Ação Penal

CARLOS ALBERTO FERREIRA PINTO

Bacharel em Direito pela Universidade Estácio de Sá, 2006. Pós-graduado em Direito Civil, Processual Civil e Direito Empresarial pela FESUDEPERJ (Fundação Escola Superior da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro), 2007.

ELABORADO EM NOV/2007.

SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Conceito e Natureza Jurídica – 3. Princípios aplicados – 4. Classificação – 4.1 Ação Penal Pública Incondicionada – 4.2 Ação Penal Pública Condicionada – 4.2.1 Ação Penal Pública Condicionada à Representação do Ofendido – 4.2.2 Ação Penal Pública Condicionada à Requisição do Ministro da Justiça – 4.3 Ação Penal Privada – 5. Considerações Finais.

1. INTRODUÇÃO

O direito de punir, nas primitivas sociedades, era exercido pela vítima, ou por seus parentes ou ainda por sua tribo. Esse instituto da autotutela trazia problemas à sociedade, pois incentivava a violência, bem como trazia consigo a desproporção na punição.

Na evolução social o Estado limitou o direito de punir, condicionando o direito de punir, a um procedimento no qual o acusado tem o direito de se defender e tentar provar a sua inocência. Nessa avocação do Estado-juiz, surge o processo.

Com a prática de uma infração penal, nasce para o Estado o direito de punir o seu autor. Mas para que seja punido o Estado deverá realizar um procedimento, onde deverão ser observados os princípios da legalidade, do contraditório e da ampla defesa. Dessa forma o Estado estará exercendo o jus persequendi, o direito penal objetivo para punir o autor da infração penal.

O poder inicial do processo penal foi delegado a um órgão estatal, o Ministério Público, criado com essa específica finalidade, e em certas condições ao ofendido.

Esse processo tem inicio com a deflagração da ação penal, e este será o objeto do nosso artigo.

2. CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA

O vocábulo ação deriva da expressão em latim actio, que significa agere. Segundo Aurélio Buarque de Holanda, o vocábulo ação é “ato ou efeito de agir, de atuar;...; manifestação de uma força, duma energia, dum agente”.

O conceito de ação, até a metade do século XIX, andou envolvido com o de direito. Era um conceito privatístico. Vinha de Justiniano o ensinamento de que ação não era mais que o direito de perseguir em juízo o que nos é devido.

Hodiernamente o conceito de ação penal é entendido como o direito de invocar a tutela jurisdicional do Estado-Juiz na aplicação do direito penal objetivo, na persecução criminal.

O conceito nas palavras de Fernando Capez[1]:

É o direito de pedir ao Estado-Juiz a aplicação do direito penal objetivo a um caso concreto. É também o direto publico subjetivo do Estado-Administração, único titular do poder-dever de punir, de pleitear ao Estado-Juiz a aplicação do direito penal objetivo, com a conseqüente satisfação da pretensão punitiva.

Por sua vez o renomado jurista Tourinho Filho[2] entende a ação penal como sendo “o direito de se pedir ao Estado-Juiz a aplicação do Direito Penal objetivo. Ou o direito de se pedir ao Estado-Juiz uma decisão sobre um fato penalmente relevante”.

O promotor Paulo Rangel[3] define ação penal como sendo “um direito subjetivo de se invocar do Estado a prestação jurisdicional, pois, havendo o Estado monopolizado a administração da justiça, deve dar a cada um o que lhe é devido”.

Preleciona Frederico Marques citado por Paulo Rangel[4], dizendo: “A ação penal é o direito de invocar-se o Poder Judiciário para aplicar o direito penal objetivo; e como dela se serve o Estado para tornar efetivo seu ministério penal, a ação é também um momento da persecução criminal”.

Ensina Mirabete[5] que:

A ação penal é, assim, "a atuação correspondente ao direito à jurisdição, que se exercita perante os órgãos da Justiça Criminal", ou "o direito de pedir ao Estado-Juiz a aplicação do Direito Penal Objetivo", ou ainda, o direito de invocar-se o Poder Judiciário para aplicar o direito penal objetivo.

Portanto, dos entendimentos acima se pode abstrair que a ação penal é um direito autônomo, o qual não se deve confundir com o direito material que irá se deduzir em juízo; é um direito abstrato, uma vez que independe do resultado do final do processo; é um direito subjetivo, pois o titular pode exigir do Estado-Juiz a prestação jurisdicional e ainda um direito público, pois se dirige contra o Estado e em face do réu.

É muito comum o operador do direito confundir conceito e natureza jurídica de um instituto. A natureza jurídica vem a ser a sua localização no sistema de direito a que pertence esse instituto, é o enquadramento dentro da ordem jurídica vigente.

A doutrina é cediça em afirmar que a natureza jurídica da ação penal é de norma processual. Nos dizeres de Paulo Rangel[6] temos que:

Portanto, tendo o processo, como finalidade principal, a satisfação de uma pretensão, esta somente pode ser exercida através da ação, que, por sua vez, independe da existência do direito material violado ou ameaçado de violação. Assim, sua natureza processual é patente.

3. PRINCÍPIOS APLICADOS

O CPP disciplina o procedimento da ação penal, e esta se orienta pelos seguintes princípios:

a) PRINCÍPIO DA TITULARIDADE - É um princípio atrelado à ação penal pública incondicionada, em que a titularidade do direito de punir é do Ministério Público. Ressalte-se a exceção prevista no artigo 29 do CPP e no artigo 100, §3°, do Código Penal, ao admitir a ação penal privada subsidiária da pública, em caso de inércia do órgão ministerial.

b) PRINCÍPIO DA OBRIGATORIEDADE - Estando diante de uma infração penal, o promotor de Justiça deverá exercer suas atribuições constitucionais e oferecer a denúncia, sob pena de crime de prevaricação.

c) PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO OU PERSUASÃO RACIONAL - O magistrado formará sua convicção pela livre apreciação das provas, tendo liberdade em sua valoração, conforme sua consciência. Contudo, é evidente que ele está vinculado às provas produzidas nos autos pelas partes ou determinadas de oficio, na busca da verdade real.

d) PRINCÍPIO DA DISPONIBILIDADE – Está prevista na ação penal privada e na pública condicionada à representação. Portanto, é faculdade do ofendido o direito de prosseguir ou não com referida ação. Cabe ressaltar que este princípio não está presente na ação penal pública incondicionada, em razão da indisponibilidade da ação penal (art. 42, CPP).

e) PRINCÍPIO DA INDIVISIBILIDADE - O processo contra um ofensor obriga os demais; a renúncia ao direito de queixa em relação a um dos ofensores estende-se a todos; o perdão do querelante dado a um dos ofensores aproveita aos demais (arts. 48, 49 e 51, CPP); o querelante não poderá optar, entre os ofensores, quais deles processará.

f) PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ - O juiz que presidiu a instrução está vinculado a prolatar a sentença. Esse princípio não está consagrado no CPP, somente se fazendo presente no processo civil, uma vez que o juiz, ao presidir a audiência de instrução, estará vinculado a proferir a sentença.

g) PRINCÍPIO DA OPORTUNIDADE OU CONVENIÊNCIA - Compete ao titular do direito a faculdade de propor ou não a ação penal, de acordo com sua conveniência.

h) PRINCÍPIO DA INTRANSCEDÊNCIA - A ação penal é limitada à pessoa do ofensor (réu ou querelado), não atingindo seus familiares.

i) PRINCÍPIO DA INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS - Não será declarada a nulidade de ato processual que não houver influído na apuração da verdade substancial ou na decisão da causa (art. 566, CPP).

j) PRINCÍPIO DA VERDADE REAL - O juiz, de oficio, pode determinar qualquer diligência a fim de descobrir a verdade real dos fatos que são objetos da ação penal.

4. CLASSIFICAÇÃO

A classificação tradicional da ação penal, nomeada de subjetiva pela doutrina, leva em consideração o elemento subjetivo, ou seja, se considera o seu titular. Desta forma temos a ação penal pública, promovida pelo Ministério Público; a ação penal privada, exercida pela vítima; etc., esta classificação está sistematizada nos Códigos Penal e de Processo Penal.

Assim prevê o art. 100 do CP: “A ação penal é pública, salvo quando a lei expressamente a declara privativa do ofendido”. Abstrai-se da leitura do artigo que a ação penal é pública ou privada.

Ainda o §1º do art. 100 do CP determina: “A ação pública é promovida pelo Ministério Público, dependendo, quando a lei o exige, de representação do ofendido ou de requisição do Ministro da Justiça”. Concluímos da leitura do parágrafo que a ação penal pública pode ser condicionada ou incondicionada.

Nessa linha de raciocínio passamos ao estudo de cada uma delas.

4.1 AÇÃO PENAL PÚBLICA INCONDICIONADA

Com a violação da norma penal, surge para o Estado a pretensão acusatória, que é exercida pelo Ministério Público, através da ação penal. Esse mister repousa no texto constitucional na forma do art. 5º, II da CF. Diante do princípio da obrigatoriedade o Ministério Público dever propor a ação penal pública, nas palavras de Paulo Rangel[6] “sempre que estiver com um fato típico, ilícito e culpável nas mãos, devidamente comprovado ou com elementos que o autorizem a iniciar a persecução penal”.

O princípio da obrigatoriedade se reveste do exercício de um poder-dever, atribuído ao Ministério Público, dominus litis, de exigir do Estado-Juiz a devida prestação jurisdicional, com o intuito da satisfação da pretensão acusatória estatal para o restabelecimento da ordem jurídica violada.

A ação penal pública incondicionada é promovida através da denúncia a qualquer tempo, observada a prescrição do crime. Na instauração do inquérito policial nos crimes de ação penal pública incondicionada é suficiente que a autoridade policial tenha conhecimento da ocorrência de uma infração penal.

O legislador pátrio não identificou no Código Penal os crimes de ação penal pública incondicionada, não lhe fez referências, deixando tais referências para os outros tipos de ação penal.

4.2 AÇÃO PENAL PÚBLICA CONDICIONADA

Trata-se de exceção à regra geral de que todo crime se processa mediante ação penal pública incondicionada, desta forma os casos que estão sujeitos a representação ou requisição encontram-se previstos na lei.

Essa ação tem o seu exercício subordinado a uma condição, qual seja, a manifestação de vontade do ofendido (ou de seu representante legal) ou a requisição do Ministro da Justiça.

Cabe ressaltar que mesmo nestes casos a ação penal continua sendo pública, de titularidade do Ministério Público, ficando sua atividade subordinada a uma das duas condições.

A doutrina entende que a natureza jurídica da representação é de condição objetiva de procedibilidade, uma vez que sem esse requisito exigido por lei.

Na visão de Tourinho Filho[8] o entendimento é sustentado:

Na condicionada, é ainda o órgão do Ministério Público quem a promove, mas sua atividade fica subordinada, condicionada a uma manifestação de vontade, que se traduz por meio da representação (manifestação de vontade do ofendido ou de quem o represente legalmente) ou da requisição do Ministro da Justiça (manifestação de vontade ministerial).

4.2.1 Ação Penal Pública Condicionada à Representação do Ofendido ou de seu Representante Legal

A ação penal pública condicionada à representação é promovida pelo Estado-Juiz através da denúncia. A representação é condição necessária para que o Ministério Público promova a ação penal.

O Ministério Público, que é o titular da ação penal, somente poderá dar início a ela se o ofendido ou seu representante legal previamente manifestar a vontade através da representação. Sem esta manifestação de vontade nem sequer o inquérito policial poderá ser instaurado, conforme se depreende do art. 5º, §4º do CPP.

Manifestada a vontade do ofendido ou de seu representante legal e iniciada a ação penal, ou seja, oferecida a denúncia, o Ministério Público assume incondicionalmente, sendo irrelevante qualquer tentativa no sentido de retratação, conforme a previsão do art. 25 do CPP.

Em nosso ordenamento jurídico as infrações que dependem de representação, segundo Fernando Capez[9], são as seguintes:

Perigo de contágio venéreo (CP, art. 130, § 2º); crime contra a honra de funcionário público, em razão de suas funções (art. 141, II, c/c o art. 145, parágrafo único); ameaça (art. 147, parágrafo único); violação de correspondência (art. 151, § 4º), correspondência comercial (art. 152, parágrafo único); furto de coisa comum (art. 156, § 1º); tomar refeição em restaurante, alojar-se em hotel ou utilizar-se de transporte sem ter recursos para o pagamento (art. 176, parágrafo único); corrupção de preposto e violação de segredo de fábrica ou negócio (art. 196, § 12, X a XII, c/c o § 2º); nos crimes contra os costumes, quando os pais da vítima não têm condições de arcar com as despesas do processo (art. 225, § 2º). O Supremo Tribunal Federal entendeu que, cessado o estado de miserabilidade do ofendido, que legitimou o Ministério Público à propositura da ação, esta passaria a ser de natureza privada, cabendo à vítima, ou a quem de direito, dar-lhe prosseguimento no prazo de trinta dias, sob pena de perempção, causa extintiva da punibilidade (CPP, art. 60, I; CP, art. 107, IV). Nos crimes contra a honra de funcionário cometido propter officium a ação penal também é pública condicionada à representação, de acordo com o Código Penal (art. 145, parágrafo único) e a Lei de Imprensa (art. 40, I, b, da Lei n. 5.250, de 9-2-1967), sendo incabível a persecução privada. Entretanto, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria, já decidiu que a legitimação para a iniciativa do processo criminal nessa hipótese é alternativa: do Ministério Público e do ofendido, admitindo-se, por conseguinte, a queixa.

O prazo decadencial, do direito de queixa, deverá ser exercido pelo ofendido ou seu representante legal dentro de seis meses a contar do dia em que vier a saber quem é o autor do crime, como prevê o art. 38 do CPP, ou no caso do art. 29 do CPP, do dia em que se esgotar o prazo para o oferecimento da denúncia, ou ainda no mesmo direcionamento o art. 103 do CP, como regra geral.

Em excepcional a Lei de Imprensa (Lei n. 5.250/67) adota prazo diverso para a representação. Nos crimes de ação penal pública condicionada, regulados por esta lei, o prazo, previsto no art. 41, §1º, é de três meses a contar da data do fato.

A representação poderá ser dirigida ao juiz, ao representante do Ministério Público ou à autoridade policial (cf. art. 39, caput do CPP). Cabe ainda ressaltar que, o Ministério Público não está obrigado, diante da representação do ofendido, a oferecer a denúncia, e também não está obrigado a acatar a definição jurídica do fato contido na representação.

4.2.2 Ação Penal Pública Condicionada à Requisição do Ministro da Justiça

A ação penal pública condicionada à requisição do Ministro da Justiça também constitui exceção a regra geral. Nessa modalidade há subordinação à manifestação de vontade do Ministro da Justiça, sem a qual será impossível a instauração do processo, como prevê o art. 24 do CPP e o art. 100, §1º do CP.

O Ministério Público não poderá oferecer a denúncia sem a condição de procedibilidade exigida por lei. No caso da não observância da condição pelo Ministério Público, o magistrado deverá rejeitar a peça acusatória sob o fundamento do art. 43, III do CPP.

Há na doutrina o entendimento de que a requisição se trata de ato político, o ilustre doutrinador Tourinho Filho[10] assevera que “A requisição, na espécie, é um ato político, porque "há certos crimes em que a conveniência da persecução penal está subordinada a essa conveniência política”.

As hipóteses previstas em nosso ordenamento jurídico para as infrações que dependem de requisição, segundo Fernando Capez[11], são as seguintes:

Hipóteses de requisição: são raras as hipóteses em que a lei subordina a persecução penal ao ato político da requisição: crime cometido por estrangeiro contra brasileiro, fora do Brasil (CP, art. 7º, § 3º, b); crimes contra a honra cometidos contra chefe de governo estrangeiro (CP, art. 141, I, c/c o parágrafo único do art. 145); crimes contra a honra praticados contra o presidente da República (CP, art. 141, I, c/c o art. 145, parágrafo único); crimes contra a honra cometidos contra chefe de Estado ou governo estrangeiro ou seus representantes diplomáticos, por meio da imprensa (cf, art. 23, I, c/c o art. 40, I, a, da Lei n. 5.250/67); crimes contra a honra praticados por meio da imprensa contra ministro do Supremo Tribunal Federal (art. 23, I, da Lei n. 5.250/67); e crimes contra a honra por meio de imprensa cometidos contra presidente da República, presidente do Senado e presidente da Câmara dos Deputados (art. 23, I, c/c o art. 40, I, a, da Lei n. 5.250/67).

Em relação ao prazo, para o oferecimento da requisição, o Código de Processo Penal é omisso. A doutrina vem entendendo que o Ministro da Justiça pode oferecer a requisição enquanto não estiver extinta a punibilidade.

Da mesma forma o Ministério Público não está obrigado a oferecer a denúncia, uma vez que é o titular exclusivo da ação penal pública, e só a ele cabe a valoração dos elementos contidos na requisição.

É de boa monta ressaltar que essa ação cabível nos crimes contra a honra, praticados contra chefe do Governo estrangeiro (CP, arts. 141, I, 1.ª parte), constitui crime contra a Segurança Nacional (art. 26 da Lei n. 7.170/83). Portanto, não segue a regra do Código Penal, quanto à ação penal.

4.3 Ação Penal Privada

O Estado-Juiz é o detentor exclusivo do jus puniendi, mas em alguns casos ele transfere a vítima o direito de acusar, o jus accusationis, muito embora o direito de punir ainda lhe pertença. Esse consentimento se justifica porque nestes casos o interesse da vítima se sobrepõe ao interesse público.

Nesse sentido preleciona Fernando Tourinho[12]:

Já vimos, inicialmente, que toda a ação penal é pública. Entretanto, no Direito pátrio, à maneira do que ocorre em várias legislações, admite-se a ação penal privada, atendendo-se àquelas razões já aduzidas: a) a tenuidade da lesão à sociedade; b) o assinalado caráter privado do bem jurídico tutelado; c) o strepitus judicii (o escândalo do processo, a publicidade dada ao fato em decorrência do processo), que pode ser muito mais prejudicial ao interesse da vítima do que a própria impunidade do culpado etc.

A distinção entre a ação penal pública e a privada repousa na legitimidade de agir. Entende-se na doutrina que se trata de substituição processual, uma vez que a vítima ao exercer a queixa está defendendo um interesse alheio, interesse exclusivo do Estado, em nome próprio.

A doutrina faz distinção a duas espécies de ação penal privada, quais sejam, a ação penal privada exclusiva (ou personalíssima) e a subsidiária da ação penal pública.

A ação penal privada será exclusiva quando o seu exercício competir, única e exclusivamente, a vítima. Não há possibilidade, neste caso, de que a queixa seja proposta por representante legal.

Já a ação penal privada será subsidiária da ação penal publica quando, por inércia, o Ministério Público não oferece a denúncia no prazo legal dos art. 100, §3º do CP e art. 29 do CPP. Constitui essa exceção numa garantia constitucional prevista no art. 5º, LIX da CF, em concordância com o princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário, previsto no inciso XXXV do mesmo artigo.

Assim entende o doutrinador Mirabete[13]:

Qualquer que seja o delito que se apura mediante ação penal pública, se o Ministério Público não oferece a denúncia no prazo que, em regra é de cinco dias, se o agente estiver preso, e de quinze dias, se solto (art. 46 do CPP), poderá a ação penal ser instaurada mediante queixa do ofendido ou de quem tenha qualidade para representá-lo. Isso não significa que, ultrapassados esses prazos, não mais possa ser iniciada a ação pública, e sim que se faculta à vítima a substituição pela ação privada.

O Código Penal estabelece os crimes de ação penal privada, quais sejam: a) calúnia, difamação e injúria (arts. 138, 139 e 140), salvo a exceção do art. 145, p.ú; b) alteração de limites, usurpação de águas e esbulho possessório, quando não houver violência e a propriedade for privada (art. 161, § 1º, I e II); c) dano, mesmo quando cometido por motivo egoístico ou com prejuízo considerável para a vítima (art. 163, caput, parágrafo único, IV); d) introdução ou abandono de animais em propriedade alheia (art. 164 c/c o art. 167); e) fraude à execução (art. 179 e parágrafo único); f) violação de direitos autorais e os que lhe são conexos (arts. 184); g) induzimento a erro essencial e ocultação de impedimento para fins matrimoniais (art. 236 e seu parágrafo); h) crimes contra os costumes (Capítulos I, II e III do Título VI da Parte Especial do CP), desde que: não sejam cometidos com abuso de pátrio poder, da qualidade de padrasto, de tutela ou curatela; da violência empregada não resulte lesão corporal grave ou morte; possam a ofendida ou seus pais prover às despesas do processo, sem privarem-se dos recursos indispensáveis à sua subsistência; e desde que, no caso do estupro, o crime não seja cometido com violência real (Súmula 608 do STF); i) exercício arbitrário das próprias razões, desde que praticado sem violência (art. 345, parágrafo único); j) em legislação especial, os únicos casos de ação privada são os crimes contra a honra cometidos por intermédio da imprensa (Lei n. 5.250/67).

O prazo para o oferecimento da queixa, na ação penal privada exclusiva, é de seis meses, contados do dia em que a vítima vier a saber quem é o autor do crime (Cf, art. 38 do CPP), e também na ação penal privada subsidiária, do dia em que se esgota o prazo para o oferecimento da denúncia (Cf, art. 103 do CP e art. 29 do CPP). Trata-se de prazo decadencial conforme a regra do art. 10 do Código Penal.

No mesmo sentido o processualista Mirabete[14] assevera:

Enquanto a ação pública pode ser instaurada até ocorrer prescrição da pretensão punitiva, a queixa só será admitida dentro do prazo de seis meses, contado do dia em que o ofendido veio a saber quem é o autor do crime, na ação privada exclusiva, e do dia em que se esgota o prazo para o oferecimento da denúncia, na hipótese de ação subsidiária (arts. 103, do CP, e 38 do CPP). Trata-se de prazo ordenatório, em que a lei faculta a prática de um ato; escoado ele sem a propositura da queixa, ocorre a decadência, causa extintiva da punibilidade.

Cabe ainda ressaltar que, se ocorrer a morte do ofendido ou sendo ele declarado ausente por decisão judicial, o direito de queixa-crime ou de prosseguir na ação passa ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão (Cf, art. 100, § 4º do CP).

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS.

O presente artigo tem por escopo, dar, em linhas gerais, um apanhado sobre ação penal e a sua importância para a persecução do jus puniendi do Estado-Juiz.

Em torno do tema é cediço que toda a ação penal é pública, vez que ela é um direito subjetivo perante o Estado-Juiz. A distinção entre ação penal pública e ação penal privada se faz em razão da legitimidade ativa para agir, sendo pública quando o legitimado para agir for o Ministério Público e privada, quando o legitimado para agir for a vítima ou quem tenha a qualidade para representá-la.

O legislador, no texto legal, não fez qualquer referência á ação penal, quando quis que um crime fosse de ação penal pública incondicionada. Contudo, fez referência a representação, quando quis que o crime fosse de ação penal pública condicionada à representação do ofendido ou a requisição do Ministro da Justiça. E, inseriu no texto legal a expressão “somente se procede mediante queixa”, quando quis que o crime fosse de ação penal privativa.

Os princípios que regem a ação pública são o da indivisibilidade, da obrigatoriedade e da indisponibilidade.

Os princípios que regem a ação privada são o da indivisibilidade, da oportunidade e da disponibilidade.

NOTAS

[1] CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 97.

[2] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 21ª. ed. São Paulo : Saraiva, 1999, p. 305.

[3] RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 7ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2003. p. 206.

[4] FREDERICO MARQUES, apud RANGEL, Direito Processual Penal. 7ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2003. p. 207.

[5] MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 10ª ed. São Paulo: Atlas, 2000, p. 125.

[6] RANGEL, Paulo. op. cit. p.208.

[7] RANGEL, Paulo. op. cit. p. 209.

[8] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit. p. 322.

[9] CAPEZ, Fernando. op. cit. p. 106.

[10] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit. p. 374.

[11] CAPEZ, Fernando. op. cit. p. 112.

[12] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. op. cit. p. 416.

[13] MIRABETE, Julio Fabbrini. op. cit. p. 125.

[14] MIRABETE, Julio Fabbrini. op. cit. p. 137.

BIBLIOGRAFIA

BRASIL, Código Penal. Organizador Luiz Flávio Gomes. 6 ed. São Paulo: RT, 2004.

BRASIL, Código de Processo Penal. Organizador Luiz Flávio Gomes. 6 ed. São Paulo: RT, 2004.

CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 10ª ed. São Paulo: Atlas, 2000.

RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 7ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2003.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 21ª. ed. São Paulo : Saraiva, 1999.

Referência Bibliográfica:

PINTO, Carlos Alberto Ferreira. Ação Penal. Recanto das Letras. São Paulo, 30 Nov. 2007. Disponível em:<http://www.recantodasletras.com.br/textosjuridicos/758948>. Acesso em: (data).