civil dos fiadores e, se casados, o regime de bens por eles escolhido. O regime de bens constitui-se de um conjunto de regras que os nubentes escolhem antes do contrato de casamento, ocasião em que definem como os bens do casal serão administrados durante a vida em comum. De acordo com o Código Civil Brasileiro, os nubentes poderão optar por um dos quatro regimes existentes, sendo: comunhão parcial de bens, comunhão universal de bens, separação absoluta e participação final nos aquestos.

De forma sucinta e com vistas a esclarecer onde se faz necessária a outorga uxória ou a outorga marital para a validade dos contratos, transcreve-os e comenta-se o alcance de cada um deles em relação aos bens do casal:

a) comunhão parcial de bens: todos os bens adquiridos após a data do casamento serão comuns ao casal. Os bens adquiridos individualmente, antes do casamento permanecerão de propriedade individual, inclusive quando recebidos por herança;

b) comunhão universal de bens: comunicam-se todos os bens atuais e futuros e serão comuns ao casal. Neste regime, antes de habilitar o processo de casamento civil, faz-se necessário que os nubentes dirijam-se a um Cartório de Notas e façam a escritura pública de pacto antenupcial;

c) separação absoluta: os bens - atuais e futuros - dos cônjuges não se comunicam, portanto serão sempre de propriedade individual. Exige-se também, que antes de habilitar o processo de casamento, façam a escritura pública de pacto antenupcial.

d) participação final nos aquestos: nesta modalidade os bens que os cônjuges possuíam antes do casamento ou adquirirem durante, permanecerão como propriedade individual, portanto, conforme preceitua o artigo 1.656, do Código Civil; os cônjuges poderão convencionar sua livre disposição:

Artigo 1.656. No pacto antenupcial, que adotar o regime de participação final nos aquestos, poder-se-á convencionar a livre disposição dos bens imóveis, desde que particulares.

Ressalte-se ainda, que o Código Civil Brasileiro, admite que os cônjuges – se acordes - modifiquem o regime de bens, mediante alvará judicial e com o devido resguardo aos interesses e direitos de terceiros.

Pelo exposto – a fiança - somente será válida sem a outorga uxória ou marital no regime de separação absoluta.

Nesse sentido ensina René da Fonseca e Silva Neto:

No regime de separação absoluta de bens não se faz necessária a outorga para a disposição dos imóveis, vez que cada um dos consortes pode dispor livremente de seu próprio patrimônio. [1]

E o faz escudado nos artigos 1.647 e 1.649 do Código Civil, que preceituam:

Art. 1.647. Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta:

I - alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis;

II - pleitear, como autor ou réu, acerca desses bens ou direitos;

III - prestar fiança ou aval;

Art. 1.649. A falta de autorização, não suprida pelo juiz, quando necessária (art. 1.647), tornará anulável o ato praticado, podendo o outro cônjuge pleitear-lhe a anulação, até dois anos depois de terminada a sociedade conjugal.

Conclui-se, que o contrato de fiança é um contrato acessório, sempre ligado ao contrato principal, que exige a forma escrita e – que em tese – é gratuito, embora não se proíba a forma onerosa, como exemplo a fiança prestada por instituição bancária.

Ademais, o contrato de fiança é sempre interpretado restritivamente, portanto, ao elaborar o contrato recomenda-se, que se verifique atentamente o estado civil e o regime de bens adotado pelos fiadores, para evitar que o mesmo seja objeto de ação anulatória, com notórios reflexos negativos e prejuízos para todos os envolvidos.

Itaúna - MG, 28 de junho de 2015.

Nota: 1. SILVA NETO, René da Fonseca. Considerações sobre o regime de bens no Código Civil Brasileiro. Disponível em: < http://jus.com.br/artigos/19073/consideracoes-sobre-o-regime-de-bens-no-codigo-civil-brasileiro > Acesso em 26.06.2015

Bibliografia

BRASIL. Código Civil. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Organização dos textos, notas remissivas e índices por Editora Saraiva, Luiz Roberto Curia, Lívia Céspedes e Juliana Nicoletti. 9ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

SILVA NETO, René da Fonseca. Considerações sobre o regime de bens no Código Civil Brasileiro. Disponível em: < http://jus.com.br/artigos/19073/consideracoes-sobre-o-regime-de-bens-no-codigo-civil-brasileiro > Acesso em 26.06.2015

Obs. Publicado no Jornal DIÁRIO DE ITAÚNA E REGIÃO (Itaúna, Nova Serrana e Pará de Minas). Terça-feira, 30 de junho de 2015. Ano VI, N. 1493 – Pag. 2.

* Arnaldo de Souza Ribeiro é Doutor pela UNIMES – Santos - SP. Mestre em Direito Privado pela UNIFRAN – Franca - SP. Especialista em Metodologia e a Didática do Ensino pelas Faculdades Claretianas – São José de Batatais – SP. Coordenador e professor do Curso de Direito da Universidade de Itaúna – UIT – Itaúna - MG. Professor convidado da Escola Fluminense de Psicanálise – ESFLUP – Nova Iguaçu - RJ. Secretário Adjunto e membro da Comissão de Direito Imobiliário da 34ª Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB – Itaúna – MG. Sócio efetivo da Associação Brasileira de Filosofia e Psicanálise – ABRAFP – Belo Horizonte - MG; membro do Instituto Mineiro de Direito Processual – IMDP – Belo Horizonte – MG; sócio fundador e secretário do Instituto Mineiro de Humanidades – IMH – Itaúna – MG e membro do Instituto do Direito de Língua Portuguesa – IDILP – Lisboa. Advogado e Conferencista. E-mail: arnaldodesouzaribeiro@hotmail.com