REPRESENTAÇÃO FISCAL PARA FINS PENAIS NOS CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA.

ROSIMAR LIMA DE MELO

REPRESENTAÇÃO FISCAL

PARA FINS PENAIS

NOS CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA.

BREVES PONDERAÇÕES

ACERCA DA

LEI Nº 8.137/90

PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PÚBLICO

SUMÁRIO

I. Palavras Introdutórias

I.I. Considerações a respeito da Lei 8.137/90

II. O lançamento – A Constituição do Crédito Tributário

III. Fundamentos e Limites da Criminalização de Dívidas Tributárias

IV. Crimes Contra a Ordem Tributária e a Representação Para Fins Penais

V. Causas de Extinção da Punibilidade

VI. Considerações Finais

VII. Bibliografia

I. Palavras Introdutórias

O descumprimento de obrigação tributária enseja o desencadeamento de atos administrativos, tomados de ofício, no sentido de averiguar a falta, medir seus efeitos e, em havendo descumprimento de norma prescritora de conduta necessária ou vedada, exigir o tributo devido e infligir a penalidade prevista.

Tal série de atos forma o procedimento administrativo tributário - consubstanciador do contencioso administrativo tributário, que tem vistas ao controle de legalidade do ato administrativo do lançamento.

Assim, os crimes contra a ordem tributária ou práticas fraudulentas definidos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137/90 que visam reduzir, retardar ou suprimir a cobrança dos tributos possuem o seu tipo legal delimitado por esta legislação específica mas, somente estarão definitivamente constituídos por meio de procedimento administrativo no qual se deva garantir a aplicação dos princípios da legalidade e da ampla defesa, inclusive com a discussão sobre a regularidade da constituição deste crédito e com a garantia de duplo grau.

Para tanto, o art. 83 da Lei nº 9.430/96 dispõe que, para a Fiscalização poder encaminhar representação de crime contra a ordem tributária ao Ministério Público, necessário se faz que seja proferida a decisão final na esfera administrativa sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente.

Ocorre que, várias discussões e interpretações divergentes pairam sobre o assunto, demonstrando a existência de dúvidas sobre a obrigatoriedade ou não da constituição definitiva daquele crédito para se iniciar a ação penal, se há ou não violação à autonomia da instância penal e, ainda, se o art. 2º da Lei nº 8.137/90 não estaria desvinculado do necessário esgotamento da instância administrativa por ser crime formal ou de mera conduta.

A possibilidade de utilização da sanção penal como forma de coação para o pagamento dos tributos também é severamente questionada, ainda mais em um país como o nosso em que a alta carga tributária é considerada injusta devido à ausência de contraprestação com o quantum arrecadado com tributos indiretos. A tipificação dos crimes contra a ordem tributária não pode extrapolar a finalidade primordial das sanções criminais que é a de proteção dos bens jurídicos ameaçados por determinado comportamento humano.

A mera ausência de pagamento dos tributos pelo contribuinte do qual não se poderia exigir outra conduta ou, de outro modo, a impossibilidade de sua prestação devido a impossibilidades financeiras pelas quais passe o contribuinte caracterizando estado de necessidade, não pode ser considerada ilícito penal. A punição desta conduta por meio de uma aplicação de pena privativa de liberdade somente poderá ocorrer se o contribuinte obteve o resultado de redução ou supressão do tributo por meio de condutas ilícitas, previstas expressamente na legislação pátria e se houve o dolo de produzir aquele resultado.

Em matéria tributária, devemos observar ainda que, para que se comprove a existência do crédito tributário passível de execução pela Administração Pública, deve este crédito estar regularmente e definitivamente constituído pelo lançamento e pelo esgotamento dos questionamentos em âmbito administrativo. Ainda devemos nos ater às causas de suspensão, extinção e exclusão do crédito tributário, as quais fazem cessar os efeitos decorrentes destes créditos, bem como às causas extintivas de punibilidade.

Assim, após uma revisão do processo de formação do crédito tributário e do histórico do direito criminal para punir crimes de natureza tributária, percebemos a utilidade da Justiça como instrumento para a cobrança de tributos, os limites impostos à criminalização da inadimplência destes débitos, principalmente a necessidade de esgotamento das instâncias administrativas para a representação, observando que a nossa Constituição Federal prevê, dentre outros, o princípio da legalidade, pelo qual se exige a tipificação da conduta em matéria penal e a tipificação do fato imponível, em matéria tributária, de forma a se dar segurança aos atos praticados pelos cidadãos de que somente poderão sofrer qualquer espécie de sanção quando contrariarem as espécies normativas e, ainda, o princípio do devido processo legal, garantido o contraditório, a ampla defesa e o duplo grau nas instâncias administrativas e judiciais, na constituição de créditos tributários e na comprovação destes ilícitos penais.

II. O lançamento – A Constituição do Crédito Tributário

A obrigação jurídica tributária nasce com a prática, pelo contribuinte ou sujeito passivo direito, de ato suscetível de imposição tributária pelos entes tributantes ou entes competentes para a instituição, majoração, redução, exclusão ou alteração dos tributos, sejam eles a União, os Estados-membros, o Distrito Federal e os Municípios. A obrigação pode ser principal ou acessória, observando-se que a obrigação acessória, quando do seu não cumprimento, revestirá o caráter de obrigação principal quanto à sanção pecuniária, conforme dispõe o art. 113 do Código Tributário Nacional:

Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória.

§ 1º A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente.

§ 2º A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos.

§ 3º A obrigação acessória, pelo simples fato de sua inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente a penalidade pecuniária.

Para que se constitua esta obrigação, ainda se faz necessário que lei específica, emanada do ente competente, preveja todos os elementos ou aspectos daquela obrigação. Sem estes aspectos essenciais da obrigação tributária não se completa a relação jurídica não se configurando a obrigação tributária e, para praticamente a maioria dos autores, estes aspectos são em número de cinco, quer sejam: pessoal, material, temporal, espacial e quantitativo, observando que para Aliomar Baleeiro , na obra Limitações constitucionais ao poder de tributar, são definidos como sendo em número de seis, sejam eles: a lei, o sujeito ativo, o sujeito passivo, o fato gerador da obrigação, a base de cálculo e o objeto da prestação definido na lei.

Uma vez detectados, naquele fato ocorrido no mundo real, todos os aspectos definidos expressamente na norma vigente, nasce para a Administração Pública o direito de efetuar o lançamento constituindo o crédito tributário e declarando a existência de uma relação jurídica tributária. Este crédito tributário, nos termos do art. 139 do Código Tributário Nacional, decorre da obrigação principal e em a mesma natureza desta.

Nesta relação jurídica tributária encontraremos, em um lado, no pólo ativo, o ente dotado de competência para criar e alterar o tributo e dotado também de capacidade para arrecadar e fiscalizar, ou um outro ente pelo primeiro instituído, dotado apenas das características da capacidade tributária ativa, ou seja, somente com os poderes de arrecadar e fiscalizar.

No pólo passivo da relação jurídica tributária também não iremos encontrar necessariamente o sujeito que realizou o fato imponível, podendo situar-se neste lado tanto o contribuinte de fato, aquele que tenha relação pessoal e direita com o fato suscetível de tributação, quanto um outro sujeito, um terceiro obrigado ao pagamento do tributo e que esteja vinculado, sempre por meio de lei expressa, ao fato que gerou a obrigação tributária, mesmo que de forma indireta.

Em suma, estes terceiros obrigados ao pagamento dos tributos também denominados contribuintes indiretos ou de direito, podem ser os responsáveis em suas diversas formas previstas no Código Tributário Nacional, arts. 128 a 138, os substitutos e os retentores, quando se ponham no lugar do contribuinte imediato excluindo a sua responsabilização, ou terceiros auxiliares na arrecadação.

Os elementos desta relação jurídica tributária ou elementos da prestação serão, portanto, detectados pelo lançamento conforme dispõe o art. 142 do Código Tributário Nacional:

Art.142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação de penalidade cabível.

O mestre Antônio Correa, em sua obra que versa sobre a Lei em tratamento, acrescenta-nos que:

“A atividade estatal denominada ‘lançamento’ é a de criar atos administrativos vinculados. Estes, se virem a nascer com a inobservância de qualquer requisito do procedimento determinado pela lei, serão conseqüentemente nulos de pleno direito”.

A nossa Carta ainda prevê a necessidade de lei complementar, conforme o disposto no art. 146, quando a legislação tributária for dispor sobre conflitos de competência entre os entes tributantes; regular limitações constitucionais ao poder de tributar, e, estabelecer normas gerais referentes à: definição de tributos e suas espécies, respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes; obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência e tratamento dado ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas.

Percebemos, portanto, que o nosso ordenamento jurídico tributário, tanto quanto o sistema penal pátrio, é regido pelo princípio da estrita legalidade, segundo o qual nenhum tributo poderá ser majorado ou exigido senão em virtude de lei. Não basta, deste modo, o ato normativo do lançamento para que se constitua um crédito tributário. Necessária a sua previsão em lei, emanada do ente competente, delimitando todos os elementos do tipo tributário e atendendo, conseqüentemente, ao princípio da tipicidade fechada.

Desta forma, o contribuinte ainda terá a segurança jurídica de que, praticados os seus atos em conformidade com a legislação vigente, não poderá sofrer punição de qualquer espécie. E, em direito tributário, são fontes legislativas tanto as normas constitucionais quanto todas as normas dela decorrentes, inclusive as portarias administrativas, resoluções e, também, as consultas formuladas oficialmente perante os órgãos de fiscalização tributária.

Não se olvide que o ato de lançamento, devido à grande diversidade de relações jurídicas tributárias existentes no mundo atual, cada vez mais, vem ocorrendo na forma de lançamento por homologação, ou seja, o próprio contribuinte pratica aqueles atos do lançamento previstos no art. 142 do CTN, realizando um autolançamento e verificando a ocorrência do fato imponível, calculando e já recolhendo ou compensando com valores antes recolhidos, o montante devido e informa-os à administração, juntamente com os dados que o identificam como sujeito passivo, para que ela apenas homologue este lançamento.

No que concerne ao momento em que ocorre a homologação, considerável parte da doutrina entende que já subsiste a possibilidade de exigibilidade do crédito desde o momento da ocorrência do fato suscetível de imposição tributária, quando sujeito ao autolançamento.

Entre diversos autores, cumpre-nos fazer alusão a James Marins , o qual denomina esta exigibilidade de incondicionada, diferentemente da que ocorre nos tributos sujeitos às outras formas de lançamento, como o lançamento de ofício, cuja exigibilidade fica condicionada à formalização do crédito pela fiscalização.

Para que o crédito tributário possua exeqüibilidade, esta entendida como a possibilidade da fiscalização administrativa executar o seu crédito definitivamente constituído, ainda se faz necessária, após o lançamento de ofício ou a homologação do autolançamento, a sua inscrição na dívida ativa para formalizar o título executivo.

Ressalte-se que nem todos atos da fiscalização tributária que detectem a existência de créditos não declarados e não pagos irão, necessariamente, detectar a existência, por detrás destes créditos, de ilícitos tributários. O comportamento do sujeito passivo de recolher os valores tributados aos cofres públicos poderá ser classificado como ato lícito ou ilícito, conforme os meios utilizados e os fins almejados pelo contribuinte.

O Fisco está sempre procurando aperfeiçoar as regras de fiscalização e arrecadação, visando a uma arrecadação cada vez mais eficaz e o contribuinte, muitas vezes para a sobrevivência de seu próprio negócio, busca formas de impedir, reduzir ou retardar a imposição tributária mediante a organização e o planejamento dos seus débitos.

Esta forma adotada pelo contribuinte pode assumir posições diferenciadas e tomar o caráter de licitude, denominando-se elisão fiscal se preceder ao fato gerador da obrigação tributária, for realizada por meio de formas permitidas ou não defesas em lei e se constituir em ato próprio da finalidade negocial. Será, porém, considerada ilícita e denominada evasão fiscal se for aplicada após a ocorrência do fato gerador e se visar exclusivamente a ocultação daquele fato sujeito à imposição tributária. Neste sentido, os julgados:

Não demonstrada a prática de irregularidades tributárias com o escopo de auferir vantagens ilícitas em prejuízo da arrecadação tributária, descabe a acusação de crime de sonegação fiscal. (Ac. n. 107-2.686, DOU 22.01.1997, p. 1232, Rel. Cons. Jonas Francisco de Oliveira).

Habeas corpus. Omissão na declaração de rendimentos. Lei n.º 8.137/90 (art. 2.º, I). Para configuração do delito imputado ao paciente, deve haver a omissão e a vontade dirigida para o não pagamento total ou parcial do tributo. Denúncia formalmente adequada e impossibilidade de discussão sobre o elemento subjetivo em sede de habeas corpus, porquanto diz respeito à prova. (TRF – HC n. 95.02.21212-6-RJ, DJ de 12.03.1996, Rel. Des. Fed. Valmir Peçanha).

O que não pode é o contribuinte ser penalizado pela prática de sua atividade empresarial que, tendo-se em vista ser dirigida pelos princípios da organização, profissionalidade e economicidade, envolvendo ainda a imprevisibilidade de mercados nacional e internacional os quais se encontram mundializados, podendo se encontrar, a qualquer momento, em situação deficitária sem ter praticado qualquer ilícito e de forma que se torne impossível o pagamento dos débitos tributários.

A liberdade é garantia constitucional e, referindo-se ao tema, nos ensina Maurício Antônio Ribeiro Lopes:

Entre todos os limites impostos ao poder do Estado, considera-se que o mais eficaz é o reconhecimento jurídico de determinado âmbito de autodeterminação individual, no qual o Estado não pode penetrar. Estas esferas privadas coincidem com o que se tem chamado, já há alguns séculos, pelo nome de direitos do homem ou liberdades fundamentais. Ainda que submetidas a variações interpretativas em decorrência dos diferentes ambientes onde estão em vigor estas liberdades, ou então estas garantias fundamentais são o núcleo inviolável do sistema político da democracia constitucional .

E a nossa Lei Maior garante o direito de propriedade, impedindo o confisco, de forma que o contribuinte pode e deve se valer das práticas lícitas de economia de tributos para que o seu patrimônio não seja totalmente extinto face à carga tributária que, em nosso país, é considerada severamente elevada. Uma das mais altas do mundo.

III. Criminalização de Dívidas Tributárias

Cumpre-nos recordamos alguns momentos históricos da criminalização dos ilícitos tributários antes de tecermos questionamentos sobre a possibilidade de representação penal para fins fiscais, sem o esgotamento das discussões em esfera administrativa. Um breve histórico da tipificação dos crimes tributários é explicado na obra Elementos de direito penal tributário de Juary C. Silva.

O autor em tratamento explica que, com a Revolução Industrial, após a década de 30, houve ampliação das atividades suscetíveis de tributação com a conseqüente complexização do sistema tributário. Vejamos:

“Em 1965, quando o legislador sistematizou pela primeira vez os crimes tributários, fê-lo sob a consideração da necessidade de reestruturar o mecanismo fiscal da União e ordenar o sistema tributário nacional, ambos assolados por grave crise institucional, a qual desaguou na instauração de um regime de força, que veio a perdurar por quatro lustros. Animado desse escopo, o legislador agiu com moderação e prudência à semelhança dos países europeus que já haviam ditado disposições semelhantes, sob a égide do Estado de Direito. Aqui o legislador alcançou esse intuito, até certo ponto, ainda que trabalhasse sob o guante de um regime de exceção.”

Mas, a possibilidade de se utilizar sanções criminais como forma de coação para o pagamento de dívidas tributárias, como vimos até o momento, não é uma matéria que possa abranger exclusivamente os critérios de direito penal, tão pouco somente os conceitos de direito tributário.

Para tanto, a nomenclatura ‘direito penal tributário’ como ramo do direito penal que se refere ao tema dos tributos e respectivos delitos fiscais, o qual não se pode confundir com a parte sancionatória do direito tributário, o direito tributário penal que abrange sanções fiscais, administrativas e tributárias, como a apreensão de mercadoria transportada sem respectiva documentação fiscal.

Ocorre que a utilização do recurso criminalizador para punir os devedores do Fisco é severamente questionada, como podemos verificar na doutrina de Juary C. Silva, dizendo sobre a publicação da Lei nº 8.137/90 que definiu os crimes contra a ordem tributária e outras providências, que:

“Já em 1990, o legislador agiu de modo atabalhoado, ignorando o Estado Democrático de Direito (art. 1.º da CF) e a boa técnica legislativa desvinculado de alguns princípios mais comezinhos da Ciência Penal e com o objetivo precípuo de aumentar, "à l´outrance", a arrecadação tributária. Com o escopo, vale dizer, de aterrorizar os contribuintes encostando-os contra a parede, a fim de que pagassem rapidamente as obrigações tributárias, legais ou ilegais, sem discuti-las pelas vias de direito cabíveis.”

E, como vimos até o momento, todo o devedor de tributo não pode, de forma generalizada, ser tipificado como criminoso. Merecem especial registro, portanto, as decisões dos Tribunais Regionais Federais da 3.ª (Ap. Crim. nº 96.03.048240-4, DJU II de 24.06.97), e da 4.ª Regiões, (Ap. Crim. n.º 95.04.32061-9/PR, DJU de 07.08.96, p. 55.339) acatando a tese da inexigibilidade de outra conduta, para absolver empresários que em face de dificuldades financeiras cabalmente demonstradas, deixaram de recolher contribuições à Seguridade Social.

Nestes casos, referidos empresários deixaram de recolher aquelas contribuições para que pudessem cumprir com os pagamentos de salários e outras demais obrigações imprescindíveis para a sobrevivência do negócio.

Na realidade, a grande utilização do autolançamento ou lançamento por homologação que citamos no capítulo anterior pode ser exemplificada como a causa da inclusão do princípio da confiança na relação penal tributária, justificando a criminalização do sujeito em quem a Administração Pública, deixando por conta deles a liberdade de apurar os valores a serem tributados e de recolhê-los ao fisco de forma espontânea, com deslealdade, apura-os de forma incorreta e lesa o erário.

Entendemos, diante do exposto, que o direito penal como meio de cobrança de tributos, sempre tributos não pagos de forma ilícita ou fraudulenta, se justifica, também, devido à necessidade de intervenção do Estado no domínio econômico visando à proteção de interesses patrimoniais públicos.

IV. Crimes Contra a Ordem Tributária e a Representação Para Fins Penais

Tais crimes estão delimitados nos art.s 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, seguidos de outras disposições. É o texto destes artigos:

Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:

I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;

II - fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal;

III - falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável;

IV - elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato;

V - negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação.

Pena - reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

Parágrafo único. A falta de atendimento da exigência da autoridade, no prazo de 10 (dez) dias, que poderá ser convertido em horas em razão da maior ou menor complexidade da matéria ou da dificuldade quanto ao atendimento da exigência, caracteriza a infração prevista no inciso V.

Art. 2° Constitui crime da mesma natureza:

I - fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar outra fraude, para eximir-se, total ou parcialmente, de pagamento de tributo;

II - deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos;

III - exigir, pagar ou receber, para si ou para o contribuinte beneficiário, qualquer percentagem sobre a parcela dedutível ou deduzida de imposto ou de contribuição como incentivo fiscal;

IV - deixar de aplicar, ou aplicar em desacordo com o estatuído, incentivo fiscal ou parcelas de imposto liberadas por órgão ou entidade de desenvolvimento;

V - utilizar ou divulgar programa de processamento de dados que permita ao sujeito passivo da obrigação tributária possuir informação contábil diversa daquela que é, por lei, fornecida à Fazenda Pública.

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Encontramos, nestes dois artigos, crimes dolosos de resultado, de dano ou crimes materiais, que são as condutas previstas no art. 1º, que requerem o resultado de supressão ou redução de tributos, e crimes dolosos formais, quando a mera conduta do contribuinte for idêntica ao disposto nos incisos I a V do art. 2º, e que, por si só, irá gerar a consumação do ilícito penal, independentemente de qual seja o resultado obtido pelo autor.

Inicialmente, antes de nos aprofundarmos nas discussões referentes às espécies penais acima descritas, necessário se faz comentarmos a existência de grande polêmica no direito penal tributário que vem ocorrendo com a deliberação, por parte do Fisco, de normas que possibilitem a representação perante o juízo criminal, no momento em que a autoridade administrativa lavra o auto de infração e imposição de multa, nele detectando a pratica de conduta delituosa tipificada como crime contra a ordem tributária.

Ocorre que art. 83 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, ao tratar dos crimes contra a ordem tributária, prevê que:

Art. 83. A representação fiscal para fins penais, relativa aos crimes contra a ordem tributária definidos nos arts. 1º e 2º da Lei n.º 8.137, de 27 de dezembro de 1990, será encaminhada ao Ministério Público após proferida decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente.

Parágrafo único. As disposições contidas no caput do art. 34 da lei 9.249, de 26 de dezembro de 1995, aplicam-se aos processos administrativos e aos inquéritos e processos em curso, desde que não recebida a denúncia pelo juiz. (grifos nossos).

O parágrafo único molda a regra de representação à extinção da punibilidade dos crimes dos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137/90 quando o pagamento do tributo juntamente com as demais cominações legais ocorrer antes da denúncia.

A regra contida no art. 83, por sua vez, reconheceu que a autuação fiscal representa um lançamento provisório geralmente contendo a imposição de penalidade administrativa também passível de questionamentos e de afirmação ou infirmação da matéria alegada, pois, a legislação prevê que se o contribuinte não concordar com a exigência fiscal poderá impugná-la no prazo de 30 (trinta) dias perante a Administração Pública competente, com efeito suspensivo do crédito, sem o recolhimento do valor questionado e dando início ao contencioso administrativo tributário.

Legislação referente aos crimes de sonegação fiscal, a Lei nº 4.729, de 14 de julho de 1965, dispunha em seu art. 7º que:

Art. 7º. As autoridades administrativas que tiverem conhecimento de crime previsto nesta Lei, inclusive em autos e papéis que conhecerem, sob pena de responsabilidade, remeterão ao Ministério Público os elementos comprobatórios da infração, para instrução do procedimento criminal cabível.

Entendemos que este dispositivo foi revogado pelos artigos 1º e 2º da Lei nº 8.137/90, de forma que os crimes de sonegação fiscal são entendidos como sendo os crimes de supressão ou redução de tributos ocorridos mediantes os procedimentos fraudulentos que esta lei descreve.

E ainda a Lei nº 4.357, de 16 de julho de 1964, já revogada e que alterava a legislação do imposto de renda, dentre outras providências, dispunha em seu art. 11, § 3º, entendimento similar ao do art. 83 da Lei nº 9.430/96:

§ 3º Nos casos previstos neste artigo, a ação penal será iniciada por meio de representação da Procuradoria da República, à qual a autoridade julgadora de primeira instância é obrigada a encaminhar as peças principais do feito, destinadas a comprovar a existência do crime, logo após a decisão final condenatória proferida na esfera administrativa.

Diante da norma do art. 83, encontramos divergências nas decisões judiciais, mesmo da Corte mais elevada, sobre este assunto. Vejamos as decisões seguintes sobre o assunto:

A representação fiscal a que se refere o art. 83, da Lei 9.430/96, estabeleceu limites para os órgãos da administração fazendária, ao determinar que a remessa ao Ministério Público dos expedientes alusivos aos crimes contra a ordem tributária, definidos nos arts. 1.º e 2.º, da Lei n.º 8.137/90, somente será feita após a conclusão do processo administrativo fiscal. (STF – Ac. HC n. 75.723-5-SP, DJ de 06.02.1998, p. 5, Rel. Min. Carlos Velloso)

O art. 83 da Lei nº 9.430 não estabelece condição de procedibilidade para a instauração da ação penal pública pelo Ministério Público, que pode antes mesmo de encerrada a instância administrativa, que é autônoma, propor a ação penal com relação aos crimes a que ela alude. (STF - Ac. Rec. Ord. (HC n. 77.258-2-SP, DJ de 03.09.1999, Rel. Min. Moreira Alves)

TJSP - CRIME DE SONEGAÇÃO FISCAL -- Lei 8.137/90 -- Ação penal -- Instauração antes de definido o valor da dívida -- Admissibilidade -- Autonomia das instâncias civil e penal -- Procedimento administrativo- fiscal que não constitui pressuposto ou condição de procedibilidade, da ação penal ou de inquérito policial para apuração do delito -- "Habeas corpus" visando trancamento da ação negado -- Prosseguimento determinado .

TACrimSP - SONEGAÇÃO FISCAL -- Lei 4.729/65 -- Inquérito policial -- Instauração antes de definido o valor da dívida -- Admissibilidade face a autonomia das instâncias cível e penal, não ficando esta adstrita à prévia definição do real montante do débito tributário do contribuinte -- Justa causa reconhecida -- "Habeas corpus" visando a suspensão do procedimento negado -- Inteligência do art. 7. º da referida lei.

A primeira decisão conclui pela limitação que se submete a administração fazendária de somente remeter ao Ministério Público os expedientes que denotarem a prática de crime contra a ordem tributária após a conclusão do processo, atendendo ao disposto no art. 83 da Lei nº 9.430/96.

A segunda, assim como as seguintes, por sua vez, afirmam que os limites impostos à administração não são condição de procedibilidade para o Ministério Público instaurar a ação pública e, neste caso, entendendo que se trata de ação pública incondicionada, somente poderiam se referir a outros crimes que não os dispostos nos artigos 1º e 2º da Lei nº 8.137/90, pois entender de modo diverso seria admitir o início da ação penal sem a constituição definitiva do crédito tributário, ou seja, sem a materialidade do crime.

Neste caso, a discussão é a autonomia das instâncias administrativa e penal, da mesma forma como ocorreu durante a vigência da Lei nº 4.729/65 sobre a autonomia das instâncias civil e penal e que gerou a edição, pelo Supremo Tribunal Federal, da Súmula nº 609 dispondo que: É pública e incondicionada a ação penal por crime de sonegação fiscal, e, desse modo, garantindo a iniciativa do Ministério Público utilizando os elementos ou meios de prova a que tivesse acesso, o que não foi confirmado pelo art. 15 da Lei nº 8.137/90 dispondo que: os crimes previstos nesta Lei são de ação penal pública, aplicando-se-lhes o disposto no art. 100 do Dec.-lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal e, a regra de direito penal, determina que a ação pública será condicionada à representação quando a lei expressamente assim o exigir.

Ainda se discute se o artigo 83 da Lei nº 9430/96 não é incompatível com o artigo 129, I da Constituição Federal, dizendo que: Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma de lei. Expllica o assunto Hugo de Brito Machado:

Essa tese, data vênia, envolve um equívoco dos méis evidentes, pois o próprio dispositivo constitucional já deixa claro que a conduta do Ministério Público há de se desenvolver nos termos da lei. Ou, em outras palavras, deixou o constituinte livre o legislador ordinário para definir como pública, ou privada, a ação penal neste ou naquele crime, e definir a ação penal pública como condicionada ou incondicionada. Como se vê, a questão da disputa de poder entre o Ministério da Fazenda e o Ministério Público, deve ser tratada a nível de lei ordinária, e não no altiplano constitucional.

Importante, ainda, citarmos entendimento diverso, do juiz federal Nelson Bernardes de Souza, quanto ao art. 15 da Lei nº 8.137/90:

“Referido dispositivo legal não foi alterado pelo art.83 da Lei n.o. 9.430/96, de modo a introduzir uma condição de procedibilidade para o exercício da ação penal. A representação de que fala o art. 83, já tratada pelos Decretos n.o. 982/93 e 325/91 nada tem a ver com a figura da representação, com o sentido jurídico que lhes empresta o Código Penal e o Código de Processo Penal. Para estes diplomas, a representação é condição de procedibilidade, enquanto que a representação de que trata o art. 83 da lei nº 9.430/96 não passa de mera notitia criminis, que não é possibilidade exclusiva das autoridades fazendárias (art. 16 da Lei nº 8.137/90 : "qualquer pessoa poderá provocar a iniciativa do Ministério Público nos crimes descritos nesta Lei...). (grifos originais)”

Não entendemos ser, este, caso de mera notitia criminis,devido à complexidade da materialização do crédito tributário e de sua constituição definitiva pelo lançamento já discutido em esfera administrativa, ao que já nos reportamos anteriormente.

O Ministro Edson Vidigal, manifesta-se sobre a existência ou não de inconstitucionalidade na determinação de somente o Fisco poder representar perante o Ministério Público após findo o processo administrativo fiscal, confirma o nosso entendimento explicando que :

“Não se trata, a toda evidência, de cerceamento da ação institucional do Ministério Público. O que a lei restringe é a ação da repartição fazendária, proibida agora como esteve quando da vigência da Lei nº 4357/64, art. 11, § 3º, de remeter papéis, para fins de denúncia, ao Ministério Público, enquanto não se concluir, no processo administrativo, sobre a existência ou não da obrigação tributária. Isto é, o crime em tese contra a ordem tributária, somente despontará, em princípio, configurado ao término do procedimento administrativo. Não é mais um simples auto de infração, resultante quase sempre de apressadas, conquanto tensas inspeções, o instrumento com potencialidade indiciária suficiente para instruir uma denúncia criminal. Inconstitucionalidade é quando a lei, em seus requisitos formais e materiais, não encontra adequação com a constituição, ou seja, quando a sua proposição soa esquisito e colide com a harmonia que resume em si o corpo e o espírito da Constituição.”

Entendimento este que, no seguinte julgado possui divergências:

STJ - CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA - Ação penal - Representação fiscal prevista no art. 83 da Lei 9.430/96 - Circunstância que não é condição de procedibilidade da persecução - Ministério Público que pode valer-se de quaisquer outros elementos informativos da ocorrência do delito para oferecer a denúncia. DENÚNCIA - Inépcia - Ocorrência - Crime contra a ordem tributária - Inicial acusatória que formula acusação genérica sem apontar de modo circunstanciado a participação da ré no fato delituoso - Mera qualidade de sócio ou diretor de uma empresa, na qual se constatou a ocorrência de crime de sonegação fiscal que não autoriza que contra o mesmo diretor seja formulada uma acusação penal em juízo - Inteligência do art. 41 do CPP.

Observamos, ainda, que o julgado acima incorre na mesma questão que vimos defendendo, da constituição definitiva do lançamento e, aqueles outros elementos que vislumbrem a ocorrência do delito contra a ordem tributária e dos quais possa valer-se o Ministério Público. Estarão, conseqüentemente, dependendo da apuração daquele crédito em esfera administrativa, pois a Lei nº 8.137/90 fala em reduzir ou suprimir tributo e esta supressão ou redução deve ser apurada.

A limitação imposta pelo art. 83 acima não pode ser incompatível com os atos normativos infralegais das autoridades administrativas fiscais, que devem àquele dispositivo se adequar. Neste sentido, verificamos a ilegalidade da Portaria CAT-76/99, da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo que determina:

Art. 1º Sempre que o Agente Fiscal de Rendas, quando da lavratura de AIIM, constatar situação que, em tese, possa configurar, também, crime contra a ordem tributária, comunicará o fato, de imediato, ao Delegado Regional Tributário de sua área.

§ 1º - Se o Delegado entender que a notícia encerra matéria de relevante interesse, procederá, por avocação, o julgamento imediato e preferencial do Auto de Infração e Imposição de Multa em Primeira Instância.

§ 2º - Após o julgamento, será imediatamente encaminhada ao Ministério Público a representação fiscal para fins penais, instruída com os elementos instrutórios do AIIM.

§ 3º - A representação a que se refere o parágrafo anterior será elaborada segundo o modelo anexo.

Art. 2º Na situação prevista nesta Portaria, a representação a que ela se refere será encaminhada independentemente do julgamento definitivo do processo de determinação do crédito nas esferas administrativas.(grifos nossos).

Ocorre que, a norma contida no art. 83, muito embora haja o entendimento de que não seja cogente para os atos do Ministério Público o qual poderá agir com os elementos que possua para formar o seu convencimento sobre a existência ou não do ilícito, é cogente, determinante, para os atos da administração, a qual somente pode fazer o que a lei determina, não podendo os atos infralegais, como o é a Portaria do CAT acima, serem incompatíveis com a lei ordinária, hierarquicamente superior, pois somente com o término do procedimento administrativo fiscal é que o lançamento se tornará definitivo e se confirmará ou não a materialidade delitiva. Antes desta constituição definitiva, o ato de lançamento pode ser desconstituído, desaparecendo, conseqüentemente, o tipo penal.

A garantia prevista no art. 83 da lei nº 9430/96 ainda mais se justifica por se compatibilizar com os princípios de direito penal, uma vez que reafirma a presunção de inocência constante do inc. LVII do art. 5º da Constituição Federal. Referido dispositivo diz que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória e, portanto, não se justifica o início da ação penal por iniciativa da própria fiscalização, se ao mesmo tempo esta se encontra revisando o seu lançamento.

A ausência de elementos suficientes para formar a sua convicção faria com que a decisão em lide penal, ficasse suspensa até o final da lide administrativa, decidindo pela existência ou não de crédito tributário e se houve ou não a prática de atos ilícitos pelo contribuinte.

A regra do art. 83 confirma também o devido processo legal e duplo grau: cerceamento do direito de ampla defesa constitucionalmente amparado pelo que dispõe a nossa Carta Magna em seu art. 5º, incisos LIV, LV e LVII:

"LIV – Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal."

"LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;"

"LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória".(grifo nosso).

De volta à distinção citada no início deste capítulo, de que os crimes previstos no art. 1º da Lei n.º 8.137/90 são crimes materiais ou de resultado, enquanto aqueles previstos no art. 2º são crimes formais ou de mera conduta, observamos que esta distinção gera outra polêmica, no sentido de que somente os crimes previstos no art. 1º, por dependerem de seu resultado, é que se inserem na regra do art. 83. Este não é o nosso entendimento, pois a regra contida no artigo 83 se refere aos dois artigos, não fazendo qualquer exceção aos tipos penais por serem ou não crimes de resultado.

Assim, sempre que o agente da fiscalização detectar um crédito tributário dotado de exigibilidade, irá antes lavrar o auto de infração e imposição de multa, o qual poderá, ser impugnado no prazo de trinta dias com efeito suspensivo. Estando, enfim, a Administração Pública, convencida da existência do crédito tributário em seu favor devido à inexistência de causas que o afastem, por estarem findas as discussões em esfera administrativa e, se, além disso, detectar a prática de ilícito por parte do contribuinte, demonstrados os indícios suficientes de autoria e de existência do fato, então, somente neste momento, irá o agente comunicar o fato ao seu superior responsável para que encaminhe ao Ministério Público a representação fiscal para fins penais.

Entender diferente seria desconsiderar, diante da complexidade da matéria referente ao ato de lançamento, toda a previsão legislativa de constituição definitiva do crédito tributário, que dá garantia de para o contribuinte de que ele somente sofrerá a tributação que estiver prevista em lei, atendendo deste modo ao princípio da legalidade, ao sobreprincípio da tipicidade fechada, quando a lei deve descrever todos os aspectos ou elementos da tributação e também ao sobreprincípio da segurança jurídica que garante ao contribuinte somente sofrer tributação, bem como as penalidades dela decorrentes, por meio de lei expressa e emanada do ente competente.

V. Causas de Extinção da Punibilidade

Imprescindível, por fim, a observação de que a nossa legislação prevê as causas em que a punibilidade estará extinta. Ressalte-se que, antes de o Fisco detectar a ocorrência de ilícito tributário, ainda subsiste ao contribuinte a possibilidade de confessar a própria infração por meio da denúncia espontânea. Neste caso, o contribuinte terá um tratamento distinto, tanto no direito tributário quanto no direito penal. A regra de direito tributário prevista no art. 138 do Código Tributario Nacional é expressa no sentido de que:

Art. 138. A responsabilidade é excluída pela denúncia espontânea da infração, acompanhada, se for o caso, do pagamento do tributo devido e dos juros de mora, ou do depósito da importância arbitrada pela autoridade administrativa, quando o montante do tributo dependa de apuração.

Ressalte-se, porém, que esta denúncia deve preceder ao conhecimento do Fisco da existência daquele crédito, declarado pelo lançamento ou pelo início de procedimento de fiscalização, para que seja realmente espontânea.

Cumpre também à Administração verificar se não houve a decadência do direito de lançar o crédito tributário e, ainda, se a sua exeqüibilidade não está extinta pela prescrição, o que explicamos com os seguintes julgados:

1.TACivSP - DECADÊNCIA - Crédito tributário - Prazo que flui desde o fato gerador do tributo até o lançamento e a constituição definitiva com a notificação ao contribuinte, momento em que começa a fluir o lapso prescricional dizente ao direito de cobrar o débito. (Disponível em: <http://www.rt.com.br/juris/juris.htm> Acesso em: 30 out. 2001).

TRF.4R - DECADÊNCIA - Caracterização - Crédito tributário - Ausência de notificação de lançamento ao contribuinte - Fluência de mais de cinco anos do fato gerador do tributo que opera o lapso decadencial, consoante o art. 150, § 4.º, do CTN. (Disponível em: <http://www.rt.com.br /juris/juris.htm> Acesso em: 30 out. 2001).

O prazo para o direito de a Administração Pública lançar o seu crédito extingue-se em regra, nos termos do art. 150 do Código Tributário Nacional, em cinco anos contados da ocorrência do fato imponível e, nos termos do art. 173 do mesmo dispositivo, contados do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter se efetuado, regra aplicada aos lançamentos por homologação, ou da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado lançamento anterior, por vício formal.

Já a prescrição irá representar o prazo pelo qual a obrigação tributária se extingue, por inércia do Fisco em executar a dívida já constituída pelo lançamentoe se extingue, em regra, nos termos do art. 168 do mesmo código, também no prazo de cinco anos.

Devem ser observadas ainda as causas de suspensão, extinção e exclusão do crédito tributário previstas nos 151 a 182 do Código Tributário Nacional e demais regras de legislação esparsa. O art. 34 da lei n.º 9.249, de 26 de dezembro de 1995 expressa que:

Art. 34, Extingue-se a punibilidade dos crimes definidos na Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e na Lei n.º 4.729, de 14 de julho de 1965, quando o agente promover o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia.

E mesmo o parcelamento do pagamento, uma vez aceito pela fiscalização, deve extinguir a punibilidade. Neste sentido, os julgados:

O acordo de parcelamento do débito tributário, efetivado antes do recebimento da denúncia, enseja a extinção de punibilidade prevista na Lei n.º 9.249/95, art. 34, porquanto a expressão promover o pagamento deve ser interpretada como qualquer manifestação concreta no sentido de pagar o tributo devido. (STJ. Ac. HC n. 10.565-SP, DJ de 21.02.2000, Rel. Min. Edson Vidigal).

O pagamento do tributo antes do recebimento da denúncia, ainda que anteriormente à vigência da Lei n.º 9.249/95, acarreta a extinção da punibilidade do crime previsto no art. 1.º, inciso I, da Lei n.º 8.137/90, por força do art. 34 daquele diploma legal, haja vista a norma do art. 5.º, XL da CF, explicitado pelo parágrafo único do art. 2.º do CP. (STJ – AC. HC n. 4.060 – DF, DJ de 14.10.1996, Rel. Min. Fernando Gonçalves). No mesmo sentido, TRF – AC. HC n. 97.02.05075-8-RJ, DJ de 10.03.1998 e TRF – Ac. Rec. 98.03.013901-0-SP, DJ de 14.10.1998).

E, neste julgado, a extinção da punibilidade pela anistia:

STJ - SONEGAÇÃO FISCAL -- Extinção da punibilidade em razão de anistia -- Hipótese em que não responde pelo crime de falsidade ideológica praticado como meio para a realização daquele delito -- Trancamento da ação penal determinado Recurso provido.(22)

Uma vez dotado de exigibilidade, o agente da fiscalização irá lavrar o auto de infração e imposição de multa, o qual poderá ser impugnado no prazo de trinta dias com efeito suspensivo. Antes, porém, da impugnação, a própria Administração Pública pode revogar os seus atos:

Essa faculdade está inserida no poder vinculado ou discricionário, mas é admitida somente antes de qualquer impugnação. Se houver impugnação administrativa ou judicial, impedida está a Administração de promover unilateralmente a revogação por motivo de conveniência ou oportunidade ou então anular o ato administrativo em razão de legalidade.(23)

Afora as causas citadas que contestam o crédito, ainda subsistem as demais causas de extinção da punibilidade previstas nos artigos 107 a 120 do Código Penal, como o é o perdão judicial.

Ainda acrescentamos que, segundo o dispositivo do art. 15 da Lei n.º 9.964, de 10 de abril de 2000, o contribuinte que tenha optado pelo Programa de Recuperação Fiscal – REFIS antes de ofertada a denúncia terá a pretensão punitiva pelos crimes definidos nos artigos 1.º e 2.º da Lei n.º 8.137/90 suspensa.

VI – Considerações Finais

Este estudo não visou esgotar o tema tão amplo, da representação fiscal para fins penais, diante da amplitude de conceitos que envolve, mas possibilitou fazermos as seguintes observações:

1. O que a norma contida no art. 83, da Lei n.º 9430/96 determina é a impossibilidade da Administração Pública fazer a representação fiscal pelos crimes definidos nos arts. 1º e 2º da Lei n.º 8.137/90 com base em crédito tributário declarado por lançamento ainda não definitivo, passível, pois, de desconstituição por processo administrativo fiscal, o que violaria o princípio do devido processo legal que, por sua vez, abrange a ampla defesa, o contraditório e a garantia de duplo grau.

2. Tal fato não viola a autonomia das instâncias administrativa e penal, uma vez que o art. 129, I da Constituição Federal determina como função institucional do Ministério Público promover privativamente a ação penal pública nos termos que definir lei ordinária cabendo, portanto, a este dispositivo legal, determinar se a ação penal pública será ou não condicionada, bem como os demais requisitos para a propositura da ação.

3. A Portaria do CAT nº76/99, bem como outras normas que contrariem o art. 83 da Lei n.º 9.430/96 devem ser questionadas, pois violam o princípio da hierarquia normativa juntamente com o princípio da legalidade, segundo o qual o contribuinte somente pode ser punido por fato concreto e tipificado na lei ordinária. No direito tributário o crédito tributário somente pode demonstrar a materialidade do delito com o lançamento definitivo, já discutido em todas as instâncias administrativas.

4. Os crimes previstos no art. 1º da Lei nº 8.137/90 são crimes materiais ou de resultado, enquanto aqueles previstos no art. 2º são crimes formais ou de mera conduta. Entender que somente os crimes previstos no art. 1º, por dependerem de seu resultado, é que se inserem na regra do art. 83 não é a interpretação correta do que esta regra dispõe, uma vez que é expressa no sentido de que o término do processo administrativo fiscal é requisito para a representação por crimes tipificados nos artigos 1º e 2º, não fazendo qualquer exceção aos tipos penais por serem ou não crimes de resultado.

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Rose Melo
Enviado por Rose Melo em 13/08/2007
Código do texto: T605356